Escrevendo a quatro mãos

By Eduardo Albuquerque - 6/09/2015



Algumas semanas atrás, neste post, falei um pouco sobre o aspecto mercadológico de um "writing team", como se designa créditos etc. Mas alguém reparou que eu não dediquei uma linha para o quesito "técnica" na hora de escrever a quatro mãos? Pois é, então vamos nessa.

São muito comuns duplas de roteiristas; pessoas que individualmente não escrevem e só tomam forma quando com um "&" ao lado do seu nome. Eu sempre me perguntava "caraca, como será que funciona isso? Qual o processo?" e descobri, uma bela lição pra vida em geral, que "whatever works for you, is the right way to do it". Apesar de ter escrito a quatro mãos algumas poucas vezes, eu nunca o fiz desde o início do projeto, então, nem sei dizer do processo todo, mas conversando com amigos que já o fizeram (e fazem), vejo que existem alguns padrões:

Pianistas
A dupla discute exaustivamente todos os pontos da trama, personagens etc. e quando concordam em tudo e vão materializar o primeiro tratamento, cada um escolhe umas cenas pra fazer ("eu pego essa e essa e essa e você, essa, essa e essa") e vão trocando bola, enviando as cenas um para o outro, cada um dando seus pitacos, re-escrevendo, indagando e aperfeiçoando a escrita. Apesar de parecer muito metódica, esta forma garante sempre "olhos frescos" (inclusive para erros de digitação), propicia um "ambiente" de motivação - o fato de um ficar mandando material para o outro pode gerar uma competição saudável ("ele fez x páginas! tenho que me apressar!") - e também (pelo menos um sentimento) de otimização maior do processo, uma vez que, teoricamente, cada um escreve 55 páginas ao invés de 110; as outras 55 são re-escrituras (quando tanto), o que é sempre mais rápido e indolor.

Siameses
Diferente do método descrito acima, onde, tal qual quando se toca um piano a quatro mãos, um toca a parte grave (baixo/acompanhamento) e outro a parte aguda (melodia), ou seja, um trabalho complementar, neste é um caso mais "2 para ser 1". A dupla literalmente escreve junta. Senta ao computador e decide palavra por palavra o que vai acontecer. Eu acho essa forma MUITO doida, mas ei!, como falei, o que funcionar pra você... e, pelo que conversei com amigos, pode funcionar sim. O testemunho deles me fez ter a impressão que a maior benesse deste jeito de fazer é que a inibição pela presença do outro faz com que você esteja sempre no seu melhor jogo possível. Você filtra melhor aquelas idéias bobas que perseguimos teimosamente pelo bem do processo criativo mesmo sabendo, no fundo, que serão destruídas rapidamente após o mínimo de pensamento crítico dedicado. No entanto, para mim, não sei se funcionaria. Acho que seria extremamente moroso, conflituante e eu não consigo pensar "on the fly". Meu processo é de "levar pra casa", mastigar, botar no papel, apagar, fazer de novo, mexer aqui e ali... metade do meu trabalho é levantar da cadeira, andar de um lado para o outro com a caneta na boca, ou entre os dedos. Me sentiria sem graça de fazer isso com outra pessoa no recinto. Sei lá, pressão não me ajuda e escrever com prazo etc. já é tenso o suficiente pra adicionar mais essa.

No geral, independente da forma de trabalho, escrever a quatro mãos dá sempre uma segurança de que aquela história toda passou pelo crivo pessoal e profissional de duas pessoas, que, pelo bem do trabalho, defenderão juntas a integridade criativa do roteiro e lutarão também juntas por qualquer melhoria necessária. De fato, escrever roteiro pode ser uma atividade bastante solitária e, neste sentido, ter um parceiro é mesmo muito bom.

Você escreve/já escreveu a 4 (ou mais) mãos?  Quais as dificuldades e facilidades que você encontrou? Qual dos dois processos você usou? Foi algum processo diferente desses? Conta pra gente nos comentários!

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10 comentários

  1. Esse teu longa que vai estrear não foi escrito em parceria? Como foi o processo?

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    1. Foi e não foi. Como eu disse no post, eu nunca peguei um "writing team" desde o início.

      Eis como rolou no " A esperança é a última que morre" (e mais pro lançamento - 13 DE AGOSTO! - eu devo fazer um post mais detalhado): o argumento é meu e fiz sozinho os primeiros tratamentos. Lá pelo terceiro tratamento, contratamos o Zé Carvalho pra fazer um tratamento. Eu não participei ativamente escrevendo, apenas acompanhando o processo, já que sou "produtor"/coordenador desta área (roteiro) no filme. Depois voltei a fazer um tratamento sozinho. E do sexto tratamento em diante, se não me engano, fiz um writing team com a querida Patricia Andrade. De forma resumida foi meio isso.

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  2. EUUUU??? Nem morto!!! rsrsrs Sou 'mais Glória Perez': fantasia não se pode dividir!

