O processo criativo de SANTO FORTE - parte 1

By Eduardo Albuquerque - 10/27/2015




Hoje inauguro uma modalidade de post diferente, uma série especial que só poderei fazer esporadicamente (porque requer tempo e depende da minha pequena rede de relacionamentos pra ser realizada), mas que acredito que pode ser de boa valia. Um bate-papo - entrevista, pra ficar chique - com amigos roteiristas sobre o PROCESSO CRIATIVO que envolveu algum projeto atual deles. Assim divulgamos o trabalho de pessoas legais e todo mundo aprende um pouco sobre os bastidores da vida de um roteirista. Pra começar com o pé direito, bati um papo com o querido e genial Marc Bechar, criador da primeira série brasileira original do AXN: "Santo Forte", exibida todos os domingos às 21h. Espero que curtam!


Roberto d'Ávila (diretor e produtor) e Marc no set
Marc Bechar é um roteirista americano radicado no Brasil há mais de 15 anos. Mais conhecido por seu trabalho em "9mm: São Paulo" do canal FOX (criado por Newton Cannito, Carlos Amorim e Roberto d'Ávila) onde escreveu ou co-escreveu 15 dos 20 episódios e foi roteirista chefe da 2ª temporada, Marc é um prolífico nome do mercado, tendo trabalhado com muita gente de peso - de Roberto Santucci até Marcos Bernstein - produzido ou co-produzido tanto na TV, para canais como SBT, Bandeirantes e Rede Globo quanto no cinema em filmes como "Sexo, amor e Traição" (2004), de Jorge Fernando e "Se eu fosse você" (2006), de Daniel Filho.

Conheci este aficionado por Hockey, torcedor fanático do Chicago Blackhawks e ex-atleta de Hockey inline do Clube de Regatas Flamengo, em 2010 e nos demos bem de cara. Sempre fui muito ligado à produção televisiva americana e eis um cara que vinha disso, tinha muita bagagem sobre como funcionava a coisa toda e também parecia claramente sentir falta de pessoas com este mesmo interesse. Trabalhamos no desenvolvimento de três projetos: primeiro o chamamos - eu e Calvito Leal (diretor do "A esperança é a última que morre") - para um projeto que vendemos o "option" para a FOX Television Studios, depois Marc nos chamou para um projeto que estava desenvolvido para Roberto d'Ávila e a sua produtora Moonshot Pictures e depois - anos depois, fevereiro de 2014, pra ser exato - Marc me chamou para participar da pesquisa/desenvolvimento inicial de uma série de sua autoria sobre a qual ele falava desde quando nos conhecemos; "Santo Forte".

Eu e Ana Luiza Savassi (pesquisa/desenvolvimento fev2014)
Foi um mês intenso de pesquisas, entrevistas e conversas sobre o universo, sempre acompanhado de sua assistente Ana Luiza Savassi, numa salinha num apart hotel aqui no Rio de Janeiro gentilmente emprestada pelo Marcos Bernstein. Todo dia preenchíamos fichas sobre os personagens e discutíamos tanto sobre nossa vida quanto sobre a dos personagens. De lá, Marc voltou a São Paulo, onde mora, e deu início à sua Sala de Roteiristas, onde escreveu com o seu time todos os capítulos de "Santo Forte", a primeira série brasileira original do canal AXN.

"Santo Forte" conta a história de João da Cruz (Vinícius de Oliveira), um taxista de classe média pobre que tem um curioso poder (ou seria maldição?): na hora de pegar o dinheiro de seu passageiro, ele recebe visões encriptadas sobre o futuro daquela pessoa, que geralmente está correndo algum perigo. Esta é a premissa, o day-to-day da série: Alguém entra no seu taxi e João tem que decifrar as visões e ajudar (ou não; porque tem todo um mistério por trás das entidades que 'governam' toda esta história).

João da Cruz (Vinicius de Oliveira), o taxista com dom sobrenatural, protagonista de "Santo Forte"

Nesta entrevista em 3 partes, converso com Marc sobre o processo de "Santo Forte" e o dia-a-dia das agruras e belezas de ser um roteirista. Confira:


Como foi a trajetoria para que "Santo Forte" chegasse ao ar? 

Cara, eu tive a idéia original, conceito , personagens principais, etc em 2003 e aí eu trabalhei com o Renê (Belmonte) para profundar o universo e depois com o Calixto (Hakim) e Renê no roteiro piloto. Nesta época eu era sócio da Total Filmes (Produtora do Rio de Janeiro) e ainda não havia uma demanda do mercado para seriados, mas pra mim era a única coisa que eu conhecia, então era a única coisa natural para eu desenvolver. Eu sempre tive uma boa relação com o Roberto d’Ávila que amou o projeto desde sempre. Naquela época ele ainda tava na Casablanca/Teleimage. E aí quando eu saí da Total, a gente fez um acordo e eu vendi o "option" pra ele, que conseguiu o interesse da Sony. Daí levou mais 6 anos pra "Santo Forte" ser produzido, ate porque naquela epoca os canais ainda não tinham estrutura pra financiar dramaturgia serializada, então demorou um tempo até para eles entenderem como é que eles iam participar e co-financiar programas seriados. Quando tudo se alinhou, 10 anos depois de ter escrito o piloto, eu tive que re-escrever - e foi uma re-escritura bastante intensa - finalmente desenvolvendo a temporada inteira em Março de 2014 e chegando às telas agora em 2015  

Com esse gap tão grande, o que de fundamental mudou do primeiro tratamento do piloto até o que chegou à tela? 

