Você conhece a Roteiraria? De início, era uma espécie de "produtora de roteiros". Formada, logicamente, por roteiristas, ela se propunha a prestar serviços para produtoras e marcas, afim de trazer a expertise narrativa para o projeto/produto que estes clientes precisassem. Então, uma produtora tinha boa entrada com Cauã Reymond e queria fazer um filme com ele como super-heroi? Chamavam a Roteiraria e seu time para cuidar do desenvolvimento do roteiro.
O "problema" é que o cabeça da Roteiraria, além de grande roteirista, é um notável excelente professor. José Carvalho é nome carimbado em diversos roteiros de longa-metragens da filmografia brasileira, mas ainda mais reverenciado por suas aulas de roteiro, tendo formado e trocado com inúmeros roteiristas da nova geração (inclusive este que vos escreve).
Portanto, como seria uma lástima esquecer um talento tão nobre como é o "ensinar", Zé (ou "Derinho" pros mais próximos) criou um segundo braço para a Roteiraria: uma escola de roteiro.
O projeto vem rolando há algum tempo e agora no começo deste ano, tem 3 cursos bem bacanas:
O primeiro, acabou de começar! (Corre lá no site da Roteiraria que talvez ainda dê pra pegar) É o "Formação de Roteiristas" e será ministrado por Rodrigo Petrônio e Ricardo Tiezzi ("Superpai", "Qualquer Gato Vira Lata" e vários outros créditos). O investimento não é barato: 11 mil dinheiros. Mas também não é pouco o que você ganha em troca. Além da qualidade programática do curso, algo que é difícil de mensurar em dinheiro, são 120 horas (40 aulas), fora a oportunidade de conhecer e fazer amizade com colegas roteiristas; o que, sempre falo, é algo primordial para a nossa carreira nesta indústria que é feita de "gente" e relacionamentos e não necessariamente de "currículos" e "conquistas". Fora que, eles dizem nas brochuras, a Roteiraria costuma trabalhar com produtoras parceiras, para que elas avaliem os roteiros produzidos no curso de maneira a posicionar seus alunos no mercado. Essa parte, sinceramente, eu não levaria tanto em consideração, porque é mais "wishfull thinking". Não é como se as produtoras estivessem loucas atrás de projetos, com dinheiro sobrando pra aplicar... e não é por isso que você deve se interessar em fazer o curso. Essa "venda" vai acontecer naturalmente e participar de coisas assim, com pessoas da indústria, vai te ajudar a dar um passo até esse desejo - o que, por si só já é ótimo! - mas dificilmente vai ser o passo final-definitivo.
O segundo curso é sobre "Branded Content", ou conteúdo para marcas. Esse, ministrado por Patricia Leme, é pra quem quer viver de roteiro no audiovisual e tem o discernimento que um caminho apenas de conteúdo próprio ("meu filme", "minha série", "meu desenho"...) é árduo e mais demorado do que a vida real nos permite. Aprender mais sobre como as marcas usam do audiovisual para construirem suas narrativas e se comunicarem com os consumidores é algo necessário para a vida prática de um roteirista de mercado e engrandecedor narrativamente até mesmo para quem já pode se dar ao luxo de só se preocupar em realizar seus próprios projetos autorais.
E o terceiro curso é a "Oficina de Séries", ministrada por Patricia Leme de novo e também o próprio José Carvalho; que faz a coordenação pedagógica de todos os cursos citados. Esse, me parece, é o curso que atrairá mais pessoas, pois é o assunto mais em voga e a ementa parece ser mais ampla, recebendo desde os estudantes universitários até roteiristas já formados, sedentos pelo ponto de vista sempre esclarecedor do professor José Carvalho.
Então, fica a dica. A Roteiraria tem sede no Rio de Janeiro também. Estes 3 cursos são meio pra "agora", mas fica entrando no site deles ou se inscreve na newsletter, que já já é capaz destes cursos irem pro RJ também
Claro que você, roteirista antenado, está acompanhando o que tem rolado em Hollywood acerca das diversas denúncias de assédio sexual. Muita gente tá expondo seus casos e, com isso, gente "graúda" está rodando.
De Harvey Weinstein a Dustin Hoffman, Kevin Spacey, Louis CK, James Toback, Bryan Singer, Brett Ratner, John Lasseter, Danny Masterson, Jeremy Piven, Jeffrey Tambor... A lista (já) é longa e, tenho certeza, tem espaço para aumentar muito mais, uma vez que não tem como fugir: Hollywood é uma indústria que basicamente lida com "sonhos"; dentro de um mundo patriarcal, machista como o nosso, naturalmente pessoas se aproveitam da facilidade de caminho de abuso de poder e agem desta forma predatória.
Minha opinião sobre isso? Acho ótimo. Que caiam todos! Toda a força e apoio às mulheres (e homens) que foram vítimas. Que a era do "abafa" tenha ficado para trás.
O que fico pensando é o quão transformador esse movimento pode ser. O audiovisual é um mercado muito pautado por "poder" e acho que, no fundo, a grande revolução que está acontecendo também no cinema, mas no mundo todo, é uma desvalorização do conceito de "poder" e um deslocamento em direção à "diplomacia". "Poder" fazia sentido em épocas de guerra física e armada, belicosa. O mundo está super populado, não comporta mais esse tipo de guerra sem causar danos colaterais a parceiros ou até ao próprio atacante. Faz-se guerra de inteligência, química ou muito concentrada; logo a moeda de poder passa a ser "educação", "sagacidade", "inteligência", "empatia" e não garganta, força bruta, ignorância e intimidação. O único último poder que existe é o financeiro, pois "a infraestrutura determina a superestrutura". E foi aí que a coisa pegou e fez a diferença lá em Hollywood. A perda financeira que estes casos causavam era maior do que o "clube do bolinha" ou a "força" que os abusadores tinham. Refilmaram todas as cenas com Christopher Plummer no lugar de Kevin Spacey no filme "All the money in the world", porque o filme ia naufragar terrivelmente. Custou cento e tantos milhões e ninguém ia ver, nenhuma atriz ia querer divulgar o filme... muito mais fácil botar outro ator e tentar salvar o investimento, certo? E, com a recorrência destes abusos vindo à luz, este cuidado, espero, passará a ser preventivo e pessoas deste tipo nem chegarão a serem envolvidas em projetos deste calibre; se tornam o que chama de "liability".
Conversei com colegas da indústria sobre o caso. A maioria concorda com esta linha; a era dos diretores esporrentos, dos produtores que lideram por medo, dos Professores Fletchers (do filme Whiplash) está em seu ocaso. Vem aí a era da diplomacia, do diálogo, do vencer pela qualidade e coerência do argumento artístico e não pela intimidação hieráquica extra discussão de idéias/visões tão comum em nosso meio.
No entanto, houve gente que defendesse que, salve casos de assédio sexual, no fim das contas o que importa é quem "entrega", logo, tolerar-se-ía os profissionais "de personalidade forte", caso eles fizessem bons trabalhos. Eu realmente não gosto dessa visão. Primeiro que o assédio sexual e o abuso de poder fazem parte da mesma efera. E outra que, apesar da boa ficção aparentar realidade; elas não são a mesma coisa. Esses argumentos de que o bom ator "vive" de fato (à la method acting) o papel, ou que o roteirista, para escrever um drogado, tem de ter se drogado... é uma grande balela. Quer dizer então que o George Lucas já foi pro espaço várias vezes?! Então, não compro isso de que o drama real numa produção é colateral das gênias mentes por trás do processo. Isso é um argumento torpe de quem quer usar suas qualidades como escudo para seus defeitos. Uma coisa independe da outra. É perfeitamente possível ser profissional e legal e fazer um bom trabalho. Não tenho a menor dúvida. E mesmo se tivesse, se as boas obras só existissem quando houvesse essa "entrega" e outras palavras que andam numa linha tênue do abuso de poder, acho que a possibilidade da população poder assistir uma boa obra de arte não pode ser mais importante do que a dignidade, a sanidade e, em muitos casos, até a saúde de uma só pessoa que tem que pagar por todos.
Que Hollywood nos mostre o caminho e venha a era dos gente boa!
