RESENHA: Frank

By Eduardo Albuquerque - 1/21/2015



Paternidade é uma coisa difícil de ver no cinema. Não a paternidade como tema, como assunto do filme e sim a paternidade no sentido “Programa do Ratinho”. Quando o filho é bonito, todo mundo quer ser pai, mas e quando é feio; quem foi o principal responsável?

Em Frank  (2014) me parece bem fácil apontar o principal responsável pelo, ao meu ver, fraco-pra-mediano filme: o roteiro.

O roteiro é a primeira instância criativa de um projeto audiovisual e, portanto, costumo dizer que ele age, como na Ginástica Olímpica, dando uma nota de partida. Se o roteiro é muito bom pra caralho, a produção, o diretor e os atores (nesta ordem) terão que se esforçar muito para que o filme acabe com uma nota menor que 8, por exemplo. Quanto melhor o roteiro, mais difícil o produto final ficar ruim. E o inverso também; se o roteiro for uma merda, pode colocar o Marlon Brando pra estrelar, o Spielberg pra dirigir, que o filme vai ficar legalzinho no máximo. Exemplos não faltam. Difícil é lembrar-los, afinal é esta a característica de filmes assim: esquecíveis.

E como pode Frank ser assim? “É fraco o diálogo?” Nem. Tem bons momentos. “É a trama o problema?” Acho que quando mundo e personagem são bons de verdade – e os de Frank são bastante – a trama pode ser boba. Tem até que se ter cuidado para em filmes com realidades “excêntricas” como a do filme não carregar demais na trama: não basta ter um cara que nunca tira sua cabeça feita de papel marché; agora descobrimos que a sua namorada é na verdade uma espiã russa?!?!

Mas piadinhas à parte... a trama também não é o problema.

Para mim, o problema esteve na noção de distanciamento afetivo do roteirista e seu material. Vejamos:

O filme é uma adaptação de um livro. Que é uma extensão de um artigo. E todas estas três peças foram baseadas nas experiências reais do roteirista Jon Ronson enquanto tecladista do ídolo cult britânico Frank Sidebottom.


Adaptações já são complicadas por si só, né? Invariavelmente fazemos uma decupagem afetiva que nos faz incluir aquela sequência de quadribol que amamos mesmo sabendo que ela será (muito bem) cortada pelos produtores entre o terceiro tratamento e a filmagem... Isso porque nunca jogamos quadribol na vida! (Se alguém aí já jogou: és muito nerd. Ou bruxo. Invejo.) Mas Jon Ronson (roteirista de Os Homens que Encaravam Cabras) viveu a trajetória do personagem principal. De perto. Talvez por isso, afim de se distanciar e não romantizar muito a história de seu amigo, resolveu ficcionalizar “totalmente” Frank. Diferente do real Frank Sidebottom, um personagem criado por Chris Sievey, que, se sentia mais confortável com a máscara do que sem - mas que, apesar disso, não vivia com ela - o Frank do filme nunca tira a máscara. Cool. Um mistério, uma característica marcante para o personagem. E isso já é bastante para público e roteirista lidarem. Mas Ronson foi além e decidiu jogar neste caldeirão elementos biográficos de outros artistas cults como Daniel Johnston e Captain Beefheart e isso me pareceu o primeiro tiro no pé.

O distanciamento é importante, mas não pode ser total. Similar à construção da jornada do herói num filme, o maior trunfo de Ronson é ao mesmo tempo sua cruz e espada, seu paraíso e seu inferno: a proximidade. É isso que o fez chegar até ali com a história. Um conhecimento de causa, um olhar, uma paixão. Ao optar por abraçar totalmente a espada e afastar a cruz (ou vice-versa, escolha sua analogia) o roteiro perde vibração. O caminho do meio, o equilíbrio entre essas duas forças, tem que ser buscado sempre e é a chave para uma boa adaptação. Saber que, por definição, aquilo não pode ser uma reprodução 100% do original, mas ainda assim que se deve buscar pontos em comum – mesmo que afetivos – para a construção desse novo animal.