Tinha bastante efeito especial, ação... (risos) Na verdade, mais do que tudo, acho que como eu era menos experiente como escritor, acho que... tava bom, mas tava um pouco pobre, didático. Quando eu reli o piloto, ao meu ver, achei um pouco ingênuo e pretencioso pela quantidade de informação que tentei passar. Não pela informação em si, mas pela quantidade de material. Tem coisas no piloto original, que levamos uma temporada inteira pra contar. (risos) Então, uma coisa que acho que consegui fazer, foi aprender como dosar melhor as informações e pesar um pouco mais os momentos que mereciam atenção, escolher melhor os momentos. Porque, por bem ou por mal, "Santo Forte" foi o primeiro piloto que escrevi na minha vida. Quando voltei e sentei pra re-escrever o piloto eu já tava com muita bagagem, de uma série de 13 episódios da O2 Filmes vendida para a HBO ("Chave 17", ainda não produzida), mais 15 episódios de 9mm da FOX e outros 7 pilotos e 4 longas que ainda não viram a luz do dia. Na verdade, “Todo Amor”, um longa que escrevi com e para Marcos Bernstein, vai ser filmado ainda este ano. Então eu, como roteirista, tinha muito mais bagagem e experiência para escolher o que contar e como.

Eu vejo que os pilotos que escrevo hoje chegam mais próximos ao que eu acredito que pode ser filmado. Pode ser que não; acaba acontecendo isso devido as diversas colaboradores que entram, de outros roteiristas, as produtoras até o canal. No caso do "Santo Forte" tivemos bastante liberdade. Nao houve imposições. Foi gostoso trabalhar. Por mais que eu tenha re-escrito o piloto sozinho, eu já tinha a Sala funcionando com roteiristas talentosos como Donna Oliveira, Denis Nielsen, Dani Garuti e Marton Olympio e a participação do produtor principal e meu sócio no projeto, Roberto d’Avila, então-- até você, que participou no comecinho, certamente idéias que a gente trocou, acabaram influenciando no todo; sem dúvidas. Tudo é um processo. Você vai pegando os feedbacks, descobertas e tentando acomodá-los dentro do seu enquadramento original e uma vez que você tá trabalhando no dia-a-dia, você não pensa muito mais no propósito do show; você só pensa em fazer aqueles momentos bons e você torce pra ter preparado o suficiente para que, quando somadas todas as partes, aquilo diga o que você queria que disesse, que aquela obra represente aquilo que você esperava. Mas na hora de fazer você não fica pensando "agora vou fazer uma coisa dramatica, agora vou fazer uma coisa engraçada"... não! Você desenha as historias pra te levar àquele destino. Quando você tá trabalhando os miolos da cena, você só tá querendo que aquela cena vibre. Mais nada. Todo o preparo anterior faz aquela cena encaixar no "maior", que toca o núcleo e encaixa no episódio, no show.

"Copacabana on my mind": locais visitados pra respirar o "clima" do universo de "Santo Forte"

Você acha que o fato de você ter passado mais tempo no Brasil ajudou a amadurecer o olhar sobre uma cultura diferente da sua? 

Certamente ajudou. Não sei o quanto impactou o produto final, porque, como você sabe, eu tenho uma certa obsessão com pesquisa e com colaborações com pessoas. Então, ainda mais sendo estrangeiro, eu sempre vou precisar colaborar. O piloto original, por exemplo: eu tive a idéia do universo e personagens e tal, mas sabia que não podia escrever sozinho, então chamei o Renê (Belmonte) pra tocar junto e assim ele virou co-criador. Então, por mais que eu estivesse a menos tempo no Brasil, eu fiz coisas no meu processo para garantir que àquela época, aquela obra fosse genuína e acho que ela conseguiu capturar a essência da coisa. Você leu o original; acho que não tinha nada "não-brasileiro" ali.  

Não, não... 

E isso é muito devido à essas parcerias que eu faço. E eu continuo fazendo - óbvio que morando aqui há 14 anos eu preciso me preocupar com menos coisas; eu tenho mais bagagem. Mas na hora de sentar e fazer eu monto uma equipe. Eu podia fazer sozinho, mas gosto desta natureza de escrita de TV, de montar um time.

Falando nisso... como era a sua Sala de Roteiristas? 

 

TO BE CONTINUED! No próximo episódio: a composição e a rotina de trabalho da sala de roteiristas de "Santo Forte" e as dificuldades do ofício de escrever! Não perca!


"Santo Forte"vai ao ar todos os Domingos às 21h na AXN.

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1 comentários

  1. Caramba, Eduardo. Não tenho nem como agradecer o trabalho que você faz aqui nesse espaço. É inestimável a ajuda e os insights que você está proporcionando pra quem quer entender melhor o mundo dos roteiros e roteiristas. Adorei a entrevista (estou assistindo Santo Forte) e estou louca pra ler as próximas partes. Obrigada e parabéns!

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