Trabalho e não Sonho

By Eduardo Albuquerque - 1/13/2015


Você vai me ler falando algumas vezes algo tipo “isso é meu trabalho e não meu sonho”. Não chega a ser um mantra, mas é uma lição difícil de aprender e talvez por isso eu repita tanto.

O fato é que é comum na indústria você ver pessoas empolgadas, tratando a atividade como “um sonho” e eu tenho reservas quanto a isso. Não é que não deve haver paixão na profissão. Claro que deve. Mas, se você não souber alocar pragmaticamente sua paixão/drive/seja-o-que-for neste ramo, você não vai conseguir fazer o seu melhor trabalho. E com isso, você logo logo não vai fazer trabalho algum.

O roteirista que encara o que faz como “sonho” e não trabalho acaba permitindo que as pessoas veladamente usem isso contra ele, acusando-o de falta de distanciamento crítico ou desequilíbrio/imaturidade emocional quando numa discussão em que ele defende um ponto que considera vital para a boa conclusão da obra. “Ele diz isso sem responsabilidade com o todo, afinal ele é um artista”. Uma armadilha auto-imposta (mas estimulada por outros) para que façamos concessões tanto no lado dos negócios quanto no lado criativo. Sempre “por amor”, pois “é tão legal ir pro set” e “ver sua obra na telona não tem preço”.

Embarcando nesta trip, nossa atividade só é mais desvalorizada. Não conseguimos formar uma imagem, uma união, um sindicato que lute por melhores condições... afinal qual é a condição de um artista que não a arte em si? Não, não: Esse é o seu trabalho. Não é o seu sonho.

Eu tenho uma regra individual, que só foi verbalizada pra mim pelo meu amigo Calvito Leal: “trabalhe sempre com a segunda coisa que você mais gosta”. Música é o que mais amo. É lá que eu tenho “liberdade criativa” e posso ser artista. Não vivo disso. Não dependo disso. Que se dane o pragmatismo, o se colocar no lugar do outro pra o entender melhor e descobrir um denominador comum. Eu não preciso convencer ninguém de nada. Posso fazer os maiores absurdos, só pensando 100% em mim. É a “minha visão” (Quem tiver curiosidade, eis o Reverendo). Já no cinema, atividade coletiva, você tem que agradar e cativar o maior número de pessoas que conseguir, para que (primeiro) o filme seja realizado da melhor maneira possível e (segundo) para que seja apreciado e te renda dinheiro e você faça outros mais.

Então deixo claro pra mim e pros outros: sendo este o meu trabalho, meu approach a ele tem que ser pragmático. Escrevo por dinheiro e isso não me faz um mercenário da arte, até porque roteiro - diferente de uma peça de arte - não é um fim em si mesmo. Por mais que sejamos freaks e capazes de sentir prazer apenas lendo os roteiros; eles não foram feitos para isso. Foram feitos para passar instruções de como contar uma história visual e o papel do roteirista nada mais é do que criar imagens através de palavras. Não é arte. Um roteiro é tanto literatura quanto um manual de instruções para montar um pula-pula.

Sugiro que você faça o mesmo: não trate isso como um sonho, nem como arte. Evite se colocar nessa rua sem saída. Seja firme, cobre sempre, gaste seu tempo com quem faz o mesmo e faça o investimento delas (e o seu) valer, sempre tendo cuidado para que, com a excitação de estar fazendo algo que realmente é muito legal, você não pareça deslumbrado. Trate como trabalho. Escreva “por dinheiro”. Você será mais respeitado e fará um trabalho melhor.

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