Usando o (BEAT)

By Eduardo Albuquerque - 3/14/2016


 
Na sexta passada, o Herison mandou uma pergunta tão interessante no Q&A (veja aqui) sobre o uso de "(beat)", que pensei que seria importante fazer um post dedicado exclusivamente para o assunto, desenvolvendo um pouco mais a matéria, inclusive com exemplos.

O fato é que, infelizmente, pouca gente sabe ler roteiro no Brasil. Poucos atores param pra realmente entender o jeito como o roteirista pensou o ritmo daquelas frases. Pra dizer a verdade (causa ou consequência? Não sei dizer...) poucos roteiristas também se dedicam a isso. E isto é uma falha que considero grave. Cada vírgula, ponto, travessão, reticências, ponto e vírgula, convém uma forma diferente de se falar palavras e o "(beat)" é peça fundamental nessa engrenagem.

Vamos dar uma olhada em alguns usos pra tentar entender mais ou menos na prática o (beat)?
Aqui o (beat) é uma pausa simples pra separar dois momentos. Pro ator não falar as três frases numa corrida só. De repente, um roteirista desavisado diria "Ah, mas pra quê colocar (beat)? Coloca reticências que o leitor lê a pausa." No entanto, está errado esse pensamento. Eu quero que as duas primeiras falas sejam lidas de maneira assertiva. Direta. E, só depois, haja a pausa e a quase-mudança de intenção/pensamento do personagem. Ele ventila o problema, um (beat), e conclui. Reclama, um (beat), e resolve. As reticências no segundo "Não dá mais pra mim" mudariam substancialmente a interpretação do bom ator (necessariamente bom leitor), uma vez que ele falaria que não dá mais, deixando um espaço lacunar, quase livrando o corpo, lavando as mãos: é isso que as reticências fazem. A intenção originalmente buscada é a de "decisão", por isso, botei o ponto-final seco.


Já neste exemplo, o (beat) é usado com fins cômicos, pontuando a piada. Necessariamente precisa desse respiro quebrando o flow, porque senão não funciona. Fale na sua cabeça as duas frases da Maria. Sem pausa; uma atrás da outra. Sem o (beat) e sua inversão de expectativa no leitor, você perde muito da graça da coisa. Verdade seja dita, é o tipo de piada que só funciona com atores que respeitam muito o texto e sabem ler roteiro e, como eu disse lá em cima, são poucos aqui no Brasil, terra do "improviso".

Aqui o "(beat)" também é usado de maneira cômica, mas meio que separando as frases para convir duas intenções. A última frase nega a intenção da primeira e essa quebra é o que traz a graça.

O "(beat)" é uma marcação potente para chamar a atenção dos profissionais envolvidos na produção. Seja ele o bom ator, que vai entender que ali é uma oportunidade de acting ou pro bom diretor e o bom editor entenderem que ali há uma troca de marcha no timing de manipulação de expectativa do público.

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3 comentários

  1. Obrigado por se aprofundar mais na minha pergunta :D Ficou mais claro agora com os exemplos, e vou saber onde usar no meu roteiro!!

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  2. Posso perguntar? Mas e o ator é o diretor nesta história? Será que determinar exatamente como será a intenção da frase não é retirar um pouco da autonomia deles? Entendo que a ideia saiu da mente do roteirista, mas no momento de interpretar, da cena, no contexto geral, algumas intenções podem mudar. Ou estou falando besteira...

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    Respostas
    1. Fala, Valentin

      Não existe autonomia, pois se trata de um esporte coletivo. Cada um tem sua função. O Diretor dirige/ajuda o Ator para que, acertando na mosca ou não, ele interprete o que o Roteirista determina. Entende? O Ator é quase um tradutor; ele pega uma linguagem lida e traduz para uma linguagem "vivida", que será degustada (e também interpretada) por quem assiste.

      Então claro que pode acontecer de alguma coisa mudar, mas muito mais por ter sido perdido na "tradução". O ator que entende a intenção que o roteirista indicou mas resolve fazer "do seu jeito" é um mau profissional, zero team player e, cá entre nós, um cruzamento de burro com presunçoso, pois acredita que com 1 mês de ciência do texto e visão parcial do todo (pois seu compromisso é com seu personagem e não com a história), é mais capaz de dizer o que é melhor para a obra do que a pessoa que a gerou e passou, por baixo, o triplo do tempo dele focado, considerando compulsivamente todas as variáveis possíveis.

      Roteirista é intocável? Longe disso. Mas intenção só se muda no papel ou com o aval dele. Uma vez impresso, todo mundo põe a mão em cima do roteiro e jura fidelidade ao que tá ali escrito. Senão é o pandemônio.

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