Q&A

Q&A 12/06/2015

By Eduardo Albuquerque - 6/12/2015

Todas as sextas-feiras eu respondo perguntas enviadas pelos leitores do blog. Se quiser me mandar uma, acesse este link e aperte enviar (ou tente nos comentários!).

Vamos ao desta semana!


Oi Eduardo!

Adoro seu blog! Suas dicas são valiosíssimas para os pseudo-escritores inseguros como eu. Acho que é porque você faz parecer possível e isso é muito legal, hahah.

Ainda não terminei de ler todos os posts do seu blog, mas já deu pra perceber que aqui predomina a discussão sobre roteiros de cinema.
Eu que sou mais da turma dos roteiros de TV queria saber um pouco mais sobre a sua experiência nessa área e/ou algumas dicas de bibliografia... se é possível também falar como é mais ou menos o mercado audiovisual brasileiro de séries para TV e qualquer outro tópico que você achar legal e relevante comentar sobre o assunto.

Isso aqui não foi exatamente uma pergunta, tá mais pra um "discorra sobre", mas acho que você também é um cara prolixo e não vai achar ruim, né?

Muito obrigada pelo seu blog maravilhoso!

Laura

Olá, Laura!
Muito obrigado pelas palavras gentis, espero contar com mais contribuições suas nos comentários etc.

Antes de responder, deixa eu só ser chato: nunca se coloque como "pseudo-escritor". Pra ser escritor basta sentar a bunda e colocar palavras no "papel". Não tem nada a ver com ser "publicado"/"filmado". Se você já faz isso, você é uma escritora e ponto. Inseguro acho que todo mundo o é até certo ponto - o segredo é usar isso à nossa vantagem - e, por fim, é super possível! É super trabalhoso - ô se é... - mas é possível. Claro que é.

Sabe o que é engraçado? Na real eu sempre fui um cara de Televisão.

Na faculdade eu era inclusive conhecido como "ah, o cara da TV", pois sempre a defendi como um meio mais interessante para o roteirista que o cinema. Me fascina a possibilidade de desenvolver personagens a longo prazo; na produção serializada o roteirista realmente é a peça principal. O cinema eu considero mais próximo à arte plástica; você tem um certo controle de atenção do espectador, que foi até lá assistir, um respeito de contraste propiciado pelo escurinho da sala de exibição... o diretor realmente passa a ser a peça principal. Enfim, sempre consumi mais televisão, especialmente séries. Falar isso agora parece meio sem sentido, mas lembrem que isso se deu há 12 anos, uma época onde a TV, burramente, ainda era muito vista de cima pra baixo aqui no Brasil. "Livros > Cinema > Teatro > TV". Santa ignorância... Laranjas e bananas. Seriados eram uma coisa muito marginal para muita gente, mas não pra mim. Desde que assinei TV a cabo, em 1996, consumi muito seriado. Vi Friends, ER, Seinfeld in locco. Todo tipo de rerun de SNL, Family Ties, Cosby Show, Who's the boss?, MASH, Baywatch... Tudo que passava eu via e naquela época tinha muito rerun legal passando em syndication, então eu vi tudo. Mais tarde, 2003-2008, eu costumava chegar da faculdade e ligar o TVU, um programa que permitia stream de canais de TV aberta americanos (CBS, NBC, ABC, FOX e, na época, TheWB e UPN, que depois viraram CW...) e ia até a madrugada assistindo o feed da costa leste e depois o da costa oeste pra ver os programas de outra emissora. No total, uma loucura!, 6 horas de programação que depois viravam textos, resenhas e análises num sitezinho que criei. Entrava nos boards da TheWB pra discutir histórias com os fãs de Buffy e Angel etc., me envolvia tanto que fiquei amigo da Kristin dos Santos (na época apenas blogueira) do E! e tive até a chance de ver screeners de séries que não tinham estreado ainda NEM nos EUA; uma delas Lost.