Hoje estréia em 325 salas no Brasil "O Rastro", um longa-metragem de terror com uma trama muito interessante: trabalhando no desativamento de um hospital público caquético, João, o médico responsável pela transferência dos pacientes da UTI, dá pela falta de uma criança e ao ir atrás do rastro desse desaparecimento encontrará perturbadoras verdades. Bati um papo com meu amigo André Pereira (Mato sem Cachorro), roteirista, junto a Beatriz Manela, do filme para conversar um pouco especificamente sobre o processo criativo do filme, mas também sobre o ofício do roteirista em geral. Espero que curtam e não deixem de assistir o filme no cinema! Filme de terror tem que ver no cinema!
André Pereira é um cara muito peculiar. O conheci na faculdade de cinema da PUC-Rio, para, só depois, alguns anos mais tarde, descobrir que ele cursava economia(!) na IBMEC(!!) Ele era amigo de escola de um colega filho da puc (Vitor Leite, hoje produtor na TV Zero) e, amante do cinema como era, não só frequentava os eventos e screenings do curso, como participava de vários curtas pontifícios, seja produzindo ou escrevendo. Anos depois, por coincidências do destino, acabamos nos encontrando no "mercado" e desenvolvendo uma amizade natural, afinal, além da história doida, temos diversas semelhanças: tricolores, roteiristas na mesma faixa etária, ambos casados com uma Luisa e outras coisas.
Além da boa companhia e papo interessantíssimo, André é não só um promissor roteirista, mas também um excelente produtor e, junto com a também querida (e feríssima!) Malu Miranda, fundou a Lupa Filmes - o que faz da produtora um dos melhores lugares para um roteirista trabalhar... tive a oportunidade de desenvolver um projeto com eles e, nossa!, é muito bom quando a discussão do roteiro é em alto nível; com eles sempre o é. Agora, 4 anos depois de lançar a comédia blockbuster "Mato sem Cachorro"(escrita também por André), a Lupa Filmes traz aos cinemas... um filme de terror!
André, Malu e Beatriz Manela na pré-estréia de "O Rastro"
Muita gente fala de "pigeonhole" do
roteirista (Saca? Quando colocam ele numa "caixa" de gênero e ele não consegue
mais fazer outros projetos de outros estilos, porque na cabeça de todo mundo
"ele é um roteirista de X e não de Y")... Você saiu do "Mato sem Cachorro" (2013), uma comédia blockbuster de mais de 1 milhão e 200 mil pessoas para
um filme de terror... foi uma decisão consciente ou foi por acaso?
Não foi uma decisão consciente, mas confesso que fiquei
muito feliz agora que você apontou isso! Na verdade, quando eu e a Malu (Miranda,
produtora de "O Rastro") criamos a Lupa Filmes, nós começamos a desenvolver os
dois projetos praticamente juntos: uma comédia romântica que se tornou o "Mato
sem Cachorro"; e um filme de terror com o João Caetano Feyer que eventualmente virou "O Rastro". A
diferença é que a comédia romântica levou 4 anos para ser desenvolvida,
produzida e lançada, enquanto "O Rastro" demorou o dobro do tempo. Mas eu
sempre gostei de filme de gêneros diferentes. Eu achava incrível que o William
Goldman e o Rob Reiner conseguiram fazer um clássico de fantasia/aventura infantojuvenil
como "The Princess Bride" (A Princesa Prometida) e logo depois um suspense do Stephen King como "Misery" (Louca
Obsessão). E olha que o Rob Reiner ainda fez "When Harry met Sally" com a Nora
Ephron entre um e outro!
E o plano pro futuro é continuar
fazendo mais coisa diferente? Ser pigeonholed como o cara que não é pigeonholed?
Um Jonathan Demme/Richard Linklater do roteiro?
Seria muito maneiro! Por enquanto, eu tenho uma outra
comédia que já estou desenvolvendo há 4 anos e já comecei a trabalhar também em
outro filme de terror. O problema é que os projetos de cinema demoram tanto
tempo que não consigo controlar a carreira desse jeito, mas seria incrível se
pudesse intercalar. Na verdade, eu acho importante você escrever num gênero que
goste e que se sinta confortável. Por um acaso, eu amo comédia e
terror/suspense. "O Rastro" foi uma grande imersão nesse universo das minhas
referências pessoais de filmes de gênero. Mas não sei se conseguiria ir pro
drama ou melodrama, por exemplo. Eu consigo ver filmes clássicos dentro desses
gêneros, mas não é uma coisa que me atrai. A comédia e o terror me atraem!
André em uma de suas peregrinações por hospitais cariocas durante a pesquisa de "O Rastro"
Vamos falar do processo criativo
do "O Rastro"... sei que envolveu muita pesquisa. Mas no que
consistia a pesquisa? Você precisou entender melhor o sistema de saúde
brasileiro para conseguir encontras as melhores formas de adaptar sua idéia e
extrair o medo e o suspense da coisa? Ou foi através da pesquisa que você chegou
ao mecanismo principal da trama?
O desenvolvimento do "O Rastro" foi um processo intenso de
aprendizagem que durou quase 8 anos. Aprender a fazer pesquisa foi uma grande
parte disso. No "Mato sem Cachorro", eu tinha feito muito pouca pesquisa. Eu
não tinha familiaridade com o processo. Eu achava que num roteiro original o
importante era o processo de criação do universo. Quando eu comecei a escrever
"O Rastro" com a Bia Manela, a nossa principal pesquisa era dentro do gênero do
terror. A gente começou a procurar filmes, séries, livros, contos, quadrinhos,
anime/mangá... Tudo pra tentar descobrir que tipo de filme que a gente queria
fazer. Nosso primeiro instinto foi ir pra base do terror na literatura gótica.
A gente ficou tão obcecado com o "The Turn of the Screw" (e a adaptação pro
cinema, "The Innocents") e o "Rebecca" do Hitchcock, que resolvemos propor uma
trama que se passava em uma casa isolada no campo. A gente passou alguns anos
desenvolvendo essa história que também seguia essa linha do subgênero do
sobrenatural/psicológico, mas num ambiente remoto até que percebemos que
estávamos tão presos as nossas referências que não nos conectávamos mais com
aquela trama. Não tinha nada pessoal nosso naquele universo. Foi nesse momento
que a gente reinventou o filme e começamos a pensar "o que nos dá mais medo?".
Nada dá mais medo do que ficar doente ou ter que depender de um hospital...
Exatamente! A gente tem muito medo de hospital! Mas aí surgiu essa necessidade da
pesquisa porque nós dois não conhecíamos nada desse universo médico. A gente
começou com uma pesquisa com médicos, mas depois foi ampliando para diretores
de hospital e eventualmente o pessoal da Secretaria de Saúde. O quanto mais a
gente se aprofundava na pesquisa, mais a gente achava a realidade bem mais
interessante que a ficção. O sistema de saúde brasileiro tem questões muito
complexas, então foi muito importante pra gente entender os temas que a gente
queria abordar. Ao longo do processo de desenvolvimento, alguns hospitais no
Rio estavam sendo fechados e foi aí que surgiu esse caminho da Central de
Regulação, que é uma área estratégica da Secretaria de Saúde que controla os
leitos dos hospitais. Ou seja, a gente começou a pesquisa procurando respostas
para algumas idéias de trama que estavam surgindo, mas depois a pesquisa acabou
trazendo outras questões que ditaram a narrativa do filme. Outro
ponto importante de pesquisa que eu nunca tinha usado foi uma consultora
médica. Ao longo do desenvolvimento, a gente conheceu uma médica incrível da
nossa idade, a Lila Domingues, que virou nossa consultora oficial. Como a gente
ficou muito amigo, podia ligar pra perguntar, "Lila, como que a gente mata o
personagem tal?"
Com um castiçal no salão de jogos?
E, assim... mesmo você e a Malu sendo mega
eficientes, no Brasil nosso processo do desenvolvimento até a filmagem é MUITO longo. E pior: picadinho. Você tem um "rush" de excitação e
trabalho aqui, mas logo logo a vida e o processo acabam diminuindo isso e aí depois acontece alguma coisa que faz voltar a
pegar fogo e repete todo esse processo de novo algumas vezes. Embora a política esteja sempre em
constante ebulição e transformação, é inegável que durante todo esse processo
de "O Rastro"até hoje, a política tava mais aquecida do que nunca, né? Com
diversos escândalos pipocando em todos os âmbitos: nacional, estadual...
