RESENHA: 21 jump street

By Eduardo Albuquerque - 1/14/2015



Apesar de ter sido uma série de muito sucesso na época, tomei como curioso quando ouvi a notícia de que iam fazer uma versão de 21 Jump Street para o cinema. Da lista de coisas urgentes para se adaptar/modernizar etc. o programa televisivo – no Brasil Anjos da Lei (alô, infância!) – está muito lá embaixo. Sim, pois a série que catapultou Johnny Depp pra fama era um sucesso de público, mas nunca de crítica e, quando é assim, normalmente a série se perde no tempo/espaço; fica datada e não se traduz para outras épocas.

Mas foi exatamente nisso que os roteiristas Jonah Hill e Michael Bachall se apoiaram para achar sua história. Possivelmente fãs da série quando crianças, a dupla trouxe como Tema esta disparidade entre tempo real e tempo afetivo para construir o filme. É um pouco a atitude "gangsta" de LA: adresse o problema e ele deixará de ser.

O filme brinca constantemente com a quarta-parede, o que é sempre um perigo, pois este artifício te joga 99% das vezes para fora da história e isso é o maior pesadelo de um roteirista – digo mais; de um cineasta! - mas, por conta desta esperta jogada de trazer à frente a consciência deste projeto, da série, do filme e do audiovisual como um todo, a brincadeira nunca te joga pra fora do filme. Pelo contrário, são talvez os momentos mais brilhantes, mais perspicazes, que te dão mais vontade de continuar assistindo o filme.



São muitos estes momentos; imagino que tenham alguns aos quais eu nem me atentei. Mas destaco dois:
1) O óbvio - no Catalisador, onde Nick Offerman designa Jonah Hill e Channing Tatum para a missão (ou pro segundo ato) e basicamente adressa o meu estranhamento no primeiro parágrafo desta resenha - é um retrato seco da “crise” pela qual Hollywood passa no momento, apostando em franquias e adaptações em detrimento de spec scripts: “We're reviving a canceled undercover police programme from the 80’s, and revamping it for modern times. You see; the guys in charge of this stuff lack creativity and are completely out of ideas. So all they do now is recycle shit from the past and expect us all not to notice.” E;

2) o menos eloquente, mas talvez mais genial e metalinguístico momento onde, logo após a briga de Jonah Hill e Channing Tatum, o beat All is Lost, onde os dois amigos queimam a última ponte que os ligava e arruinam a peça de teatro da escola (e a missão), Chris Parnell, o professor de Teatro, decreta para a peça e pro filme: “End of Act Two!”. Brilhante! De um requinte ímpar.

Mas esses são exemplos in your face de diálogos que funcionariam, por isso, mesmo em um filme que não tivesse tanta consciência de si mesmo. A parte onde esta escolha faz sentido, deixa de ser apenas um truque e passa a contribuir para um roteiro redondo é quando os roteiristas entram nos dois quesitos que pra mim são os mais importantes na construção de um filme: o Tema e o Fun and Games. Vejamos:

21 Jump Street se constrói como um Buddy Love – dois heróis incompletos que descobrem um no outro a parte que os completa, ying-yang; Channing com aptidões físicas e zero cérebro e Jonah inteligente mas fora de forma. Mas adiciona na trama um elemento de Tolo Triunfante, quando, a fim de descobrir quem são os vendedores e fabricantes de uma droga que tem matado estudantes, ambos voltam à escola participando de uma missão à paisana, uma Farsa (que é acentuada quando trocam as pranchetas e Channing passa a ser o cerebral e Jonah o descolado esportivo). No começo do filme, é contado de forma hábil e rápida que ambos os personagens tiveram um fim de colégio ruim: por motivos diferentes não puderam viver o sonho americano adolescente; o baile de formatura. Então, nosso Fun and Games é ver os dois voltando a um mundo do qual eles já fizeram parte, mas não mais os pertence. E ninguém pode reparar isso senão acaba a missão; eles tem que look the part. And boy; do they want to look the part! Então é “Old people” trying to look cool, mas o cool deles não é mais o cool atual.

