Odiando tudo que você escreve

By Eduardo Albuquerque - 2/01/2016




Minha amiga e roteirista mestre (adjetivo e substantivo; ela é sinistra E tem mestrado em roteiro pela USC) Manuela Bernardi comentou um dia que eu deveria prestar um serviço à comunidade de roteiristas fazendo um post aqui no blog sobre aquela fase onde odiamos muito tudo que escrevemos. É um clássico que acontece em todo projeto: você começa empolgado com o descobrimento de uma possibilidade criativa, apaixona-se cheio de tesão com novas descobertas enquanto vai planejando/escrevendo o roteiro, até um momento em que... puff! Tudo muda; você olha pro seu trabalho e fala "Blergh... que merda. Eu sou um merda." Continuar/finalizar aquele projeto se torna uma verdadeira luta; você passa a dedicar mais tempo a outras idéias e a procrastinação vira uma arte.

Mas foi só essa semana que encontrei um ângulo para falar sobre esse estágio. Aconteceu quando eu estava voltando pra casa, satisfeito da vida, quase assobiando por conta do bom dia de trabalho criativo que tive. Na manhã havia escrito três novos posts pro blog, na tarde escrito muitas novas páginas do primeiro tratamento de um projeto no qual estou trabalhando... good stuff. Foi aí que me caiu uma ficha que é muito verdadeira para mim e, pensando bem, não me parece ser absurdo dizer que é universal para quem escreve. Ei-la:

Nós, escritores, somos pessoas curiosas. Gostamos do "novo", do "desconhecido". E aqui há um problema: nosso trabalho é repetição pura. A gente vê e revê ad nauseam o filme que escrevemos em nossas cabeças. Matamos todas as novidades, somos obrigados a nos apoderar de TODOS os elementos que cercam a história. Somos Deus e não há nada mais chato do que ser Deus; qual o desafio disso? Então, chega uma hora que você cansa mesmo. Nada te surpreende. Aquele sentimento não verbalizado que a idéia imaterial te trazia se banaliza depois de você pensar e repensar mil vezes em como aquilo vai se dar de maneira lógica. Vira uma coisa metódica (mas muito importante pro produto final) que não traz muito prazer. Humanos que somos, botamos a culpa no sofá - quer dizer, no roteiro! - e passamos a maldizer tudo que construímos "Pqp! Eu perdi meu mojo; tudo que to escrevendo tá uma merda!".

Você se identificou? Já viveu isso em algum momento? Se sim, estou aqui pra falar: você não está sozinho; isto acontece com todos nós!

Não se cobre loucamente por conta disso. Não entre numa pira e abandone tudo, pois se o fizer, vai repetir esse padrão pro resto da vida. É importante abraçar essa fase e lutar até o fim pra finalizar o que você está fazendo. Até porque, em cinema, você vai ter mil re-escritas mesmo. O roteiro nunca é a peça final, lembra? É apenas um ponto de partida. Então seu trabalho não é fazer algo que está "pronto" e sim algo que esteja bom o suficiente (leia-se "que faça algum sentido") para que outras pessoas possam trabalhar em cima dele, pra que possam planejar os seus trabalhos.

O que funciona pra mim é me alinhar à essa fase de odiação e quase me destacar de mim mesmo e ficar junto no bullying dizendo "Dudu, parabéns; achei que pior que o seu último trabalho não ia ser possível, mas você foi lá e se superou", canto aquela música "Peter, you suck" do filme "Forgetting Sarah Marshall" (e do .gif deste post) substituindo Peter por Dudu, rio disso e nos momentos mais difíceis escrevo quase de sacanagem. Uma versão pastiche do que considero aceitável. Uma vez finalizado o que quer que eu tenha feito, tenho um tratamento muito ruim e incompleto daquilo. Deixo dormir. Quando voltar ao que fiz, se for séria a coisa e eu continuar  muito desconfortável com tudo que tiver escrevendo, entrego daquele jeito para os colaboradores (informais e formais: amigos, roteiristas, produtores etc.) pra ver o que eles acham. Não porque estou desistindo, mas porque, sei lá; esta ruindade toda pode ser apenas da minha cabeça, de quem já viu e reviu aquilo mil vezes. Eles podem chegar e dizer "wow! Isso tá muito legal!". E aí cada coisa que eles pedirem pra mudar será uma coisa "nova", doravante excitante pra você, roteirista curioso. E se não for tão séria a insatisfação, se eu voltar ao projeto depois do descanso e achar tudo que fiz apenas ruinzinho, terei refrescado o ânimo (fazendo outras coisas ou não) pra voltar com olhos novos e analisar o que tava ruim ou bom de fato e afinar/refazer o que for necessário.

Não fique obcecado com o quanto você e tudo que você escreveu está ruim. Abrace sua ruindade. Escreva o que é bom suficiente pra fazer sentido, sabendo que ainda vão ter muuuuitos tratamentos pra tornar aquilo "pronto".

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