A própria saúde, especificamente. O (ex-secretário de saúde do RJ) Sergio Côrtez...
Exato! Isso foi um problema pra você e pra sua história ou isso jogou
a favor? Você tem alguma dica pro roteirista que tem que enquadrar uma
realidade que está em constante mudança?
É muito bom dar essa entrevista, porque você sabe como é viver esse processo
constante de começar/parar na pele. Acho que poucas pessoas falam sobre a
dificuldade de desenvolvimento de roteiro no Brasil por essa ótica de
interrupções do processo criativo. E devíamos colocar mais em pauta isso para um melhor desenvolvimento do nosso mercado. No caso do "O Rastro" foi interessante, pois
o contexto político acabou acompanhando o desenvolvimento do filme. Eu queria
poder dizer que foi planejado, mas fomos muito impactados pelo acaso. O filme
sempre teve um contexto político; mesmo quando a história se passava numa casa isolada. Mas
quando fizemos a mudança para o hospital resolvemos abraçar esse pano de fundo
e enraizar a história na nossa realidade. A gente brincava que queria escrever
um terror estilo David Simon, por causa do "The Wire", que retrata tão bem a
realidade de Baltimore. Mas conforme a gente foi acompanhando os hospitais
fechando, as políticas públicas da Secretaria... tudo pra gente soava tão
estranho! Eu e Bia somos muito pessimistas, céticos. Mas naquele momento
existia uma euforia no Rio por causa da Copa e das Olimpíadas... então, foi muito
estranho acompanhar a transformação da cidade nesses oito anos. Quando
começaram a revelar os escândalos no Governo, que incluíam investigações na
Secretaria de Saúde, foi surreal. Nesse caso, infelizmente foi algo favorável para
o filme, pois a intenção sempre foi retratar que a realidade é muito mais
assustadora que a ficção. Mas acho que o roteirista tem que tentar acompanhar a
realidade. O problema é que a história está sempre em transformação.
Você também é produtor. Coloca o
seu boné de produtor pra responder essa: terror sempre fez muito sucesso aqui no
Brasil com filmes gringos, certo? Desde os clássicos "Alien", "Sexta-Feira 13" do Jason, "A hora do pesadelo" do Freddy Krueger... até os mais recentes "O chamado",
"Atividade Paranormal"... Com isso tudo, por que é um gênero tão pouco explorado
pelo cinema brasileiro?
Esse foi um dos grandes desafios do filme. Desde o início,
eu e Malu mapeamos essa questão. A gente fez um levantamento dos lançamentos
internacionais em mais de 100 salas no Brasil e descobrimos que eles tinham uma
média de quase 700 mil espectadores.
Caralho!
Foda, né? No entanto, o filme de gênero brasileiro
tem uma média de menos de 15 mil, sendo que o maior lançamento de terror no
Brasil desde a Retomada fez 84 mil espectadores. Daí surge a dúvida: o público
desses filmes rejeita os lançamentos brasileiros? Mas o problema é muito maior
porque a amostragem é muito pequena. O lance é que a gente produz pouco filme de gênero no
Brasil. Eu acho que tem coisas incríveis sendo produzidas dentro do cinema
fantástico brasileiro! Você pega o trabalho do Rodrigo Aragão, o Rodrigo Gasparini/Dante
Vescio ou o Marco Dutra/Juliana Rojas... são MUITO maneiros! E eles também são
diferentes entre si. Isso sem falar em cineastas com curtas-metragens incríveis
que estão começando a dirigir longas como o Dennison Ramalho e a Gabriela
Amaral Almeida. Acho que existe uma dificuldade muito grande na distribuição e
exibição desses filmes. Mas também precisamos acreditar na possibilidade de
levar para o público um gênero que ele talvez não esteja tão acostumado a ver
aqui!
"O Rastro" na CCXP Recife: estratégia de divulgação promocional certeira
Falando nisso, uma coisa que foi muito elogiada, e me deu uma mega dor de cotovelo de não estar aí pra ver, foram as experiências imersivas que vocêz fizeram pra divulgação. Lembro de tanto você quanto a Malu viajando pras convenções de filmes de gênero e tech e voltando cheios de idéias...
Pois é! Eu e Malu somos muito obcecados com o lançamento dos filmes, então
tentamos criar ações específicas para atingir essa base que curte filme de terror, mas não vai ver o terror brasileiro: a gente construiu um
hospital mal-assombrado na Comic Con em São Paulo; a gente fez set visit com o
pessoal do Arrow in the Head, do JoBlo; a gente criou uma ação de realidade
virtual em parceria com a Arcolabs e Fableware; a gente participou de eventos
como o CCXP Recife e o Geek Game no Rio; a gente fez uma ação nos cinemas onde
a pessoa entra numa gaveta de necrotério para assistir o trailer do filme... A
gente tentou criar oportunidades para promover o filme de uma forma diferente.
Isso foi todo um outro processo, mas que foi uma experiência incrível!
Gênios. A da gaveta foi demais.
Você entraria?
Nem à pau. Agora coloca seu boné de
roteirista de novo: o que é mais diferente (se tiver algo) na hora de escrever
um filme de terror?
O mais difícil foi aprender a escrever algo dentro de um
gênero novo. Eu sempre amei filmes de terror e já tinha escrito curtas com
alguns elementos fantásticos, mas sempre caindo para o humor negro. Quando a
gente começou o processo do roteiro percebemos que tínhamos que adaptar a
escolha de palavras, a cadência, a quebra dos parágrafos de descrição... tudo
para chegar em um formato de roteiro que fosse mais representativo do gênero.
Eu comecei a ler mais roteiros de terror e alguns me ajudaram bastante, como o
"Alien" original do Dan O'Bannon. É engraçado porque o texto do roteiro é muito
restritivo (sempre terceira pessoa no tempo presente), mas depois você descobre
que algumas escolhas podem deixar as rubricas cômicas ou dramáticas
ou assustadoras. Isso foi um desafio muito legal. A literatura ajudou bastante
também nesse sentido. A gente pegava sequências de terror dos livros do Stephen
King para entender como ele usava a construção das frases e a escolha dos
adjetivos para causar desconforto ou pavor.
Pra finalizar: qual foi o aspecto mais difícil
desse roteiro? E o mais prazeroso?
O mais difícil foi explorar um gênero que a gente tinha
pouca experiência prática. O processo de desenvolvimento envolveu uma grande
curva de aprendizagem junto com o João Caetano e a Malu. Fora isso, eu tinha
escrito o "Mato sem Cachorro" sozinho, então foi difícil também aprender a
escrever em dupla. Eu conheço a Bia há muitos anos e já tínhamos trabalhado
juntos em um curta, mas tinha sido um processo completamente diferente. No "O
Rastro", a gente demorou para encontrar uma forma de trabalho que funcionasse
pro nosso estilo. Tentamos algumas técnicas diferentes (dividir cenas; escrever
uma parte depois trocar; escrever juntos...) até encontrar uma dinâmica ideal.
E acho que passar por essas dificuldades também foi o aspecto mais prazeroso.
No fundo, a gente desenvolveu uma forma de trabalhar que vai além do "O Rastro".
Acho que a gente ainda está engatinhando em como explorar o cinema de gênero,
mas pelo menos desenvolvemos uma forma de trabalhar particular. Ao longo do
processo, eu não sabia se seria capaz de fazer um filme desse, mas agora sinto
a vontade de continuar explorando esse universo!
A Comissão Fulbright é uma instituição super séria que atua há 60 anos no Brasil, promovendo o intercâmbio cultural-acadêmico com os EUA. Visando graduar o mercado audiovisual brasileiro, por 12 anos seguidos, fizeram um edital misto com a CAPES proporcionando a roteiristas brasileiros a possibilidade de fazer um MFA (Masters of Fine Arts ou "mestrado") em Screenwriting (Roteiro). Era um programa sensacional que custeava não só os dispendiosos cursos (dependendo da faculdade chega até 120 mil dólares ou quase MEIO MILHÃO DE REAIS), mas também um salário para que você focasse no curso, mais auxílio na passagem etc. Por causa da crise política do Brasil, a Fulbright ficou on hold por um tempo e não realizou o MFA em 2015 e em 2016, mas agora ele está de volta.