Houve um deslocamento sinistro de conceitos num espaço curto/recente de tempo por conta de traumas pelos quais o mundo passou e também através do desenvolvimento de tecnologias como o advento dos smartphones. Uma pessoa “com idade para interpretar” estas mudanças inevitavelmente vai ter uma versão outsider daquele novo mundo. E não é exatamente esse o risco pelo qual passa um filme que adapta algo nem tão nichado, nem tão popular no espaço/tempo? O de passar a impressão de que não pegou o espírito da coisa? Este é o tema, como dito láááá em cima da resenha: o deslocamento entre o tempo afetivo e o tempo real; ou, numa frase/pergunta mais vendável is age nothing but a number? Esta é a pergunta que o filme cena a cena questiona ao espectador através das ações dos personagens.

Dave Franco e o retrato de uma juventude "eco-chata" politicamente correta

E é ouro quando este espelho é feito costurando pra dentro da história. Quando Tatum dá as regras de popularidade da sua época (“Não se esforce em nada, zoe quem se esforça e seja bonito. Se alguém o peitar na escola no primeiro dia dê um soco na cara dele. Dirija um carro irado e use apenas uma alça da mochila nas costas”) e entra em parafuso ao se deparar, logo no primeiro dia, com a realidade atual de uma escola onde todo mundo usa duas alças, se esforçar é cool e os jovens americanos já não mais se categorizam tanto em caixas quanto antes.

Além disso, de um ponto de vista mais business, também é digno de nota a atitude incomum de começar uma franquia (adaptado de um original já antigo) sem fazer um remake standard ou reiniciando a história (reboot). De fato, 21 Jump Street, o filme só pegou o Fun and Games de 21 Jump Street, a série: “policiais jovens se infiltrando no mundo adolescente”. De resto, criou seu próprio tom - muito mais cômico que a série - e, de forma original, manteve sua história dentro da cronologia do seriado, trazendo participações de Holly Robinson Peete, Johnny Depp e Peter DeLuise reprisando seus papéis originais. No caso dos dois últimos, inclusive, esclarecendo o que aconteceu - 20 anos depois - com seus personagens, que sumiram sem demais explicações na penúltima temporada da série. Não acho que os fãs fervorosos (existem?) tinham dificuldade de dormir com este “mistério”, mas os caras ainda conseguiram dar essa satisfação... não deixa de contar ponto.

Mundos colidem: Personagens do mundo antigo (Depp e DeLuise) se sujeitando ao novo mundo do Bromance, dando senso de continuidade cronológica e afetiva

21 Jump Street não é o filme do século, não é o roteiro mais perfeito já escrito, mas é um dos projetos mais bem engendrados na dinâmica da cultura de massa de nunca pecar pelo excesso de novidade, nem pelo excesso de repetição. Ele alimenta quem é fã da série original, alimenta quem nunca viu e está mais interessado nos Bromances misturados com Ação da atualidade e ainda dá uma piscadela pra quem dá de ombros pra essa bobagem Hollywoodiana toda.

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4 comentários

  1. tem tb o 22 jump street! é legal tb, ele vão pra faculdade . vc viu ? bjs kiri

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    1. Oi, Kiri!
      Valeu pelo comentário!
      Vi o 22 sim! E ele até estende isso que falei da quarta-parede, desta vez focando mais em "sequels" e o "desgaste" da fórmula do Bromance. E também tem uma citação ao Ice Cube muito bo(b)a.
      Mas minha parte preferida talvez seja o post-scriptum onde eles imaginam trilogia, quadrologia(!) e outras sequências.

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  2. Você na segunda mencionou uma técnica que é usada para mostrar o "low-point" de um personagem, que é quando tudo dá errado no ato dois, coloca-se ele de volta nas situações que eram boas para demonstrar como é ruim agora.
    No caso do 21 Jump Street, e acho q posso dar de exemplo também "Nunca fui Beijada", o filme começa mostrando os personagens tendo problemas em uma situação (ou local) específico, e eles mais na frente na vida tem oportunidade de se redimirem na mesma situação.
    Obviamente tudo da errado de novo, caso contrário não haveria o momento de redenção dos "heróis" da história.
    Honestamente não me lembro da série de TV, mas achei ambos os filmes muito divertidos.

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    1. Fala, Edward!

      Verdade, nem sempre o que chamamos de "Mundo Comum" (o status quo do protagonista antes de algo acontecer e mudar "definitivamente" sua vida) é positivo.

      Sua pergunta/observação foi tão boa que vou guardá-la para responder na sexta-feira na seção "Q&A". Pode ser? Não sei se a galera tá conseguindo achar a seção e/ou se ela tá dando bug, então aproveito e mato dois coelhos com uma cajadada só!

      Obrigado pelo comentário! Sexta eu te respondo com detalhe!

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