O processo criativo de SANTO FORTE - parte 3

By Eduardo Albuquerque - 11/10/2015






Nesta parte final da entrevista com Marc Bechar, roteirista criador de "Santo Forte", a primeira série brasileira original do AXN, temos a participação especial de Donna Oliveira, roteirista e strong number 2 na Sala dos Roteiristas do programa. A série, a trama, os personagens e o futuro de "Santo Forte". Confira o episódio final agora! 

 

Qual era o personagem mais divertido de escrever em "Santo Forte"? 

Eu acho que o Celso é bem divertido. Não o Pai de Santo - embora seja divertido também, demos bastante humor pro Painho - mas o Celso era muito divertido de escrever. Um personagem complexo, que tem que encarar o assassino da sua família toda semana. A maluquice da Dalva, um personagem que deixa as emoções à flor da pele, não esconde o que sente, também é muito divertida. É bom poder escrever se levando ao absurdo, ao limite.  

E o personagem mais desafiador de escrever? 

Mais desafiador? Hmm... deixa eu pensar. Deixa eu aproveitar que a Donna (Oliveira, roteirista) tá aqui e perguntar pra ela. Qual era o personagem mais divertido e o mais desafiador?

Donna Oliveira: Acho que o Barracuda era o mais divertido...

Marc Bechar: Barracuda! Esqueci do Barracuda! Tá vendo porque eu trouxe ela? (risos)

Donna Oliveira: O Barracuda era bem engraçado e divertido, a gente tinha um pouco mais de liberdade de abusar um pouco, sabe? Pensar umas histórias um pouco mais... mexer com a questão da moralidade dele. O Afrânio era legal também, porque é um velhinho que a gente podia fazer uma coisa mais off. Mais desafiador de escrever...? Acho que o João, porque o protagonista é sempre difícil de escrever, né? Pelo que ele representa. As maiores questões vinham sobretudo em cima do João. Agora, o que eu mais gostava de escrever... era a Dalva.

Marc Bechar: Dalva! Pra mim era um dos mais divertidos!

Donna Oliveira: Sempre que eu escrevia a Dalva ela ganhava muito espaço. Ela parece com muita gente que eu conheço, então refletia muito a gente. Dava pra brincar bastante.

O casal João (Vinicius de Oliveira) e Dalva (Laila Garin); desafios divertidos de escrever


Os episódios você já disse, mas e o arco da temporada? Como vocês quebraram? Sozinho (e depois com a Donna) ou na Sala com todos os roteiristas? 

Eu tinha uma ideia de onde eu queria ir, mas a verdade é que a Sala que desenhou os pequenos atos. Por exemplo: quando a gente chegou ao episódio 10, teve um grande acontecimento na história e eu pensei "wow, acabou a temporada aqui". Era um episódio grandioso, uma história digna de final de temporada, entende? E eu tava bastante preocupado pensando pra onde eu ia levar esses outros 4 episódios, porque era um pedido de 14 episódios. Eu tava na dúvida mesmo e abri pro voto e a Sala meio que bancou: "vamos fazer esse 10 e confiar que vamos levar pra outro lugar interessante". E tinha muita gente contra isso. Mas ficou assim.  

Isso, aliás, é uma coisa que acho digno de nota: o "pace", o ritmo da série. Não tá tendo economia de história. Se tem que ser, tá sendo. Às vezes a gente fica guardando umas viradas e é meio inútil porque o público não é bobo; muitas vezes as pessoas já sacaram que algo parecido pode acontecer. Eu fiquei surpreso, por exemplo, quando o João conta pro Fabio que ele já sabe que ele é repórter e tá fazendo uma matéria sobre ele e os poderes dele e tipo... tranquilo. Achei legal que vocês não pouparam a trama. Cada ação tomada pode resultar em pelo menos duas consequências, né?

Ah, que bom. E isso não foi fácil... Sabe aquilo do David Chase das quatro idéias? Essa aí deve ter sido a oitava idéia! (risos)  

Tanto é que o Fábio, na Bíblia original; ele nem era jornalista, né? Era só o motorista adjunto do taxi do João; eram outros dilemas que ele vivia e trazia pra trama. Essa foi uma história que surgiu posteriormente na Sala. Eu achei essa nova configuração do personagem muito boa também. Trouxe um conflito maior. 

João e Fabio (Guilherme Dellorto); criando o inimigo íntimo
A gente levou muito tempo pra destilar esse momento em específico. Como o João veria esse momento. "Onde estou em relação ao Fabio? Eu quero fazer, não quero fazer? Será que estou me entregando?" João nessa hora... tava quase pedindo por socorro. Quase pedindo "por favor, me tira disso!", sabe? "Eu não posso me suicidar, me tira disso aqui". Porque se o Fabio fizesse essa matéria, pra todos os efeitos, podia acabar essa história toda pro João. No mínimo ía ficar difícil de pegar passageiros e continuar fazendo tudo isso. O que que significa João ter confessado e não matado o Fabio? - o que não seria um absurdo de se pensar, porque ele acabou de matar alguém. Assim, o Fabio ele nunca mataria, não tá no DNA dele; no fundo ele é uma boa pessoa. Mas por outro lado ele perdeu o controle em outras situações... Então tinham muitas camadas ali. Muita tensão e muitas possibilidades a serem consideradas.  

