Diálogo é Twitter

By Eduardo Albuquerque - 6/15/2015


A Laura matou a pau no último Q&A; eu sou prolixo. Não só escrevendo, mas quando estou papeando (com pessoas próximas) eu falo muito. Vou em detalhes, numa mesma fala reafirmo o que já disse de uma maneira diferente, pauso, falo mais um pouco... acho que é normal, certo? Muita gente é assim. No entanto, em roteiros, especificamente nos diálogos, me dei conta que menos é sempre mais. Diálogo é Twitter; tente passar a mensagem em 140 caracteres que ela será mais forte. Parece gancho marketeiro, mas é que é uma boa analogia mesmo (e mais curta que "fale ao motorista e ao leitor somente o indispensável").

Claro, você pode ter um personagem cuja característica seja essa prolixidade e aí usar isso ao seu favor, mas, mesmo assim, o "muito" tem que ser pouco. Usado aqui e ali, em momentos de alta excitação para o personagem, em momentos que definem a personalidade dele, mas não o tempo inteiro, pois, invariavelmente o tiro irá sair pela culatra e jogar a atenção do espectador para outro lugar.

Pareço determinista? Talvez. É que fui reparando com o tempo que muitas vezes uma fala grande passava incólume no papel. Ninguém achava ela grande. Tinha o tamanho que necessitava. Era um momento de fala mesmo e não de ação, eu analisava. Mas quando chegava no set de filmagem eu reparava "nossa, tá boring isso". Minha cabeça foi pra outro lugar e isso é a morte. Aí ficava pensando... poxa, por que não reparei isso antes? Eu li e reli mil vezes... são só 8 linhas; isso não é tão grande assim! E poxa, o que é dito é sim legal. Tem substância. O ator é ótimo também, tá acertando as intenções. Por que, então, unindo todos esses elementos, não está funcionando?

A conclusão que cheguei foi a seguinte: nosso "span" de atenção para o audiovisual é crescentemente menor (curtiu o paradoxo?) e o storyteller tem que balancear um "ratio" de elementos para manipular a atenção do espectador. Cada instância do storytelling audiovisual tem suas armas. O montador/editor; os cortes e encadeamento de sequências. O diretor; os planos, a mise en scene e as falas. E nós, roteiristas; linhas, pontuação e formatação... Ou seja, enquanto os dois primeiros trabalham com elementos "visualizáveis", próximos à forma final do produto, nós trabalhamos com elementos apenas "sensíveis" e materializados em uma "mídia" muito longe da final. Nós três (roteiristas, diretores e editores) criamos imagens, mas a parte do roteirista se dá no papel, ou seja, nosso trabalho, diferente dos do diretor e editor, não pode ser de fato visualizado, apenas imaginado. E isso torna tudo mais difícil, pois algo que parece fluir bem numa leitura - que, mesmo adicionado de alguma interpretação do ator, tem um timing todo próprio ligado à leitura de palavras - pode parecer bem mais duro, maçante e até vazio quando atuado, dirigido e editado.

E não é apenas esse problema na ponta do receptor (espectador), mas o próprio ator tem dificuldades com falas grandes. Não por ser mais difícil de "decorar", mas palavras tem força, elas pedem atenção, intenção, inteligência. Encher o ator de palavras enfraquece os "não-ditos", os respiros, as pausas (a interpretação como um todo, certo?) porque ele tem que falar aquela porra toda e, assim, começa a botar em segundo plano os sentimentos e os subtextos para poder dar cabo logo deste longo discurso.

Portanto, uma fala grande vai, necessariamente, ser editada e encurtada (ainda que todas as palavras sejam mantidas), via cortes, planos, mise en scene e timing de quem a fala. É melhor que busquemos, então, sempre fazer a nossa parte e buscar o irredutível em matéria de palavras, para que não sejam necessárias essas intervenções que tiram a contundência do seu diálogo. Repara só em roteiros com bons diálogos como a página é visualmente clean. As falas são curtas, mas contundentes. Uma pontuação dramática bem feita é um prato cheio para um bom ator; tem peso muito maior que a quantidade de palavras na hora de produzir um diálogo interessante.

Uma vez o Ian SBF, diretor e roteirista do Porta dos Fundos, me disse que via o trabalho dele como o de um escultor, que pega um toco de madeira (ou o que seja) e vai tirando tudo que é "lixo", todo o excesso até encontrar a forma final/definitiva. E é bem por aí que estou falando... temos que sempre tentar enxugar ao máximo tudo o que não for imprescindível. Se é pra falar algo, que seja o essencial inabdicável.

Ou, em 140 caracteres: Menos é mais. Go for the kill!

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4 comentários

  1. Concordo também. Sou adepto do quanto mais branco melhor. Procuro fazer descrições curtas que não passem de 4 linhas e diálogos ágeis e rápidos, as vezes a gente tem mania de explicar o explicável, percebo isso quando releio meus textos e estou me policiando na hora de escrever.
    Quando menos melhor, até facilita pro coitado que vai ler as nossas alucinações hehehe

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    Respostas
    1. Depende. A regra três (em que menos vale mais) depende do tipo de roteiro que vc esteja escrevendo. Se for cinema, dentro do cinema gênero, TV, dentro da TV novela, sitcom, seriado, unitário, etc. Inclusive rádio (que no Brasil quase não existe, mas aqui em Cuba, ainda é muito vigente).

      Falas telegráficas, que nem telegrama o pior! código Morse, tampouco ajudam muito à atuação (porque às vezes não tem nada pra se atuar, simples!).

      O tipo de cena, de situação, de personagem, o espaço dela dentro do roteiro, também marca o tipo e a quantidade do diálogo... Portanto, não há uma camisa de força.

      Por outro lado, compreendo, é sadio ter uma visão concreta e realista do papel de cada um, mas diminuir (AINDA MAIS) o papel do roteirista melhor deixar pros diretores e atores (que já bastante que fazem isso).

      Roteirista = escravo da escrita... todo mundo mete a colher e ninguém dá de comer!

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    2. Sim, claro. To falando em relação a Cinema e TV. Não faço idéia de como escrever diálogos (muito menos roteiros!) para radio, teatro e outros meios, mas tenho a impressão que você está certo, pois todos estes citados são meios que requerem que o espectador complete as lacunas. No radio você só tem o audio, o visual você que cria. Sendo assim, o audio (composto por dialogos + trilha sonora) tem que estar sempre dinamizando a experiência. Falas curtas irão trazer um sentimento stacatto acelerado meio tenso. No teatro tem o audio e o visual, mas não tem corte, o direcionamento do olhar existe mas é mais brando, então você também pode estender mais. E por aí vai...

      hehehe muito boa a frase da colher!

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    3. Ahhh, se vc soubesse, pelo contrário, vc precisa ter falas mais curtas, pois numa fala muito estensa dissocia o ouvinte (que geralmente está fazendo outras coisas enquanto ouve rádio).

      A coisa mudou também nos últimos anos. São quase 80 anos fazendo radionovela! Lembro de capítulos inteiros de uma cena só, com diálogos 'enrevesados', cheios de sutilezas, nuances...

      Hoje nem tem ouvinte pra isso, nem gente de fazer um bom produto (que enganosamente parece ter a 'imaginação como único limite').

      Normalmente, mais detalhados e elaborados são os narradores (aqueles que foram a marca registrada do novelão de rádio). Mas até isso se perdeu... dizem que é arcaico, cafona... Porém, existe algo mais ARCAICO que uma novela de rádio???

      Hehehe

      PS.Quanto à frase da colher, noblèse oblige!!!! hahaha

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