O Showrunner e a Sala de Roteiristas

By Eduardo Albuquerque - 11/02/2015




Semana passada falei neste post sobre todo o processo de concepção de um programa de TV , mas, para fins de entendimento fácil, falei como se uma pessoa apenas executasse isso. Com muito tempo e dinheiro é até possível, mas passa longe do ideal. Por causa da natureza da produção industrial televisiva, foi desenvolvido um jeito específico de lidar com os roteiros de TV: a criação da Sala de Roteiristas e da figura do Showrunner.

O que é a Sala de Roteiristas (além de inspiração pro título deste blog)?

É a base do time de roteiristas que desenvolvem e escrevem o núcleo criativo de uma série. Sim, os roteiristas são a figura mais importante de uma boa produção televisiva. Nos EUA, tamanha é a importância destas figuras, guardiãs da história, que ganham crédito (e responsabilidades mesmo) de produtores também.

No entanto, apesar de um time, a Sala de Roteiristas sempre tem uma hierarquia. Não é um corpo sem líder. No topo da cadeia, há (geralmente) um escritor que é o líder criativo de todo o programa. Chamam-no de "Showrunner" ou "comandante do show" em português.

Ele é quem responde pelo show. Você geralmente vê o nome dele assim que acaba o programa "Executive Producer". Suas obrigações não se restringem à sala; ele comanda a edição, a direção, escolha de atores, orçamento... é uma pessoa muito especial.

Análogo ao mestre de um RPG, ele diz o que vai acontecer na história, por mais que um roteirista ou outro também jogue os dados de vez em quando. Se ele jogou, é porque o Showrunner deixou. A verdade é que o método de trabalho dentro da Sala de Roteiristas varia de Showrunner pra Showrunner. David Milch, por exemplo, célebre Showrunner de séries como "Deadwood" e algumas temporadas de "NYPD Blue", é conhecido por deitar no chão da Sala de Roteirista e "ditar" coisas para os roteiristas escreverem, quase num ritual de auto-celebração. Mas idealmente o Showrunner se cerca de um bom time de escritores, que contribui trazendo idéias, auxiliando-o a desenhar o arco, quebrar a temporada e episódios da série. Depois, ele designa cada pessoa a escrever um ou outro episódio, de acordo com o que ele acha mais adequado para a pegada e/ou o momento da pessoa. De toda forma ele, invariavelmente, re-escreve cada um dos episódios, para deixar tudo uniformemente de acordo com a sua visão, pois, no final das contas, ela é que foi o produto comprado pelo canal.

Ou seja, o papel de um roteirista (staff writer) na Sala de roteiristas é em grande parte capturar a voz e a visão do Showrunner. Com isso ele poupará tempo (que é igual a dinheiro) do Showrunner, que tem muitos afazeres e agradece ter menos re-escrita pra fazer. Além disso, estar sempre contribuindo com idéias para que o Showrunner absorva ou jogue fora.

Como disse, o trabalho do Showrunner vai além da Sala de Roteiristas, que, por si só, já é multidisciplinar, uma vez que concomitantemente escreve um(uns) episódio(s) e quebra outro(s) episódio(s) seguinte(s). Se o cinema é um esporte coletivo, a TV é um esporte coletivo onde o Showrunner é claramente o dono da bola. Então ele tem que acompanhar todas os departamentos para que o programa ande bem, logo... não tem como ele estar o tempo todo na Sala de roteiristas, certo?

Aí entra em cena uma posição que tem um nome (apelido?) muito escroto: "Strong Number 2". Ainda mais pros americanos, que associam número 2 a cocô. Mas enfim... o Strong Number 2 é um roteirista de confiança do Showrunner, que fica encarregado de comandar a Sala enquanto o cara tá fora. Ele vai fazer o brainstorming com os roteiristas para descobrir soluções e ele vai fazer as vezes do Showrunner de fazer "yay" ou "nay" pra cada idéia que for jogada e botar ou não em desenvolvimento para poder apresentar pro Showrunner e finalmente ter um "yay" ou "nay" definitivo. É um termo meio lame, mas muito bem aplicado, porque é um cocô por um lado - você fica no meio do caminho, sem muito poder de fato - ao mesmo tempo que te faz a pessoa de confiança do cara mais importante da parada, te dá um "free trial" da posição, sem o peso da responsabilidade monstra do Showrunner.

Na real, nos EUA, tem uma porrada de outras pequenas definições que nem eu entendo. Se você quiser uma boa fonte pra saber mais sobre essas especificidades, confira o podcast "Children of Tendu" com José Molina ("Firefly") e Javier Grillo-Marxuach ("Lost"), que é focado na escrita televisiva e fala muito sobre essas dinâmicas de roteiristas e suas posições. Mas essas 3 me parecem vitais: O Showrunner, a Sala dos Roteiristas e o Strong Number 2.

Entendendo estas já posso nos próximos posts começar a falar um pouco sobre postura, objetivos e outras coisas pertencentes ao mundo do roteiro na televisão.

Na foto que ilustra o post, a Sala de Roteirista de "Person of Interest". Se você captou o espírito da coisa, será que você consegue apontar quem é o Showrunner Greg Plageman na foto?

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2 comentários

  1. Olá Eduardo

    João Felipe aqui, muito feliz por estar vendo seus posts sobre roteiro de televisão.

    Muito legal a explicação, estive em uma palestra recentemente com os roteiristas de uma série da HBO e eles contaram como procuram trabalhar no esquema de sala de roteiristas, e passaram uma previsão de que é um sistema a ser implementado cada vez mais no mercado, devido ao alto número de projetos sendo desenvolvidos dessa maneira. Qual a sua opinião sobre esse cenário?

    PS: Já conferiu o doc Showrunners q saiu este ano? Ficou em produção por um bom tempo e agora finalmente saiu. Super legal de assistir como fã

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    1. Sem dúvidas, está cada vez mais sendo implementado. E tem de se agradecer, ao meu ver, a duas forças. Ao Rio Content Market, que trouxe e traz muita gente dos EUA pra falar para profissionais brasileiros sobre como funciona lá e a Rede Globo (sim!) que comprou a idéia (é parceira do RCM tbm) e também começou a verticalizar o sistema onde cabia e trazendo também autores e roteiristas pra dar palestra pros seus contratados e tudo mais. Quando a Globo compra, todo mundo vai atrás; esta é a verdade. Sinal disso foi a implementação do edital governamental dos chamados "núcleos criativos", que nada mais é do que uma Sala de Roteiristas que desenvolve diversos projetos. Claro que há desvios por conta da cultura e da necessidade preemente (e cá entre nós também da sacanagem de "espertalhões") e já ouvi falar de produtora que ganhou o núcleo e repassa muito menos dinheiro do que devia para os roteiristas (salva como "taxa da produtora"), que "enlista" secretária como roteirista só pra embolsar o dinheiro do núcleo e também produtoras que estão contratando roteiristas fixos através de contrato PJ pra PJ, sem efetivar CLT, pagar FGTS essas coisas...

      Mas isso tudo se acertará. Cabe aos roteiristas também não aceitar. Esta época de bravatas e força bruta já era. Vai sobreviver quem é maneiro, oferece um bom ambiente e não está tentando te fuder. Nós somos uma das peças mais importante dessa parada. Não tem como xoxar por muito tempo.

      Então, minha opinião é: more power to 'em! Viva as Salas de Roteiristas. Que elas aconteçam e com o propósito certo, lideradas por roteiristas e não diretores ou produtores.

      Já conferi sim! Sou fã do Joss Whedon e fiquei sabendo do doc assim. É bem bacana! Vale o confere mesmo.

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