TV versus Cinema: Construindo a história

By Eduardo Albuquerque - 10/22/2015



Quando anunciei que ia começar a falar sobre TV aqui no site (neste post) dei uma rápida pincelada da diferença crucial que via entre a Televisão e o Cinema, vendo dois aspectos que as difere: o modo como cada uma é produzida e consumida.

Uma vez entendida essas especificidades, ainda permanecendo na parte da criação, antes de entrar nos meandros da execução (escrita), há uma diferença evidente quanto à natureza da gênese de idéias para cada meio: filmes são fatos/eventos excepcionais na vida de um personagem e TV é a repetibilidade (se é que essa palavra existe) de um universo/relacionamento interessante.

Em filmes, mesmo que tenham o seu final aberto, estamos procurando por "closure". São eventos únicos na vida do personagem, uma jornada de vida ou morte que ele só só pode fazer uma vez. Na TV não é o fato e sim a criação de um mecanismo que se repita e traga toda semana conflito para ser explorado. Drama ou comédia. Não à toa, muitos programas são "geocêntricos", ou seja, ligados à um local, de trabalho geralmente, de onde os dramas diferentes saem a cada episódio: um hospital que recebe pacientes e conflitos para os personagens principais (médicos), uma delegacia que recebe meliantes e conflitos para os personagens principais (policiais), um bar onde pessoas que não se sentem em casa em lugar nenhum vão lá para tomar uma cerveja e se sentirem amados... e por aí vai.

Portanto, pode-se dizer sim que há idéias mais adequadas para a TV e idéias mais adequadas para o Cinema. Você pode até adaptar uma coisa pra outra, mas vai ter, como sempre falo, que se subordinar ao meio. Ele é o chefe. Sempre.

Na TV as idéias tem que formar um mecanismo de geração de história que pareça eternamente produtivo. Enquanto existirem criminosos no mundo sendo investigados e julgados, haverá algum Law and Order. Sai ator, entra ator, sai roteirista, troca o nome... o mecanismo - que não foi inventado por eles - é campeão. A correta colocação de peças que vai gerar conflitos (em comédia então... vital) e dar longa vida à coisa. Na TV, o fim é igual ao desinteresse. Nenhuma série é feita para ter "apenas X temporadas". O jogo é ver até onde o público aguenta. Até onde os roteiristas conseguem deixar a peteca sem cair. Escrita para televisão é um jogo de "e depois? o que acontece?".

Já nos filmes, estamos procurando aqueles dias especiais na vida de uma pessoa. A vida é muito anti-narrativa. Devemos ter, sei lá, 5 grandes momentos de cinema em nossas vidas. E são esses momentos que um filme pede. Aquela história tipo "Era uma vez ____, até que____ e por causa disso____ até que finalmente____. The End.". Filmes são sequenciais e consequenciais e definitivos. Eles te levam de carona até um lugar, te deixam lá e seguem viagem sem você. Na Televisão é meio que "Todo dia_____". As histórias devem de certa forma voltar a um status quo. Por mais que exista uma grande mudança no universo, esta mudança só ocorre por uma necessidade de "nova vida" ao mecanismo; esta mudança deve criar um "novo" status quo firmado com o público para que ele saiba como ele deve consumir aquilo.

Quer um exemplo? Prison Break. A premissa era: Michael Scofield deve fugir da cadeia sinistra salvando o irmão dele da cadeira elétrica. No final da primeira temporada ele estava fora da cadeia. Acabou? Não, pois a polícia estava atrás dele. Ele tinha que chegar ao México, só aí estaria de fato livre. Então o status quo da segunda temporada era basicamente o mesmo: fugir (só que não mais da prisão). Só a sua morte e a comprovação da inocência de seu irmão dariam um desfecho real à série e foi exatamente isso que aconteceu. Vai ser interessante ver de qual mecanismo/status quo os roteiristas vão se utilizar agora que foi confirmada uma nova temporada, anos depois da última.

Escrito fica estranho, mas com gestuais e mímica faz muito sentido isso que vou falar: vejo a construção de um longa-metragem como uma linha reta que se prolonga ao fundo, crescendo seu volume do início ao fim, enquanto a construção de uma série se dá horizontalmente, de forma vagarosa, subindo de pouquinho a pouquinho, crescendo como uma massa de bolo.

Filmes são eventos extra-ordinários, enquanto na Televisão o normal é o que é interessante. Por isso, talvez, que curtimos tanto a televisão. Com a recente maturidade nesta narrativa (diferente do cinema, a TV não é um meio centenário ainda) estamos chegando a um formato muito interessante que reverbera a nossa própria vida de uma maneira que o cinema não é capaz. O cinema e sua áurea fantástica, seu foco no especial... pode ser bem opressor. Ele nos deu de legado a falsa impressão de que "depois do All is Lost vai vir a solução e aí é só salvar a princesa no Ato 3!", mas a vida na maioria das vezes não funciona assim. Nem sempre as coisas acontecem por um motivo. A narrativa televisiva dispõe um mundo menos fantasioso (mesmo quando o é) que mostra que, na merda ou não, sempre há o amanhã, até que cansemos e/ou puxem a nossa tomada. O importante é sempre continuar fazendo o seu melhor. Lutar, cair e levantar.

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