Apesar de não ter voltado com o mesmo gás (diminuindo o número das bolsas - de 3 para 2 - e, também, o valor das mesmas), o MFA da Fulbright continua uma excelente oportunidade que, você, roteirista, não deve perder de vista. Tenho 2 amigos que já fizeram e atestam o quão legal é. Pare pra pensar; é até meio óbvio. A possibilidade de passar 2 anos morando em outro país, vivendo outra cultura... aliás; melhor: a possibilidade de ter "resolvido" 2 anos da sua vida... e ainda estudando/se aprimorando/fazendo contatos no melhor país do mundo para a prática?! É uma oportunidade impagável. Uma dádiva. Ainda mais considerando o momento pelo qual passa o Brasil. Boto muita fé. Vão com tudo. Entrem no site pra saber mais, se animar e se inscrever!
Corram porque é um processo sério e detalhado, então, apesar do prazo ser 12/06, não tem lá muuuuuito tempo pra ficar pensando.
Com presença recorde de 67.5% de seus membros, o Writers Guild of America votou SIM, permitindo que sua diretoria determine greve geral. A aprovação foi quase unânime: impressionantes 96.4% dos votos.
A greve começará dia 2 de Maio após inúmeras negociações do sindicato com a MPAA (Motion Pictures of America Association), orgão que reúne as Majors de cinema e TV, reinvindicando aumento no salário dos roteiristas. Mas pra entender o pleito, temos que ir um pouco mais atrás:
Se na última greve (2007), a questão girava em torno dos residuais de direitos autorais na internet e outras janelas que logo depois estouraram (imagina se não tivesse rolado o quanto que iam lucrar com Netflix etc. sem sobrar nada pra quem escreveu aquilo?), dessa vez, parece mais simples, mais "queremos mais dinheiro", mas não se trata de ganância ou ajuste de inflação. E essa é a primeira parte que nos interessa, mesmo assim tão longe do mercado americano: a questão é que, com este boom provocado por estas tais janelas de video on demand, a indústria como um todo se transformou. O espectador passou a estar no controle da situação e, ao invés de ter que sentar e esperar o "provedor de conteúdo" dar um episódio de sua série, ele passou a poder ir lá e assistir a série que ele queria na hora que ele queria (seja no netflix, seja nos canais convencionais, através de aparelhos/serviços como Apple TV, Roku etc.). Com essa mudança - que parece boba, mas é muito significativa - digamos que o interesse do espectador ficou mais "volúvel". O tempo de consumo - e já falamos sobre isso em outros posts - passou a ser disposto de forma diferente e a indústria, como um todo, entendeu que "reruns"(reprise de episódios) não faziam mais tanto sentido. Os anunciantes estavam atrás de se associar apenas com conteúdo fresco. Logo, o interessante (grosso modo) era não mais ter temporadas de 22/24 episodios dispostos em 6 meses de exibição e sim diminuir o número de episódios de uma série para 10/13, que passassem em 3 meses, para que logo depois começasse outra série e por aí fosse.
Na superfície não há nada de ruim nisso. Ganha o espectador com mais conteúdo pra ver e até mesmo os roteiristas, certo? Afinal, tem mais programa pra você ser staffed. No entanto, a forma como os estúdios pagam os roteiristas apresenta um problema nesse modelo. Os roteiristas ganham por episódio e com essa diminuição da temporada, eles passaram a receber metade do que recebiam antes, sendo que não podem, no resto do ano, por motivo de contrato de exclusividade, trabalhar em outras séries.
Uma greve é muito ruim para todos os envolvidos. Os roteiristas, o estúdio, a equipe "below the line" (câmeras, figurinistas etc) e também para os espectadores. No cinema não há muitos danos, pois os projetos são montados com anos de distância - até hoje a greve de roteiristas mais longa durou 20 semanas - e, mais; com MUITOS scripts de buffer. Mas na TV, por conta do timing também, caso as Majors não cedam, simplesmente todas as séries, que logo mais entrariam em produção, terão suas exibições atrasadas. Programas ao vivo, como o SNL, que voltou a alcançar ótimos índices de audiência e tem sido muito comentado, seriam "desligados" imediatamente. Mesma coisa com os talk shows diários como o Tonight Show with Jimmy Fallon e o Late Show with Stephen Colbert, que entrariam em hiato indeterminado.
Com tudo isso dito, acho que foi importante o WGA se unir e votar a favor da greve; acho que agora o MPAA cede e concede. Afinal, ele pode e deve conceder. As Majors conseguem lucro recorde em cima de lucro recorde, e a pedida da WGA é tipo 0.X% do que um CEO de qualquer uma delas recebe de salário no ano, não tem como não apoiar o pleito. É uma correção de rumo que tem que ser feita em cima de algo bom e não algo ruim, ou seja, apenas uma questão de justiça mesmo.
Para os espectadores - e essa é a segunda parte que nos interessa, aqui de longe da indústria americana - dá até um alívio, porque vai dar pra recuperar o tempo perdido e ver as mil séries novas bacanas que sempre indicam e não temos tempo pra ver. Fora as diversas excelentes séries de catálogo que muitos podem não ter visto. Diferente do que tentam te fazer crer por aí: bom conteúdo de TV não nasceu com "The Sopranos".
Seria 2017 o ano do exercício? Sim, porque depois do último post, trago um novo exercício; dessa vez proposto pelo roteirista de um dos filmes mais aclamados de 2016: Eric Heisserer, de "Arrival".
Ele tem postado em seu twitter diariamente exercícios de DIÁLOGO (tema central do seu belo filme, pode-se dizer) que ele diz ter feito para "treinar" e "achar" sua narrativa para o filme. Os exercícios são bem interessantes - um deles, escrever uma cena pregressa do backstory do personagem, até meio que já falei aqui no site.
Então fica a dica, nem que você não os faça, mas leia as explicações dele. Um cara tarimbado assim - indicado ao Oscar! - já vale a "prosa" de toda maneira, mas ele ainda vai a fundo do porquê de cada exercício, o que faz abrir umas janelinhas na nossa cabeça.
Em algum momento alguém vai compilar isso em algum site, tenho certeza, mas, até lá, segue o twitter dele (@HIGHzurer) e vai catando os últimos dias.
Não to falando que vou fazer, porque quem acompanhou viu o fiasco que foi os dois últimos NaNoWriMo, mas o roteirista Scott Myers (K9 - um policial bom pra cachorro) está fazendo um negócio muito interessante no site deles. Dá uma olhada!
Resumindo o que ele chama de "Dialogue-Writing Challenge", a cada dia até o último dia de Janeiro, Scott propõe um "prompt", uma situação, para que escrevamos uma cena dentro daquela forma. Além de propor, ele fala um pouco sobre como fazer o approach para cada situação, o que é de tão ou mais valia em relação ao exercício em si. No dia 1 ele propôs uma cena de briga. No dia 2 pediu uma de sedução. E ontem queria que escrevessem uma de negociação. O que será que virá hoje?
Adicionalmente, Scott deixa o espaço livre para que você envie o que você escreveu (em inglês, claro) para que ele e outros deem suas percepções sobre o que foi escrito. Achei o exercício interessante mesmo que você não coloque-o depois online, mesmo que seja "para seus olhos apenas"; as dicas deles também são bem boas. Vale dar uma olhada pra dar aquele chute no nosso traseiro no início do ano; essas coisas ajudam a gente a nos colocar em movimento.
PS: pra quem se interessar, não vi exatamente como, mas parece que se você se inscreve no site dele e coloca seu trabalho, ganha uma aula grátis do curso online dele. Procura melhor lá, mas rola algo assim.
Em filmes volta e meia usa-se uma música de forma diegética em uma espécie de "PA-PUM". Os personagens a escutam, comentam/debocham dela (geralmente no começo do segundo ato e nunca depois do Midpoint)... PA! E, depois, no terceiro ato, a evocam, de novo diegéticamente ou não, seja para uma lição, seja para trilha sonora da batalha que vão enfrentar (as vezes, mais raro, usam no Dark night of the soul como elemento de "resgate" do protagonista à missão)... PUM!
