Escrevendo Improviso

By Eduardo Albuquerque - 10/12/2015




"O que? Improviso não é exatamente não ter texto; inventar de repente?"

Aha! Esta noção não existe. Pode não estar programada, mas existe uma técnica que sustenta esse improviso. Nada existe "do nada". Somos como computadores recriando programas. Tudo "novo" (se é que é novo de fato), surgiu após análises combinatórias de opções já existentes.

Mas agora que chamei sua atenção, o correto seria "Escrevendo Short Form", que é o termo de um tipo de construção de "game" de improviso, que vem sendo muito difundido, especialmente pela galera que veio do Teatro improvisado. É o que o "Porta dos Fundos" faz purinho, acredito que muito por conta da influência do Gregório Duvivier (Tablado) e Fabio Porchat (CAL), mas também por ser o melhor formato para a limitação de tempo/atenção que a internet dá.

Resumindo grosseiramente, o Short Form consiste em estabelecer um mundo comum através de "yes and" ("sim, e...") de dois ou mais personagens, até que um "unusual event" ("evento não usual") acontece e perturba comicamente toda a situação. À partir daí escalona-se o absurdo da cena "heightening the game" ("aumentando o jogo") para trazer mais risadas e por fim acaba com um "punchline", aquela última piada que fecha a coisa.

Repare. Quase todos os esquetes são assim.

Vamos pegar o último Porta dos Fundos que eu vi ,"Mestre Cuca", como exemplo. Nele, o jogo estabelecido por "yes and" foi o de uma paródia do momento onde os cozinheiros apresentam seus pratos para que os juízes provem e avaliem no programa "Masterchef". Primeiro, Clarice Falcão apresenta o seu prato discorrendo sobre os ingredientes e modo de preparo; um prato 'normal' de cordeiro com catuaba(!). Luis Lobianco, o juíz, prova e aprova e faz aqueles pequenos gracejos e interações awkward que os juízes e os participantes fazem. Tudo normal até aqui. O "unusual event" vem quando Thati Lopes, a segunda participante, vem apresentar seu prato e coloca à mesa uma oferenda de macumba! À partir de aí o jogo foi estabelecido; "no Masterchef, um competidor faz de tudo para chegar à final". E eles vão explorando essa premissa e curtindo o absurdo da coisa; Lobianco pede pra que ela diga o que é o prato e ela diz que é um despacho pra Clarice morrer e começa a explicar os ingredientes ("pipoca com marafo que é pra amarrar o ebó"..."tudo batido no atabaque e ungido no espírito de exú"). Quando ele chama a terceira participante, ela traz um prato coberto por uma bandeija e ao perguntar o que é o prato, ela diz que é uma "Orelha decepada de filho de jurado mantido em cativeiro". O punchline/piada final é Clarice caindo ao fundo, fruto do trabalho de Thati Lopes, que recebe a pomba gira.

Outro mais antigo: o Na Lata 2, que eu curto bastante. O jogo estabelecido por "yes and" é "a coca faz latinhas com nome da pessoa" e o cara vivido pelo Antonio Tabet está procurando a sua. Fabio Porchat chega e traz a "unusual thing": não só tem o nome, como o nome e sobrenome inteiro; algo absurdo, engraçado. O resto do game é aumentar o absurdo da coisa; 35 anos, caucasiano, seu hobby é cinema, atropelou um traveco na Avenida das Américas... e vai piorando. Nos créditos eles brincam mais com o lance de, no fundo, a latinha de Coca ser um oráculo, o que é basicamente como você daria o título ao quadro todo: a latinha de coca oráculo.

Percebem? Claro que sem a genialidade dos seus roteiristas (Porchat e Gabriel Esteves neste e só o Esteves naquele, mas sempre em um trabalho de equipe, pois lá no Porta cada quadro é debatido e trabalhado em reunião de roteiro com todos os autores da casa) ficaria só uma fórmula raza, mas a verdade é que a maioria dos esquetes de lá nascem, ainda que inconscientemente, à partir desta fórmula.

Dominar o Short Form te ajuda não só a fazer este tipo de escrita de esquetes isolados, mas num aspecto "menor" à achar rapidamente piadas; quebrando o comum com o absurdo e aumentando-o cada vez mais, fora de controle.

Importante: só usei o Porta como exemplo por ser o mais conhecido e difundido aqui no Brasil, mas eles não carregam nenhuma bandeira e nem deveriam ser associados à nada disso, não mais do que um Saturday Night Live, por exemplo, que também usa e abusa há mais de 30 anos deste tipo de comédia. Short form é apenas isso; uma ferramenta narrativa, uma fórmula testada e provada, entre algumas outras, de escrita cômica. Uma forma contemporânea e muito em voga, então estude-a, pratique-a, domine-a, faça ela te chamar de "meu senhor", deixe-a sem comer por uma semana e depois apareça com apenas um creme cracker e goiabada e depois que ela morrer desidratada, disfarçe-a de Fórmula de Bhaskara, porque ninguém se lembra exatamente como é a Fórmula de Bhaskara e aí não vão se importar quando você tiver enterrando-a no Jardim Gramacho, porque pobre não sabe fazer conta, então tá de boa.

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