Q&A

Q&A 19/06/2015

By Eduardo Albuquerque - 6/19/2015

Todas as sextas-feiras eu respondo perguntas enviadas pelos leitores do blog. Se quiser me mandar uma, acesse este link e aperte enviar (ou tente nos comentários!).

Vamos ao desta semana!

Oi Eduardo. A seguinte dúvida permeia minha mente: Em meu roteiro, a ação se passa em outros países (ex: Inglaterra). Por isso, tenho receio de meu roteiro, não ser pego, nem lido! Além de minha paranóia de soar anti-patriótico. Você pode me ajudar?

Saudações de Santa Catarina!
Lopes

Brigado pela saudação, Barriga verde! Saúdo-te de volta daqui do Rio de Janeiro com saudades daí. Preciso voltar pra aí.

E que pergunta interessante!

Para respondê-la tenho que apelar à máxima da Xuxa em Lua de Cristal e dizer que "Tudo pode ser, se quiser será. O sonho sempre vem pra quem sonhar". Filmar fora do país é uma coisa que cada vez é mais comum; dependendo do lugar e outras especificidades, às vezes sai mais barato do que filmar por aqui. E se não for o caso, também dá pra marotear Londres (ou o que for) em diversos lugares do país com um bom combo Direção de Arte+Fotografia. Jayme Monjardim, em "Olga", recriou um campo de concentração de Ravensbrück, Alemanha (com neve e tudo!) fantástico no bairro mais quente do Rio de Janeiro, Bangu. Eu mesmo tenho um roteiro atualmente em pré-produção para filmar ano que vem que se passa em grande parte fora do Brasil. É super possível.

O único porém e pergunta que você deve se fazer é: Por quê esse seu roteiro é fora do Brasil? 

No caso do Olga e do meu filme a parte "estrangeira" é imprescindível para a história e não porque "ah, é mais legal lá, landscape diferente" ou "esse tipo de história faz mais sentido ser lá do que daqui". A fase que Olga Bernardi, grávida, foi separada da família e extraditada para um campo de concentração é uma parte sensível e importante da biografia da militante comunista; não poderia ficar de fora. No meu filme, a história é toda da experiência do personagem brasileiro com o lugar para o qual ele viaja. Ou seja, apesar de alguma parte substancial da história se desdobrar , o filme é daqui, é para . São dilemas identificáveis para nós, público brasileiro. Vozes, personagens nossos. Você está fazendo um filme para o mercado brasileiro e nunca pode se esquecer disso. Não dá pra pensar "ué, mas os filmes gringos se passam lá e todo mundo assiste aqui". Nós não somos os filmes gringos. Os gringos não fazem "Cidade de Deus", apesar de terem assistido lá. Não tente fazer um filme que se passa lá, com lógica de lá, mas é uma produção do Brasil com atores nacionais.

Entenda, não tem nada ideológico nisso. É pura lógica. Se a idéia é fazer um filme "gringo", faz mais sentido você tentar vender para . E isso é até mais possível, pois lá tem mecanismos mais eficientes que aqui. Marcio Garcia, Fernando Meirelles, Walter Salles, Heitor Dhalia, José Padilha... todos já fizeram filmes lá. Fora outros menos conhecidos aqui. Lá a lógica é dinheiro, então, se você for bom (ou seja, se você for capaz de fazer dinheiro para eles) você vai trabalhar. Filmes nacionais tem que ter a mente brasileira. Pode ter alma e espírito estrangeiro, mas o cerne, o pé, a proposta discursiva tem que ser brasileira, senão ninguém vai querer fazer e, curiosamente, ninguém vai querer ver. De repente vão até envelopar com esta idéia de anti-patriótico pra falar mal do seu filme, mas vejo mais como uma coisa territorial e antropológica quase de reconhecer alguém que está fora de sua tribo e, por isso, a alienar.

Então relaxe com sua paranóia. O que você deve se preocupar são duas coisas (i) é absolutamente imprescindível PARA A HISTÓRIA, que ela se passe em outro lugar? e, paradoxalmente, (ii) estar tão bom pra caralho que, no mínimo, a pessoa vai reconhecer seu talento e pedir outras coisas suas.

Aliás, só pra terminar, esta é uma parada que venho reparando desde que comecei o site e venho conversando, lendo por aí os dilemas de roteiristas iniciantes. Há uma preocupação, um depósito de fichas num roteiro, numa obra e não no roteirista em si. Como se aquele roteiro completado fosse a única coisa que ele pudesse escrever e mostrar. "Fechei o roteiro e agora é make it or break it, nunca mais conseguirei fazer mais nada! To me aposentando!" Meus caros, o roteirista profissional vai escrever 3 roteiros POR ANO! Não pode depender de um, ficar amarrado a ele. Tem que se desprender e pensar que o roteiro é um veículo para que te conheçam. Então, mesmo que se passe em outro lugar e isso venha a dificultar... tá bom? Tá bem escrito? Os personagens tem vozes interessantes? A trama está fazendo sentido e tem sua dinamica adequadamente exposta? A história propõe alguma discussão? Tem alma a ponto de o cara, ao acabar de ler, poder até questionar o lance de se passar fora, mas pensar "esse Lopes sabe escrever..." e, quem sabe, te arrumar alguma outra coisa pra você trabalhar? Ou a coisa mais especial que tem no seu roteiro é que se passa em Londres?

É nessa paranóia que temos sempre que focar!

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