Você acha que tem alguma coisa que define escrever pra TV? Se você tivesse que comprimir em poucas coisas...o que seria? O elemento principal de escrever pra TV? 

Pra mim não tem muito isso; cinema ou TV... Pra mim é escrever, não importa o meio para o qual você tá escrevendo. Eu acho que o importante é ser rigoroso e genuíno e amar os seus personagens. Amar não quer dizer tratar eles bem. Mas sendo um pouco mais específico, bem diferente do cinema, onde constumamos concluir alguma transformação dos nossos personagens, muito do trabalho que fazemos com nossos personagens em TV, especificamente os protagonistas, é identificar seu maior desejo/necessidade, consciente e inconsciente (se forem diferentes)... e garantir que eles nunca os alcançem. Porque na hora que isso acontece; é "O FIM". E o que eu acho fascinante disso é que nos dá a oportunidade de refletir a vida como ela é. Transformações até acontecem na vida. Mas demoram... e para cada dois passos para frente, os sortudos dão apenas um para trás. Eu costumo dar três. Em seriados, com a possibilidade de 20, 30, até 80 horas se tiver muita sorte; podemos explorar esses passos com o carinho que merecem.

O famoso "grid" de histórias do Marc (que na foto parece sofrer um pequeno desmaio por tanto trabalho)

Você disse que "Amar seus personagens não significa tratar eles bem". O que significa isso? É aquele esquema "Dê a eles dor"? ?

Significa se importar com eles. Achar eles interessantes. Se você não os achar interessantes, você não vai conseguir passar nada pro público. E isso acontece; às vezes tem um personagem que você gosta mais do que o outro e isso fica transparente, esse cuidado. Mas enfim... se fosse uma coisa só, seria rigor. Com as histórias que você quer contar. E ser genuíno. As vezes você não tem nada a ver com o personagem e pensa "como é que eu vou conectar com esse personagem?" Como eu falei, é um processo parecido com o de um ator. "Ele quer matar alguém, mas eu não quero... como vou me colocar na posição de querer matar alguém?". Eu acho que a gente tem que fazer isso um pouco com os personagens. Achar o ponto de conexão pra se apropriar deles. Eu não vejo porque não fazer isso, esse mergulho, porque pra mim... esse é o trabalho. Se você encarar ser roteirista como só um trabalho...- poxa, existem muitas maneiras mais fáceis, menos cansativas de ganhar a vida e ter uma vida mais equilibrada! (risos) Você sabe muito bem o que exige não só de você, mas da sua vida. Da sua cabeça, do seu tempo. Das suas relações. De tudo! Essa é a minha sétima carreira. Eu comecei como Auditor, então eu sei o que é trabalhar em um banco, em uma multinacional. Eu sei como são alguns outros trabalhos. E esse trabalho, ser um roteirista, é um trabalho que se você não for "all in" você não vai fazer nada que é digno do tempo da vida de outra pessoa. Sacou? E pra conseguir de verdade esse "all in"... requer muito. E mesmo assim, cara, a chance de "dar certo" aquele produto final... as estrelas tem que alinhar. Primeiro o roteiro tem que ser bom. E isso é apenas parte do caminho pro filme, pro show, ser bom. Pra fazer valer aquela 1 hora e meia e fazer o casal sair de casa, ir pro shopping, gastar 60 reais em ingresso, mais 15 pilas pra estacionar, mais 20 no sorvete, 20 na pipoca... cara; é muita responsabilidade isso. E ainda fora todo esse dinheiro, são 2 horas da vida que nunca vão voltar! Então eu levo essa responsabilidade muito a sério. Às vezes mais a sério do que eu deveria, talvez. Eu detesto quando eu assisto um filme e é óbvio. Vejo que as escolhas das soluções foram as fáceis. Me incomoda se eu posso prever "vai acontecer isso, isso e isso" e acontece. A não ser, claro, que seja um drama extremamente sofisticado e aí a graça é a sutileza dos pequenos momentos e comentários e visão genuína que fazem o todo espetacular. Mas o "Santo Forte" não é esse tipo de jornada. Então, na TV ou no cinema: seja rigoroso no trabalho. Ame os personagens para se conectar a eles e, seja lá o que você estiver fazendo, faça de forma genuína.

E qual o futuro de "Santo Forte"?  Há a possibilidade de mais uma temporada?

Boa pergunta. Espero que sim! Temos muita história ainda para contar de João e seu mundo.


"Santo Forte" vai ao todos os Domingos às 21h no AXN. 
Confira a parte 1 e a parte 2 desta entrevista.


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