Tem diversos exemplos, se você passar a prestar atenção nisso. De cabeça lembro do "Casamento do meu melhor amigo" com "I say a little prayer", da música do "Flashdance" (she's a maniac maaaaniac on the floor) naquele filme do Owen Wilson e Vince Vaughn do Google ("The Internship") e da excelente "Waterfalls" do TLC no igualmente excelente "We're the Millers". A escolha dessas musicas não é fácil. Você quer que seja algo que conecte com o máximo de gente possível ao mesmo tempo que não seja algo muito óbvio; que as pessoas pensem "uou, eu nem lembrava dessa música!" e a nostalgia, mais do que qualquer coisa, o faça conectar e desfrutar da música um pouco de verdade, um pouco ironicamente. As vezes nem precisa ser um PA-PUM, basta um PA bem aplicado que a galera sai do cinema e fala "putz! E aquela parte da musica X!!!" ("In the Air" do Phil Collins em "Se beber não case"?)
Pois bem, como já disse outras vezes, musica muito me interessa e esse post na real é só pra dizer a todos que entendem o acima escrito, que eu acredito que duas músicas estão madurinhas para serem exploradas dessa forma irônica e podem conseguir bons resultados por não ser nem tão velhas nem tão novas... Enfim; por estarem nesse perfeito estranho lugar de nem tão lá nem tão cá da memoria afetiva das pessoas: "Complicated" da Avril Lavigne e "Tubthumper" do Chumbawamba. Aliás, Tubthumper tá quase passando do ponto. Eu procurei e fiquei bolado que não usaram ainda. Corram.
Aqui no Brasil, anuncio também que "Jeito Sexy" da Fat Family também está disponível para ser usada. E eu queria muito que "Deixa disso" do Felipe Dylon entrasse nesse pantheon também; mas acho que o tempo passou demais e ninguem nem re-conheceria.
MINI BRAINSTORM: vale transportar essa noção da música para acontecimentos de forma a despertar seu cérebro para novas histórias. Qual evento que já tá quase passando do tempo e pode ser trazido a tona numa história que perpasse-o de alguma maneira? A Copa de 1998? A batalha pra ver quem é o king of NY entre Nas e Jay-Z? O bug do milênio?
Por favor esqueçam que eu sou roteirista com filme e seriado produzido, 10 anos de carreira e criei exatamente um site sobre roteiros, porque senão vai parecer que estou falando isso para me auto-bajular/afirmar e juro que não é o caso! Mas o lance é que por muito tempo eu tenho (e acho que muita gente também) um "mixed feelings" com os ditos "gurus de roteiro".
Os pioneiros (Syd Field, Robert Mckee...) eram todos teóricos que chegaram numa época onde não havia material didático sobre o tema e o desbravaram através de observação de padrões em histórias e roteiros. O que foi uma grande ajuda, sem sombra de dúvidas, pois, através de suas sensibilidades e capacidade analítica, apontaram (e seguem apontando) gerações para um rápido entendimento introdutório do roteiro. Mas além de sempre ter achado muito verborrágico/desnecessariamente confuso o discurso e a didática deles- sei lá, acho que é uma coisa meio do mundo do cinema nos anos 70 - como desde criança trabalhei no meio, sentia tudo aquilo muito distante do que eu vivia in locco. Eu, inevitavelmente, mesmo com muita boa vontade, me pegava pensando "mas broder, baseado em quê você fala isso? Em que time você jogou, fera?". Por isso, foi um alento quando conheci o Blake Snyder, um cara que de fato trabalhou como roteirista e, acredito que por isso, conseguiu dar insights mais certeiros, apontar coisas que não são tão óbvias de um ponto de vista mais realista e menos auto-indulgente ou, erm... punheteiro? Deslumbrado! Deslumbrado é melhor. Só que ainda assim o chato poderia dizer que o Blake Snyder não era lá dono da filmografia mais inesquecível (e se for pra alguém, o é pelos motivos errados) e, portanto, pouca diferença faria de um bom teórico/analista para um conhecedor da causa.
Mas agora não vai ter argumento; o bicho vai pegar na corrida dos gurus do roteiro, porque Aaron Sorkin, possivelmente um dos maiores roteiristas vivos, está lançando um curso online de roteiro. Ela será parte do site "Masterclass", que pega figurões de várias áreas e os faz bolar uma didática dando segredos de sua arte.
Conhecimento de causa e qualidade do trabalho? PESADO. Pelo menos umas 3 séries televisivas memoráveis onde ele era showrunner. Uma delas é só "The West Wing", recordista de Emmy's e justíssima presença em 8 de 10 listas no Top 10 melhores séries de todos os tempos. E no cinema ele fez só uns roteirinhos que volta e meia tão no Oscar, tipo "Steve Jobs", "A few good men" e "The social network".
Didática? Vamos ver... mas eu acredito que com todos os predicados dele (e sua personalidade aparentemente nerd) ele vai poder dar insights muito legais pra que a gente possa acender umas lâmpadas nas nossas cabeças e ter uns momentos "eureka!". No final das contas, nesse tipo de matéria inexata, quem faz as descobertas é sempre o aluno. Os "professores" só tentam dar suas versões e quem digere e transforma é o receptor. Eu tenho bastante consciência disso quando escrevo aqui na Sala. Não to tentando ensinar nada, apenas falar da minha experiência para assim, vocês, roteiristas imaginativos, fazerem uma historinha colocando-se no meu lugar para, assim, estalarem os dedos e fazerem suas próprias conclusões de o que funciona pra VOCÊ, afinal o seu roteiro só você pode fazer do jeito que você quer/sabe.
Óbvio que já me matriculei. Ainda não tenho muitas informações exatamente de como é o curso em si - pelo que dá pra entender são umas video-aulas pré-gravadas que você faz no seu tempo (dentro de sei lá, 6 meses) e meio que seguindo as temporadas de "The West Wing", já que é mais centrado em "television writing" (já to revendo West Wing no Netflix!) e acho que lá pelo final você produz algo e tem uns inputs do próprio Sorkin - mas de toda forma acho que uma chance dessa não se deixa passar. 90 dólares me parece um preço sensacional para poder ter acesso a 5 horas de elocubrações de um criador e realizador desse calibre.
Quem mais vai fazer? Vamos ser colegas de classe e jogar bola no recreio?
De todos os diversos ângulos interessantíssimos do que vem acontecendo no âmbito político do Brasil, um que acho que interessa muito à nós, storytellers do audiovisual brasileiro, é o da nossa relação com heróis.
Sim, heróis. Se hoje o cinema americano vive uma fase prestes a saturar de tanto filme de SUPER herói (dos poderes especiais mágicos, mutantes, sobrenaturais mesmo), nossa escola cultural sempre foi mais européia e mais esquerdista. Tivemos sempre um olhar mais “crítico”. Falamos mais de “Protagonista” do que de “Herói” de uma história. Sei lá, porque “herói” é meio parcial, né? Inocente e ingênuo. E o bom intelectual tem que ser imparcial (que tolice!), absoluto, certo de si. Ou é uma coisa mais de cinismo também. Pode ser. O fato é que é batata; se você escreve um herói como protagonista, um cara sem falhas graves, que busca o certo... vai receber um note dizendo que ele não tá “crível”. Vão chamá-lo de “chato”, dizer que ele tem que ser mais “real”.
Mas o curioso é que no campo da vida real, o caminho é outro. Os brasileiros estamos a todo momento procurando Heróis. Seja ele o salvador da pátria da semana, seja ele um supostamente velho conhecido. Jogamos toda nossa esperança em alguém que não temos a menor idéia de quem é de fato. E pior, ele não tem a menor - repito, a MENOR! - idéia de quem VOCÊ individualmente é. Mas seguimos. Defendemos, brigamos com nossos amigos que não veem do mesmo jeito que nós. E, cedo ou tarde, os caras cometem o terrível crime de serem humanos e não agirem de acordo com os princípios que você setou (por conta própria) pra eles e decepcionam a todos, porque... ele não era um herói no final das contas. Alguns reconhecem que foram enganados, outros não aguentam admitir o próprio erro e preferem continuar defendendo seus ídolos contra a lógica. Mas cedo ou tarde descobre-se: eram falhos e não mereciam o foro privilegiado (pra usar a linguagem atual) de um super herói.