Mencionei Lost pois foi à partir dela que o público brasileiro começou a consumir mais séries avidamente. Foi uma conjuntura de fatores que foram do tecnológico - a disseminação de torrents quase em tempo real - até o mercadológico - com uma estratégia de marketing agressiva e inovadora via-internet - que fizeram a série chegar à muita gente por aqui. Por isso rolou aquele fenômeno "Los Hermanos", onde os fãs viram muito chatos e defendem cegamente como time de futebol. Mesmo que esteja muito mal, todos defendem como "genial, você que é limitado pra entender!". Natural, é a primeira série que assistiram na vida, então não conseguem separar, falam disparates como "série mais importante da história", "recordista de audiência" e zzzz zzzz zzzz.

No entanto, por mais que o público estivesse começando a pegar gosto por séries extra-Lost via Lost, a produção brasileira ainda não fornecia muitos caminhos e possibilidades para realização de seriados. Eu saí da faculdade em 2008 e fui trabalhar mirando na TV. Mas me frustrava, pois as oportunidades eram muito pequenas, especialmente de dramaturgia. Nem posso dizer que foi um insucesso. Escrevi a segunda temporada do "Básico", um programa no Multishow que, apesar de ser todo meio "entrevista", tinha fluidez pra criar alguns quadrinhos de ficção. Vendi uma série de TV para a Rede Globo através da O2 Filmes, vendi o option de uma série para a FOX Television Studios shop around no mercado americano, que nunca foram produzidas... era tudo muito difícil. Até de entendimento com esses canais. A linguagem narrativa serializada era pouco entendida. Nessa época, dramaturgia só na HBO (com sua produção mínima e "segura" via Conspiração e O2 Filmes) ou na Globo mesmo com 2 ou 3 séries (A Grande Família, A Diarista e Toma lá dá cá, depois Força-Tarefa), o que só era possível participar fazendo o caminho de carreira todo lá dentro. Isso levaria anos. Então, me concentrei no cinema, onde o mercado havia se mobilizado e criado vários mecanismos para a difusão de uma produção mais democratizada. Existiam editais para roteirista iniciante etc. e tal. Entendi que poderia fazer algo grande mais fácil por aqui e, por uma série de outros fatores, decidi que a melhor escolha profissional para a construção da minha carreira, seria focar no cinema como meu mercado de trabalho prioritário.

Foi só lá pra 2011 que o mercado - ciente do crescimento de público consumidor, das novas janelas tecnológicas (internet, mobile...) e da quantidade crescente de profissionais da área sendo formados pela crescente quantidade de cursos de cinema - começou a se movimentar e à partir de Setembro deste ano as coisas mudaram com a aprovação da Lei 12.485, popularmente conhecida como "Lei da TV paga", que obrigava todo canal à cabo a ter parte de sua programação feita aqui no Brasil. Na mesma época, até um pouco antes, o Multishow passou por uma reformulação que se baseou em 3 pilares: humor, reality e putaria (hehe). Tudo produzido aqui, muita coisa de dramaturgia. Isso puxou muito o mercado. E assim foi crescendo, com editais específicos para TV, com iniciativas como Pitchings de pilotos, laboratórios de pilotos pra TV, editais de núcleos criativos para a TV... enfim; hoje a TV é um baita mercado para o roteirista! Você não está mais confinado à Globo e Record e novelas. Há uma gama de oportunidades por aí e, considerando que somos uma nação que consome MUITA televisão, muita coisa pra melhorar e avançar e te propiciar muito sucesso.

Minha idéia era começar escrevendo aqui na Sala dos Roteiristas (que, olha só, é uma alusão a um termo/conceito de TV e não de Cinema) mais sobre cinema muito por conta do meu longa "A esperança é a última que morre" (13 de Agosto nos cinemas!), mas, depois, começar a abrir a discussão para o roteiro e o mercado de TV e assim o farei. Aguarde só mais um pouco que à partir de Setembro, até coincidindo com o início da temporada americana, devo começar a dar um pouco mais de foco para a TV. E faz até sentido, uma vez que apesar de animais completamente diferentes, a base do roteiro e da linguagem de TV é o roteiro de cinema, então sedimentar o básico é importante. Muito do que eu já escrevi faz sentido também para a TV. Fora que no segundo semestre deve estrear também "O Grande Gonzales", série do Porta dos Fundos para a FOX na qual trabalhei, então, tal como fiz/faço/ainda farei em relação ao Esperança, poderei falar um pouco de coisas de TV em cima de experiências recentes em relação à coisas que poderão ser vistas por vocês (fora fazer aquela propaganda básica =P).

