Quem dera o filme se auto-criasse e chegasse subitamente ao colo dos espectadores. Uma obra cinematográfica passa por 5 etapas bem diferentes entre si e o trabalho de um roteirista, pelo menos idealmente, é necessário em todas elas. Porém cada fase exige coisas diferentes de você. Tanto físicas quanto emocionais.

Nesta série de 5 posts falarei um pouco sobre o papel do roteirista - sua função, postura, dedicação e contrapartida - em cada fase de uma obra audiovisual. Hoje é a vez da pós-produção.

A pós compreende desde a montagem das cenas até finalização de som (trilha, foley, ADR, mixagem...), correção de cor etc.

Função: É mais provável que o diretor te chame aqui do que nas filmagens, pois ele pode estar tendo dificuldade em encontrar o filme (ou apenas de decidir algumas coisas) e aí ele lembra que você escreveu a história e pede sua opinião. Sua função será, então, esta; ajudar no que ele tiver precisando. Opinando, talvez escrevendo uma bobagem-zinha de nada. É raro - eu fiz, confiram no meu instagram - mas interessante um roteirista acompanhar a sessão de ADR (Aditional Dialogue Recording), especialmente nas gravações de "background dialogue", para que se traduza melhor o clima do que acontece nas cenas. Pequenos detalhes sempre podem ser colocados nesse momento de dublagem e fazem toda a diferença. Ex: em "A Esperança é a última que morre"(JÁ NOS CINEMAS! VAI VER HOJE!!!), na cena onde JP MACEDO (Augusto Madeira) anuncia que VIVIAN (Adriana Garambone) está deixando a bancada do telejornal, rola uma hora que ele começa a fazer um mini stand up comedy em cima da "velhice" da co-âncora e a inserida de uma risadinha aliada a um "tssss" e um "tsc tsc tsc" no background - que não existiam anteriormente - conferiu não só mais vida/realismo, como fortaleceu a "piada" do personagem. A maioria dos filmes faz isso no mecânico, a galera do ADR vai lá, vê a cena e inventa o que for (eles são muito bons e rápidos; é bizarro!), mas a 'direção' dada por mim e pelo Calvito sobre os contextos e os momentos chaves da cena fez toda a diferença. Eu achei, pelo menos.

Postura: Aqui é mais tranquilo de, uma vez envolvido, dar suas opiniões e toques sobre alguma coisa. Teoricamente aqui é só storyteller envolvido: o diretor (ainda o líder), o montador e você. O produtor, às vezes. Ele é mais o gerente, manja? Vê o macro e não o micro, então dificilmente vai estar no dia-a-dia; vai receber pronto ("o corte") e dizer sim ou não. Então, caso você queira expôr alguma coisa, neste momento é mais tranquilo do que no set, com suas milhões de pessoas; você não precisa ficar tão "com um pé atrás". De toda forma, você sempre se dará melhor se for de boa, conciliar todos os interesses e egos envolvidos.

Dedicação: Por um lado é pequena, por outro é monstra, pois, dependendo do que lhe incomoda, você vai ter que queimar MUITO a mufa. Já tá tudo filmado. Você pode, se tanto, usar alguns truques, gravar um audio (será que tem dinheiro/ator disponível?) e inverter ordens de cenas pra acentuar ritmo etc. Mas será que cola com a continuidade? Será que é possível, at all?

Contrapartida: Não há dinheiro aqui. Aliás, aqui, como um todo num filme, não há mais quase dinheiro, já foi quase tudo comido, raspa-se o pote e é uma luta pra pagar os serviços finais (são muitos e diversos) para finalizar o filme e levá-lo às telas. Até por isso, reforço que você nunca deixe nenhuma parte do seu pagamento para depois. As últimas retiradas de dinheiro vinculadas a processos burocráticos da ANCINE são de lascar. Seu trabalho é escrever, então cobre por tratamento baixo e vá pegando uns adicionais pra cada novo que rolar e, se necessário trabalho pesado nas outras fases, tente negociar um cachê bem baixinho só pra esse "all purpose fee".

Veja outros posts da série "O Roteirista e as fases de um projeto"
Primeira fase: DesenvolvimentoSegunda fase: Pré-Produção
Terceira fase: Produção
Quarta fase: Pós-Produção
Quinta fase: Lançamento