Como explicar isso? Não deveria ser o contrário? A história contada geralmente fala muito sobre quem a conta. Então, esta descrença no herói/crença no humano cheio de defeitos não deveria ser reflexo de uma sociedade mais pragmática, que não se apaixona por qualquer candidato à capa e sunga pra fora da calça? Ou será que, ao contrário, nos falta mais heróis “irreais”, menos “críveis” nas nossas histórias para que discutamos mais a impossibilidade de existência deles e, com isso, entenderemos que trata-se apenas de uma alegoria, uma utopia que deve ser buscada mas nunca será de fato alcançada? Entenderemos que o que há de especial nessas histórias é a compreensão de que esta noção do Herói é “alienígena” e, por tal motivo, quando acaba a história o Herói sempre volta pra sua montanha/isolamento, pois ele é especial e não pode andar conosco. O monstro está sempre na gente. Dentro de nós: o monstro somos nós. E não queremos/podemos contaminá-lo.
E isso que é o “legal” das histórias com Heróis. É um espelho do mundo bizarro e otimista onde não somos nós o grande problema, onde não somos nós quem tem de arregaçar as mangas e fazer o trabalho e os sacrifícios mais difícieis, pessoais e perenes para que o todo seja consertado e funcione a contento. É alguém “especial”, com super poderes e uma apresentação sedutora, que chegará de maneira mágica, fará tudo sozinho enquanto nós só admiraremos. Nosso papel é, ao final, se tanto, agradecer sãos e salvos (e mimados, pois não fizemos nada, então estamos contando que se outra ameaça surgir, ele volta para o sequel) enquanto o Herói vai embora rumo ao pôr do sol.
O preocupante é acharmos que isso é uma possibilidade real e não uma construção fictícia. Ainda que filmes/histórias retratem a vida e dialoguem com ela, nem sempre a vida autoriza esse “baseado em fatos reais”.
Pra quem não tem FOX e/ou não pode conferir quando passou, "O Grande Gonzalez", primeira série de ficção contínua/serializada do Porta dos Fundos para a TV já está na íntegra no canal oficial deles no Youtube.
Tive o prazer de colaborar com os geniais Ian SBF e Gregório Duvivier no desenvolvimento e primeiros episódios e a série, com premissa/estrutura bem ousada pra primeira incursão televisiva, ficou muito bacana! Vale a pena o confere. Perfeito programa pra quem não é de carnaval! Clique aqui para assistir.
Happy BurfDay, Sala!
Um ano atrás o primeiro post deste blog foi ao ar e desde então eu tenho tido o prazer de conversar com pessoas do Brasil todo sobre roteiro e o mercado audiovisual brasileiro para roteiristas! Pensei que para comemorar esta marca seria legal fazer um post-estatística desta jornada, uma espécie de prestação de contas do que foi feito, para que entendamos de onde estamos vindo e consigamos mirar pra onde queremos ir.
Vamos por partes.
- Conteúdo
SOS Roteirista (45)
Miscelânea (34)
Mercado (33)
Q&A (30)
Brainstorm (14)
A esperança é a última que morre (5)
Sobre (1)
Ou seja, o perfil do blog tem sido um pouco de "apoio" ao roteirista. Especialmente se você juntar as três seções SOS Roteirista + Mercado + Q&A (que não deixa de ser uma ferramenta disto; um jeito de roteirstas fazerem perguntas para tirarem suas dúvidas). Elas juntas dão 108 posts, ou seja, grosseiramente quase 70% das postagens do blog visaram ajudar de alguma forma os roteiristas e escritores com técnicas de escrita e noções de mercado.
Miscelânea (que inclui Resenhas, Estreia e coisas que não cabem em outras seções; como este post!) vem com 34 posts, Brainstorm (uma proposta criativa pra oxigenar os neurônios) com 14 e meu jabá pessoal do meu filme A esperança é a última que morre, que foi lançado esse ano, recebeu 5 postszinhos.
- Acessos
Quanto ao acesso específico aos posts, o top 10 dos mais acessados são:
Os documentos de um Longa: Escaleta (1103)
Os documentos de um Longa: Argumento (388)
O processo criativo de SANTO FORTE - parte 1 (329)
Os documentos de um Longa: Beat Sheet (247)
O processo criativo de SANTO FORTE - parte 2 (193)
Livros de Roteiro (163)
Quebrando Arcos, Temporada e Outline (117)
O Showrunner e a Sala dos Roteiristas (113)
CAIXA ALTA (110)
Q&A 16/01/2015 (110)
Este top 10 diz muito. É aquele sentimento bittersweet. É um pouco triste a composição dos mais populares e a disparidade do número de acessos do primeiro pro segundo; uma demonstração de como nosso mercado realmente é incipiente quanto aos mecanismos didáticos relativos ao roteiro. Não por culpa dos roteiristas, mas aquela coisa da falta de unificação, do glossário do que é o quê. A procura absurda pelo post de Escaleta e de Argumento se deu porque são os dois documentos pedidos em todos editais do mercado e o próprio mercado não chega a uma conclusão unificada do que ele entende como Escaleta e Argumento. Cada um diz "pode/não pode" isso ou aquilo numa Escaleta/num Argumento. E aí o roteirista vai procurar na internet definições pra tentar se basear nelas. Porque isso me põe pra baixo? Porque me parece uma discussão idiota, documentos úteis pro processo criativo individual do roteirista (no máximo compartilhado com o produtor se ele for uma pessoa hands on) mas não para a produção/viabilização do roteiro. O beat sheet - que é, de fato, o documento de linguagem narrativa cinematográfica - passa ao largo do mercado e seus importantes players. Mas enfim; é doce e fico feliz porque, com tudo isso, cá estamos nós, tentando jogar uma luz e influenciar de alguma maneira senão uma solução, pelo menos, uma discussão acerca destes temas.
A quantidade de SOS Roteiristas nessa lista (6 de 10) também diz muito. Por muito tempo o "Livros de Roteiro", um dos primeiros posts do blog, foi o líder. Sem querer tirar nada do "CAIXA ALTA", mas ele só tá aí porque foi postado num dia que o link do blog saiu numa entrevista que dei e aí bombou. O "Q&A 16/01/2015" não sei também porque está aí... acho que foi um dos primeiros e aí ficou alto no Google... sei lá. Aliás, com este Q&A, cabeça a cabeça, estava disputando o "Trabalho e não sonho"... uma pena ele não ter entrado, pois junto com o "Quebrando Arcos, Temporada e Outline" me deixou bem feliz de estar lá em cima, pois sei que é um material e uma visão que não é nunca abordada por aqui e muito necessária. Que bom que tem sido vista! Assim como os do Processo Criativo, que é algo que acho muito legal; ver a experiência pessoal de cada um para não ficar tão preso apenas à minha. Espero poder fazer mais outros desse no futuro!
- Interatividade
O muito legal é que estou atingindo muitas áreas longe do eixo Rio-São Paulo. Por algum motivo - eu acho que é Deus me mandando um sinal pra eu me mudar pra lá... - tem uma máfia de Santa Catarina muito presente aqui na Sala. É o estado mais ativo aqui depois de RJ-SP. Em compensação, não tivemos nenhuma visita nos seguintes estados: Acre (depois reclamam quando fazem a piada de que ele não existe =P), Amapá, Maranhão (o que é caído, pois minha cunhada é de lá; vou reclamar com ela!), Rondônia e Roraima. Internacionalmente os EUA são líderes absolutos, o que é natural, mas... 86 acessos da Russia?! E não deve ser robô do Google não, porque a média de permanência é de 2,25 minutos! Muito louco.
Então é isso! Que venha o próximo ano e continuemos este espaço de maneira ainda mais bacana! Parabéns e obrigado a todos vocês que fazem da Sala este lugar que muito me orgulha!
Esse trailer REALMENTE não faz justiça ao filme, que começa devagar quase parando e vai acelerando, acelerando, intensificando sua trama e seus stakes, ficando mais engraçado e impossível. O primeiro "Vai que dá certo" (2012) já era um filme improvável e o segundo é ainda mais. Meu irmão Calvito Leal arrebentando na direção (junto ao grande Mauricio Farias) como sempre.
Muito divertido. Vale ver nesse fim de semana de estréia!
*A escala vai de 1 a 5
2 Leos na Escala DiCaprio de bons filmes*
A escala DiCaprio é irrelevante no caso deste filme. Você tem que ir HOJE pro cinema ver "Chatô - o Rei do Brasil", pois é um capítulo da história do cinema brasileiro acontecendo diante dos seus olhos. Eu quase dei 3 Leos, mudei mil vezes, mas fiquei com 2 no final das contas. E nem sei se foi justo. Fato que farei uma resenha sobre esse filme já já, mas preciso digerir mais (percebeu que não falei nada qualitativo até agora?). Corram pro cinema pra quando eu escrever, você estar por dentro do babado!