Enfim, sou prolixo mesmo. Você matou a pau. É que nós roteiristas temos que sempre ser concisos, então às vezes vou à forra também. Mas resumindo: stick around que eu prometo que vou falar mais sobre TV e vai valer à pena porque é onde meu coração está! A gente retoma a discussão com ainda mais afinco, ou em outras palavras mais televisivas...

We'll be right back... after these messages!

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4 comentários

  1. Oi Laura, se quiser deixar contato ou meios de comunicação, gostaria de discutir ideias com mais pessoas, principalmente aquelas que estão no mesmo estagio que eu, trocar ideias e experiências.
    Jeferson

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  2. Oi de novo!

    Muito obrigada pela resposta, Eduardo. Tô me achando aqui por você ter escolhido a minha pergunta pra responder essa semana, hahah

    Adorei essa sua breve introdução/histórico do consumo de séries aqui no Brasil. Eu acho bizarríssimo ter tão pouca série na TV brasileira, uma vez que todo mundo aqui gosta desse formato e devora tudo que aparece lá fora, inclusive as bostas.

    Ironicamente, eu assisto pouca televisão. Quer dizer, eu vejo as coisas da TV pela internet. Raramente sento no sofá e pego alguma coisa pra ver do início ao fim. O que me irrita nas (poucas) séries brasileiras mais atuais é a falta de variedade. Eu não sei bem o que tá rolando atualmente; "Sessão de terapia"?, tinha também aquela lá das prostitutas na HBO que eu não lembro o nome, aquela outra da FOX "Se eu fosse você" (porra, até quando?)... deve ter mais um monte que eu esqueci ou nem ouvi falar. Sei lá, eu sou muito chata e adoro detestar tudo, mas fica difícil defender a produção televisual da terra de pindorama.
    Não sou teórica de porra nenhuma, mas vou arriscar uma hipótese do que eu acho que prejudica e muito a formação de um corpus legal de produção serializada no Brasil: você mesmo disse algumas vezes que o mercado audiovisual aqui é meio na base da "panelinha", de quem tem contatos e etc... o que eu acho que acontece - entre tantos outros fatores que você que tá no ramo sabe melhor do que eu com certeza - é que essa galera fica produzindo as coisas daquele colega e do outro lá, e isso atravanca a diversidade da programação. Sabe quando aquelas monarquias europeias ficavam casando primo com prima e os herdeiros começavam a nascer todos ferrados por causa da consanguinidade (gente, que analogia foi essa)? Você acha que eu tô falando merda ou faz algum sentido?
    Na minha muito mala opinião, as séries brasileiras já foram mais ousadas, dinâmicas, inovadoras, sei lá. Lembra de Os Normais, Comédia da Vida Privada, Os Aspones, Armação Ilimitada. Ai que horrooooor, sou uma velha nostálgica cricri hahaha

    Ebaaa, fico muito feliz em saber que vai ter mais coisa de TV aqui na Sala logo logo. Mas mesmo que não tivesse eu ia continuar vindo aqui de qualquer jeito, hahah.

    Obrigada mais uma vez pela resposta e continue prolixo!










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    Respostas
    1. Falando merda não, de jeito nenhum. Mas também não acho que é por aí. E não lembro de ter falado que o mercado era uma panelinha, pois eu discordo frontalmente disso. Pelo menos no sentido que muita gente coloca. Eu nunca fui de panelinha nenhuma e estou aqui. Diversos colegas idem. O que há é uma dificuldade de processo que inibe o Produtor de arriscar em nomes novos e torna mais difícil para o roteirista iniciante se infiltrar. Mas não impossível. Faltam mecanismos prevendo esta dificuldade, buscando diversificar nossa função a fim de ganhos tanto artísticos (mais pontos de vistas/vozes) quanto financeiros (barateamento, lei da oferta e procura). Quem reclama de panelinha geralmente usa esse argumento de muleta/justificativa para sua indisposição de fazer o que tem que ser feito: sair da zona de conforto, bater em portas, fazer amizades, etc etc etc Ficar em casa sentado esperando a oportunidade aparecer; aqui no Brasil não vai acontecer... não basta escrever bem.