 "Mantenha a distância, roteirista!" Ronson não conseguiu encontrar distanciamento equilibrado

Com esta confusão na construção do personagem, não é surpresa que esta dispersão fosse transportada para o roteiro como um todo. Livros, artigos, roteiros... cada um tem sua “gramática” própria e a de roteiros de cinema é muito fascista. Se os fundamentos básicos não estiverem sólidos, tchau tchau engajamento do espectador. Em Frank o fundamento básico de “lealdade ao herói” não é cumprido. O herói do filme deveria obviamente ser o cara que dá nome à película e, mais importante, o cara que tem o maior potencial de desenvolvimento pessoal. Mas o roteiro parece focar mais no personagem Jon Burroughs, vivido por Domhall Gleeson e, claramente inspirado no próprio Jon Ronson.

O filme é narrado por ele (mas tudo bem, você consegue fazer um filme narrado por outro que não o principal) e a trajetória é dele, um tecladista mais do que medíocre com sonhos de ser grande e que, de repente, se pega numa situação com uma banda muito louca onde ele poderá desenvolver suas habilidades. É dele o sonho de fazer sucesso – em certo momento compartilhado por Frank – é ele que toma as ações que empurram a história do primeiro pro segundo ato e do segundo pro terceiro é ele que vai de fato viver um mundo novo após o término do filme. E Frank, que dá nome ao filme? É um coadjuvante excêntrico, um “the logic one” misturado com “in his own world” (principalmente pela cabeça de papel marché), que age como dinâmico, dando força para o personagem principal e, de repente, no Ato 3, no Finale ele resolve fazer algumas ações, consertar laços etc. Mas isso não o faz principal porque; o quanto ele muda? Frank, um semi-esquizofrênico, é capaz de mudar?

Da esquerda pra direita: coadjuvante e principal

Um herói, um personagem principal, precisa necessariamente ser capaz de mudar e precisa necessariamente ser o cara que age. Errar, aprender, acertar, tentar, falhar, lograr. A ordem sim pode ser mudada. As ramificações idem. Mas esta regra gramatical, sempre que desrespeitada, torna o filme fraco, confuso e disperso.

Mesmo quem argumentar que o filme não tem pretensão de esconder o protagonismo de Jon – basta ver a sinopse oficial do filme - eu fico pensando em como, mesmo assim, ele é mal executado. É igual nomear “Toy Story” como “Andy”. Tudo que os bonecos fazem é por Andy, certo? Mas não faz sentido fazer isso, pois, como o Graal, pouco importa o quê/quem ele é e sim a jornada para chegar até ele. Frank, assim como Andy, é uma força morta no filme. É o motivo de Jon estar lá, ok, mas o quanto ele contribuiu para que Jon se transforme (até o terceiro ato)? Quanto que ele inspira Jon? Muito timidamente. Se o filme apostasse num Jon herói e um Frank all over the place, aprontando e causando e sendo uma constante força caótica e transformadora na vida dele... mas aí tem a Maggie Gyllenhaal que meio que faz esse papel (ao mesmo tempo que depois do nada age como "voz da razão") e outros personagens que pintam coisas não muito frutíferas e saem depois sem alarde e lá estamos nós, de novo, confusos. Dispersos.

Valeu, milhões de personagens! Até o próximo filme disperso de estética indie!

Por que Jon Ronson fez isso? Ele sabe bem dessas regras. Não é o primeiro filme dele. E a seleção “dele próprio” como protagonista não vai um pouco ao embate da noção dele de que deveria se distanciar afetivamente da história real? Sabe-se lá...

Mas é curioso; no fim das contas talvez Jon Ronson seria pai de um filho bonito, tivesse ele relaxado e - antes do Ratinho vir ao palco e dizer “é teu!”- falado pra si mesmo: vou ser o pai dessa porra. Não vou evitar, tentar me distanciar; isso não é sobre fraternidade e sim paternidade. Vou abraçar minha proximidade ao assunto e mergulhar no Frank que eu conheço.

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