*A escala vai de 1 a 5
Nesta parte final da entrevista com Marc Bechar, roteirista criador de "Santo Forte", a primeira série brasileira original do AXN, temos a participação especial de Donna Oliveira, roteirista e strong number 2 na Sala dos Roteiristas do programa. A série, a trama, os personagens e o futuro de "Santo Forte". Confira o episódio final agora!
Qual era o personagem mais divertido de escrever em "Santo Forte"?
Eu acho que o Celso é bem divertido. Não o Pai de Santo - embora seja divertido também, demos bastante humor pro Painho - mas o Celso era muito divertido de escrever. Um personagem complexo, que tem que encarar o assassino da sua família toda semana. A maluquice da Dalva, um personagem que deixa as emoções à flor da pele, não esconde o que sente, também é muito divertida. É bom poder escrever se levando ao absurdo, ao limite.
E o personagem mais desafiador de escrever?
Mais desafiador? Hmm... deixa eu pensar. Deixa eu aproveitar que a Donna (Oliveira, roteirista) tá aqui e perguntar pra ela. Qual era o personagem mais divertido e o mais desafiador?
Donna Oliveira: Acho que o Barracuda era o mais divertido...
Marc Bechar: Barracuda! Esqueci do Barracuda! Tá vendo porque eu trouxe ela? (risos)
Donna Oliveira: O Barracuda era bem engraçado e divertido, a gente tinha um pouco mais de liberdade de abusar um pouco, sabe? Pensar umas histórias um pouco mais... mexer com a questão da moralidade dele. O Afrânio era legal também, porque é um velhinho que a gente podia fazer uma coisa mais off. Mais desafiador de escrever...? Acho que o João, porque o protagonista é sempre difícil de escrever, né? Pelo que ele representa. As maiores questões vinham sobretudo em cima do João. Agora, o que eu mais gostava de escrever... era a Dalva.
Marc Bechar: Dalva! Pra mim era um dos mais divertidos!
Donna Oliveira: Sempre que eu escrevia a Dalva ela ganhava muito espaço. Ela parece com muita gente que eu conheço, então refletia muito a gente. Dava pra brincar bastante.
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O casal João (Vinicius de Oliveira) e Dalva (Laila Garin); desafios divertidos de escrever |
Os episódios você já disse, mas e o arco da temporada? Como vocês quebraram? Sozinho (e depois com a Donna) ou na Sala com todos os roteiristas?
Eu tinha uma ideia de onde eu queria ir, mas a verdade é que a Sala que desenhou os pequenos atos. Por exemplo: quando a gente chegou ao episódio 10, teve um grande acontecimento na história e eu pensei "wow, acabou a temporada aqui". Era um episódio grandioso, uma história digna de final de temporada, entende? E eu tava bastante preocupado pensando pra onde eu ia levar esses outros 4 episódios, porque era um pedido de 14 episódios. Eu tava na dúvida mesmo e abri pro voto e a Sala meio que bancou: "vamos fazer esse 10 e confiar que vamos levar pra outro lugar interessante". E tinha muita gente contra isso. Mas ficou assim.
Isso, aliás, é uma coisa que acho digno de nota: o "pace", o ritmo da série. Não tá tendo economia de história. Se tem que ser, tá sendo. Às vezes a gente fica guardando umas viradas e é meio inútil porque o público não é bobo; muitas vezes as pessoas já sacaram que algo parecido pode acontecer. Eu fiquei surpreso, por exemplo, quando o João conta pro Fabio que ele já sabe que ele é repórter e tá fazendo uma matéria sobre ele e os poderes dele e tipo... tranquilo. Achei legal que vocês não pouparam a trama. Cada ação tomada pode resultar em pelo menos duas consequências, né?
Ah, que bom. E isso não foi fácil... Sabe aquilo do David Chase das quatro idéias? Essa aí deve ter sido a oitava idéia! (risos)
Tanto é que o Fábio, na Bíblia original; ele nem era jornalista, né? Era só o motorista adjunto do taxi do João; eram outros dilemas que ele vivia e trazia pra trama. Essa foi uma história que surgiu posteriormente na Sala. Eu achei essa nova configuração do personagem muito boa também. Trouxe um conflito maior.
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João e Fabio (Guilherme Dellorto); criando o inimigo íntimo |
Você acha que tem alguma coisa que define escrever pra TV? Se você tivesse que comprimir em poucas coisas...o que seria? O elemento principal de escrever pra TV?
Pra mim não tem muito isso; cinema ou TV... Pra mim é escrever, não importa o meio para o qual você tá escrevendo. Eu acho que o importante é ser rigoroso e genuíno e amar os seus personagens. Amar não quer dizer tratar eles bem. Mas sendo um pouco mais específico, bem diferente do cinema, onde constumamos concluir alguma transformação dos nossos personagens, muito do trabalho que fazemos com nossos personagens em TV, especificamente os protagonistas, é identificar seu maior desejo/necessidade, consciente e inconsciente (se forem diferentes)... e garantir que eles nunca os alcançem. Porque na hora que isso acontece; é "O FIM". E o que eu acho fascinante disso é que nos dá a oportunidade de refletir a vida como ela é. Transformações até acontecem na vida. Mas demoram... e para cada dois passos para frente, os sortudos dão apenas um para trás. Eu costumo dar três. Em seriados, com a possibilidade de 20, 30, até 80 horas se tiver muita sorte; podemos explorar esses passos com o carinho que merecem.
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O famoso "grid" de histórias do Marc (que na foto parece sofrer um pequeno desmaio por tanto trabalho) |
Você disse que "Amar seus personagens não significa tratar eles bem". O que significa isso? É aquele esquema "Dê a eles dor"? ?
Significa se importar com eles. Achar eles interessantes. Se você não os achar interessantes, você não vai conseguir passar nada pro público. E isso acontece; às vezes tem um personagem que você gosta mais do que o outro e isso fica transparente, esse cuidado. Mas enfim... se fosse uma coisa só, seria rigor. Com as histórias que você quer contar. E ser genuíno. As vezes você não tem nada a ver com o personagem e pensa "como é que eu vou conectar com esse personagem?" Como eu falei, é um processo parecido com o de um ator. "Ele quer matar alguém, mas eu não quero... como vou me colocar na posição de querer matar alguém?". Eu acho que a gente tem que fazer isso um pouco com os personagens. Achar o ponto de conexão pra se apropriar deles. Eu não vejo porque não fazer isso, esse mergulho, porque pra mim... esse é o trabalho. Se você encarar ser roteirista como só um trabalho...- poxa, existem muitas maneiras mais fáceis, menos cansativas de ganhar a vida e ter uma vida mais equilibrada! (risos) Você sabe muito bem o que exige não só de você, mas da sua vida. Da sua cabeça, do seu tempo. Das suas relações. De tudo! Essa é a minha sétima carreira. Eu comecei como Auditor, então eu sei o que é trabalhar em um banco, em uma multinacional. Eu sei como são alguns outros trabalhos. E esse trabalho, ser um roteirista, é um trabalho que se você não for "all in" você não vai fazer nada que é digno do tempo da vida de outra pessoa. Sacou? E pra conseguir de verdade esse "all in"... requer muito. E mesmo assim, cara, a chance de "dar certo" aquele produto final... as estrelas tem que alinhar. Primeiro o roteiro tem que ser bom. E isso é apenas parte do caminho pro filme, pro show, ser bom. Pra fazer valer aquela 1 hora e meia e fazer o casal sair de casa, ir pro shopping, gastar 60 reais em ingresso, mais 15 pilas pra estacionar, mais 20 no sorvete, 20 na pipoca... cara; é muita responsabilidade isso. E ainda fora todo esse dinheiro, são 2 horas da vida que nunca vão voltar! Então eu levo essa responsabilidade muito a sério. Às vezes mais a sério do que eu deveria, talvez. Eu detesto quando eu assisto um filme e é óbvio. Vejo que as escolhas das soluções foram as fáceis. Me incomoda se eu posso prever "vai acontecer isso, isso e isso" e acontece. A não ser, claro, que seja um drama extremamente sofisticado e aí a graça é a sutileza dos pequenos momentos e comentários e visão genuína que fazem o todo espetacular. Mas o "Santo Forte" não é esse tipo de jornada. Então, na TV ou no cinema: seja rigoroso no trabalho. Ame os personagens para se conectar a eles e, seja lá o que você estiver fazendo, faça de forma genuína.