      Sobre a produção serializada no Brasil... dois pontos:
      - Não sei se todo mundo aqui consome série como você disse. A gente tem mania de etnocentrismo; o mundo é o que está próximo da gente. Mas a verdade é que o Brasil é infinitamente distante do nosso Brasil (e isso to falando só no estereótipo, pois não conheço você e sua vida, mas só de ver que num espaço de 1 semana você pode entrar na INTERNET, mandar DUAS mensagens sobre SÉRIES americanas... você é 1%-10% do país, com certeza). Isso diz quase nada; não é por isso que devemos riscar séries do livrinho de coisas que o brasileiro gosta e pode gostar. Mas acho que não é uma verdade absoluta a ponto de considerarmos que tem algo errado com a produção pois a conjuntura do sucesso deveria estar garantida. Nada é garantido. E quando se lida com gosto do público menos ainda. A gente vê muita coisa que consideramos horrível e ao ver que tem audiência pensamos logo "a galera assiste mesmo qualquer coisa que colocarem na frente dela...". É mais fácil julgar que o problema são eles e não a gente, mas... de repente tem algo que eles gostam daquele tipo de coisa. Temos que aprender, enquanto roteiristas profissionais, a "ler" o mercado e seus consumidores. E como somos todos mutáveis, é uma daquelas coisas que nunca capturamos completamente, estamos sempre buscando. Um exemplo pessoal: eu gosto muito de filmes da galera do Seth Rogen. Meu tipo de comédia. No meu etnocentrismo era o tipo de comédia do momento. "Todo mundo no meu facebook curte! Por que ninguém faz um filme nesse estilo?". Guess what? Filmes do Seth Rogen são tremendo fracasso no Brasil. O tipo de humor que o brasileiro curte e consome não é esse. E, no caso, não é questão de "ah, mas é porque não tem acesso, senão iam preferir"; os filmes dele passam aqui, mesmo não sendo o sucesso que é nos EUA. Lutemos contra o nosso umbigo e tentemos entender o outro lado, porque não é nada pessoal... eles tem o direito de achar algo bom que nós achemos ruim. E precisamos mais deles do que eles da gente.

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    2. (TÃO PROLIXO QUE NÃO COUBE NO COMENTÁRIO =/ )

      - Os problemas são muitos, inúmeros pra dizer a vedade. É um universo todo que complica. Concorrência, programação, filosofia, produção... A globo, por exemplo, construiu sua solidez através de uma grade de programação à partir da qual você sabia sempre o que rolava. Novela das seis, telejornal local, das sete, jornal nacional e novela das oito. Há milênios é assim e, nós, humanos que necessitam de ordem e constância, adoramos. Sabemos nos encontrar nisso. No entanto, com séries não é feito o mesmo. Não estou nem falando de dia/horário, mas... qual série foi feita 100% dentro da lógica de uma produção serializada? Nenhuma. Poderíamos chamar tudo de mini-série que deu certo e voltou para mais um ciclo. Você quer se investir numa coisa que você não sabe se vai continuar? A gente não faz à vera as coisas aqui (e os motivos são vários, não to entrando neles, só dizendo). Fazemos a versão mais fácil, simples do que é uma série. Escrever todos os episódios antes e filmar e só depois exibir não é uma série. Enfim... não dá pra dizer qual é *o* problema, porque não vingou ainda, porque são vários. É um universo. Toma tempo pra mudar ou melhorar. Mas já é muito melhor. Como disse na resposta do post, a Lei da TV paga ajudou muito. O Multishow, com seus mil defeitos também, é um bravo apostador neste formato e cada vez mais se aproxima de fato da produção serializada. As coisas tão melhorando. O TUF na Globo é um grande avanço forçado pelo UFC, no sentido de que a Globo não se apropriou de um formato e tá tendo que fazer toda a lógica (hopefully aprendendo) americana da lata fechada. Masterchef na Band...

      PS: Era "O Negócio", a série das prostitutas, que, se serve pra alguma coisa, é a longest running series da HBO, com apenas 3 temporadas, o que, por si só, já fala muito da produção serializada do Brasil.

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