    Falando sério: é uma questão prática, mesmo que soe exagerado, mas uma palavra pode mudar (e já mudou o rumo) dos meus roteiros.

    Às vezes não temos o final certo (ou simplesmente não temos).

    Trabalhar em equipe supõe puxar desfechos seja como for... já que é preciso administrar bem a função de cada um.

    Sem contar que muitas vezes simplesmente é irracional.

    O processo 'industrial' impôs um sistema que supostamente facilita, mas se vc precisa fazer escaleta, distribuir (até o NÚMERO DE LINHAS!), escrever (se for o caso) e depois fazer tratamento final, cadê a facilidade???

    Babilônia tem OITO colaboradores e isso - talvez - se reflete na qualidade final.

    A genialidade está em fazer tudo! (claro, não é época de 'gênios').

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    1. É importante diferenciar "writing team" de "team of writers" ou "colaboradores".

      Na TV você tem um conceito - inclusive o nome deste blog em versão traduzida para o português - que é o Writer's room. Nele, outros roteiristas se juntam a um roteirista chamado de "Showrunner", que é o líder daquela empreitada. Eles escrevem individualmente seus roteiros, sob supervisão/liderança do Showrunner, que é o responsável, no fim das contas, pela qualidade do que vai ser entregado para o canal. O mesmo se dá nas novelas: o Autor tem seus colaboradores, os quais escrevem as cenas que ele designa pra eles e depois entregam de volta para o autor re-escrever, se necessário, o que for.

      Por isso, não acho que se aplica isso dos 8 colaboradores e a qualidade final. O trabalho real do autor é saber transformar tudo ao seu gosto. Se julga-se a qualidade baixa - não sei, não assisto - tal julgamento deve ser creditado, se tanto, à má escolha dos colaboradores por parte do autor e ao autor em si por não conseguir tirar o melhor deles e transformar em bons capítulos de novela. O trabalho dos colaboradores é "mimicar" a voz do Autor/Showrunner. E o dele é deixar o episódio com sua voz/visão. Se dá errado (ou certo) o mérito é, antes de qualquer coisa, DELE.

      Em tempo: Eu acho INSANO a Glória Perez escrever sem colaborador (acho que é a única que faz assim). 200 episódios em 1 ano. Como ela consegue? Talvez por isso as novelas dela sejam tão "hit or miss".

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    2. Sem dúvidas, é maratônico o trabalho! (por isso ninguém sabe fazer mais e quem sabia, se alguma vez soube, está minguado... vide o Benedito).

      No entanto, continuo a achar o rol do 'colaborador' meio fantasma, a anulação do ego creativo, justamente, pra 'mimicar' (se encaixar) na voz do 'autor' (que por outro lado, muitas vezes fica como aplicador de know-how, não como 'talento').

      Deve ser que não tenho (ou tenho em excesso) espírito 'democrático' (pra partilhar a escrita).

      Eu nutro a maior admiração pelos clássicos que fizeram ótimas novelas, absolutamente sozinhos!

      Claro, eram outros tempos, outras novelas...

      Ainda assim, que prova de talento, né? 200 caps. de 40 laudas, seis vezes por semana!!!! hahaha

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    3. De talento e de disposição! hehe
      Tenho um amigo da época de faculdade, o excelente Victor Atherino, que foi um dos roteiristas de "Além do Horizonte", do Marco Bernstein. Não sei se já chegou aí em Cuba, passou em 2013/2014 aqui na Globo. Ouvir ele falando sobre a correria do processo gera um misto de excitação com pavor.

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    4. Conheço a novela, mas não passou! Estamos numa etapa 'vintage' assistindo Duas caras (muito atual pra Cuba mesmo que não pareça) depois de Paraíso tropical. Em vários meses vamos ficar mais 'moderninhos' com o Walcyr ou o próprio Aguinaldo. Por falar nisso, o WC também escreve sozinho (mas tampouco é exemplo de 'genialidade' - cala-te boca!!!! rsrsrs).

      Abração!

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    5. Passou, quase em seguida. Mas começaram a exibir novela diária, então, parece optaram por coisas mais velhas (e suponho que mais barata...) Só assim garante uma novela brasileira diário. MAS... há meses voltou esse esquema arcaico de novela brasileira segunda, quarta, sexta... cubana (um porre) terça, quinta, sábado. Agora estamos com Escrava Isaura da Record (no Canal Habana). Muito ruim. Mesmo. Parece novela mexicana.

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  3. Tambem fui fã de Avenida Brasil. Joao Emanoel Carneiro é gênio e tem lances da série Revenge que ele adaptou muito bem para a novela, além de outras referencias que ele usou como o personagem Tufão ser uma inspiração do personagem do livro O Idiota de Dostoievski. Gosto de autores que abusam de referencias.
    Esperando ansioso pelo próximo trabalho que começa nesse mês

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