E qual o futuro de "Santo Forte"? Há a possibilidade de mais uma temporada?
Boa pergunta. Espero que sim! Temos muita história ainda para contar de João e seu mundo.
"Santo Forte" vai ao todos os Domingos às 21h no AXN.
Confira a parte 1 e a parte 2 desta entrevista.
NO ÚLTIMO EPISÓDIO: Marc falou sobre o percurso para que "Santo Forte", a primeira série brasileira original da AXN, entrasse em produção e também sobre como, especialmente para ele, um gringo radicado no Brasil há 15 anos, a natureza da escrita para TV se fez vital na hora de alcançar um resultado satisfatório. Além de uma pesquisa intensa, ele contava com uma poderosa arma: a sala de roteiristas!
Confira a segunda parte da entrevista agora:
Como era sua Sala de Roteiristas?
Nossa sala foi um pouco esquizofrênica. Logo depois da pesquisa aí no Rio, parecia que ia pintar um patrocínio para facilitar a produção em Salvador. Originalmente eu tinha dois destinos para o show; Rio de Janeiro e Salvador. Eram dois ambientes que eu achava que encaixavam com o espírito da história.
Pela coisa toda da umbanda...
Na verdade, hoje em dia, olhando mais friamente, eu acho que encaixaria em qualquer cidade do Brasil. De Porto Alegre até Manaus. É uma coisa muito brasileira. Mas eu vi o mais óbvio, pela questão religiosa, Bahia e Rio. Mas enfim... ia rolar este patrocínio, então eu trouxe um colaborador da Bahia e comecei a formar minha equipe pensando nisso. Só que pelo caminho acabou não dando certo essa história e voltamos para o Rio. Tinha muita re-escrita.
Quem tava no seu time definitivo? E como era o ciclo de quebra de histórias e produção dos roteiros?
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Clarissa Rebouças, Donna Oliveira, Ana Luiza Savassi, Denis Nielsen e Marton Olympio na Sala de Roteiristas |
Na última fase entrou Daniela Garuti para trabalhar nos episódios finais. Eu queria trabalhar com a Dani antes, mas as agendas não batiam. Sorte que no final das contas as estrelas se alinharam.
O que era indispensável na Sala? O que tinha de comida?
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Ritmo intenso: a sala pegando fogo! |
O que é mais importante pra que um roteirista seja contratado para uma série? Ser um tremendo roteirista ou uma pessoa agradável de se estar por perto? Porque passa-se muito tempo com a pessoa e escrever em conjunto é quase terapia, né? Aquelas conversas, nas quais... a gente expõe muito, fala muito das nossas vidas, né?
E é onde sai o melhor material, Dudu. É como Las Vegas... o que é falado na Sala fica na Sala. Porque é muita exposição pessoal. É igual ator: pro ator conseguir convencer numa cena, ele precisa internalizar aquilo. Precisa aquela história - de uma forma ou outra - virar sobre ele. Conectar aquela história de alguma maneira com a vida dele. Pra nós, roteiristas, conectar com os nossos personagens, que muitas vezes são muito diferentes da gente, tem que conectar num nível mais emocional, mais... soft tissue, sabe? E isso nos expõe muito, porque pra chegar a isso você fala, expõe seus medos, experiências, expectativas, decepções. Uma das primeiras coisas que fiz na Sala foi pedir pra cada um falar quais foram as piores e melhores coisas que aconteceram com eles naquele ano. Com os amigos, com a família... e aí fomos vendo "po, isso é interessante; essa história cabe pra esse personagem". E aí a gente consegue escrever aquilo com autoridade. Não é uma invenção pura; vira 50% invenção, 50% verdadeiro. Já dá um equilíbrio que permite uma certa genuinidade.
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Em busca da genuinidade: Marc com Seu Miguel, um dos inúmeros taxistas entrevistados na pesquisa de "Santo Forte" |
Mas respondendo a sua pergunta, eu acho que se não tiver uma boa atitude não tem como ficar. Eu não diria que é mais importante ser gente boa porque, óbvio que você tem que poder escrever; tem que poder contribuir na Sala. Trazer boas idéias. Agora: a escrita tem como ser trabalhada; mas ser desagradável todo dia? Não tem como remediar isso. É indispensável ter uma boa atitude, chegar sorrindo, porque isso levanta o outro; é a coisa de equipe mesmo, né? Não é todo mundo que tá todo dia no seu melhor momento, mas tem que estar, pelo menos, remando pra isso. O resto é o resto; um dia de repente você não tá rendendo muito, dando boas idéias... mas o outro está. E a Sala anda. E tem dias que toda a Sala tá com uma ressaca mental e nada anda.
E quando acontece isso, o que você, como Head Writer, costuma fazer?
Hitting a wall... faz parte, né? Eu tinha uma ex que era artista plástica e ela dizia "pra esse quadro existir, a tela precisou ficar em branco por um mês". É um equilíbrio que você tem que buscar, porque tá lidando com esse processo de criação com um cronograma apertado - vamos combinar que o orçamento para criação ainda deixa a desejar na maioria das produções...
Ô...
Ainda mais considerando a necessidade do trabalho. Em conclusão: hit a wall é normal; ninguém consegue estar 10 horas por dia e meses consecutivos em seu "A Game", sabe? (risos) Mas aí é caso a caso; às vezes eu botava um video no youtube pra rir um pouco... raramente era "vai todo mundo pra casa, vamos voltar amanhã", porque o volume de trabalho é simplesmente grande demais. E acho que isso faz parte mesmo. Eu acredito que boas idéias chegam quando você dispensou todas as idéias ruins. E pra fazer isso demora. Pra você chegar a sonhar com o seu projeto demora. A não ser que você tenha um processo meditativo - o que eu ainda não aprendi - você não chega a sonhar com seus personagens pensando neles só 3 horas por dia. Não funciona. Muitas das soluções não vem durante o dia. Parece clichê, mas você vai dormir com um problema e acorda com uma solução. Acontece muito. Mas pra fazer isso, sua cabeça tem que estar cheia daquele assunto. É um pouco assustador, mas você tem que estar mais vivendo o universo daqueles personagens do que a sua própria vida! Aí as coisas começam a chegar com alguma fluidez. E isso tem um custo muito grande de tempo e energia emocional. Se você ler sobre os processos criativos das séries que a gente admira... é intenso. É intenso. O próprio David Chase ("The Sopranos") era famoso por falar pros roteiristas algo do tipo "Vem falar comigo só com a sua quarta idéia de como resolver uma situação". Pra chegar nessa quarta idéia tem que jogar fora pelo menos três idéias. Acho que nosso objetivo é sempre esse; entregar o inevitável, mas de uma forma surpreendente. Você pensa depois de ver um episódio de "The Sopranos", "Mad Men"... "isso era a única coisa que poderia ter acontecido", mas a gente nunca conseguiu prever aquilo. E isso é que é a viagem. O público embarca num voo e ele confia que você vai aterrisar aquele avião. Mas essa confiança você tem que ganhar, você tem que surpreender. Não to falando de uma surpresa gratuita. Você nunca deve subestimar o seu público e nem seus personagens e isso requer uma dedicação maior do que muitas pessoas imaginam.
É engraçado; as pessoas não tem noção disso, né? Do cansaço físico causado pelo cansaço mental. Falam "po, você passou o dia inteiro sentado sem fazer nada! Tá cansado de quê?"
E por isso que tem que ter catering! (risos) Poupar energia e tempo! (risos) Olha... nosso processo é muito rigoroso. E pra mim é o mínimo, porque vamos pedir do público 1 hora da vida deles. 1 hora por semana! E eles nunca vão ter aquela 1 hora de volta, então tem que valer a pena. É muita responsabilidade...
NO EPISÓDIO FINAL: Focamos mais na série em si; trama, personagens e o futuro de "Santo Forte", a primeira série brasileira do AXN. E mais: participação especial da roteirista Donna Oliveira! Não perca!
"Santo Forte" vai ao ar todos os Domingos às 21h no canal AXN.