RESENHA: The perks of being a Wallflower

By Eduardo Albuquerque - 3/11/2015


É curioso como acabamos fazendo um "link" entre as coisas. É do ser humano e, para um roteirista deve ser quase que institivo, pois é assim que conferimos naturalidade e verossimelhança à nossa narrativa. Meio que "um fato que - por X e Y- está ligado a Z e decorre em W". Pois quando assisti "The Perks of being a Wallflower" (2012) nunca imaginei que fosse usá-lo para resenha aqui no blog, mas depois destas últimas semanas onde, sabe-se lá o porquê, roteiros adaptados surgiram como tema recorrente aqui na Sala dos Roteiristas, me pareceu um oportuno exemplo propício à esta discussão.

Vi o filme sem saber quase nada sobre ele. Além de citações em geral positivas de amigos - e nunca muito específicas/reveladoras - só sabia que a Hermione fazia um papel. Então fiquei feliz e envaidecido quando, do meio pro final, depois de muita franzida na testa, resolvi entrar na Wikipedia e confirmar: Bingo! É um filme com roteiro adaptado! E o pior: feito pelo próprio autor do livro, Stephen Chbosky! Escrita e dirigida! Até que eu entendo uma coisa ou outra desse negócio de roteiro!

E aí é que vem a coisa engraçada/polêmica de toda a história. Fazendo uma porca pesquisa na internet, em geral, as críticas dos fãs são favoráveis e o filme é reputado como uma boa ou no mínimo decente adaptação. E o filme, de fato, mesmo sem eu ter lido o livro, parece capturar o tom do livro, afinal, o próprio autor foi o escritor e diretor. E o livro tem bons personagens com interessantes vozes e um tema sempre vencedor/vendedor de teenage angst e tralala. No entanto, se eu for parar pra analisar o filme SEM qualquer vínculo à outra obra, só pelo que ele, de fato, é... eu acho ele bem confuso. Fraco, até. No máximo "OK". E como o filme não é um DVD extra que vem na edição comemorativa de 15 anos do livro e sim um produto isolado... isso é um grande problema.

Vou ficar aqui de boas vendo o Dudu ser polêmico e desagradar os fãs do livro...

Não tem jeito; você tem que respeitar o meio no qual sua história está inserida. Cada um vai ter sua especificidade de storytelling. Os longas e seus 3 atos e beats, a TV e os act breaks e arcos em temporadas, os quadrinhos e seus... erm; quadrinhos(!) e page breaks. The Perks of being a Wallflower traz uma coleção de coisas inúteis ao produto "longa-metragem", que só servem para enfraquecer a pugência da história escolhida como trama principal, confundindo quem nunca leu o livro, mas pagando pedágio emocional aos inspetores de adaptação, que tem como moeda de troca a satisfação de dizer pra si mesmo que não foi inútil ler o livro.

Logo de cara, o suicídio do melhor amigo dele. Completamente sem propósito. "Você tá maluco! É este o fato que desencadeia toda a maluquice do Charlie!". No livro, talvez. No filme não vemos, não sentimos. Logo, inexiste. Só enfraquece e confunde - "peraí, então morreu o amigo E a tia? Quem é que significou mais pra ele e de que forma diferente isso impactou Charlie?", eu jogo de volta pra você. Este fato simplesmente não é bem trabalhado no filme. Nem gasta-se o tempo necessário para que ele se faça necessário, nem releva-se o fato como apenas um adendo, uma sinalização de que isso foi importante pra ele, mas não é importante para você, espectador. A justificativa da necessidade de alguém para quem Charlie narre a história não pode ser uma desculpa aceitável.

Também odeio o nada. E você tinha tanto pra explorar, filme. Mas, como um adolescente, não focou e se perdeu

Sempre que contamos uma história temos que nos fazer aquelas perguntas básicas: sobre o quê que é, de verdade, esta história? Porquê estou contando essa história? Enquanto num livro você tem, sei lá, 8 horas para contar um mundo, e, portanto, muito espaço para detalhes acessórios à uma certa história, meio que "mais é mais". Quanto mais você der ferramentas para o seu leitor pintar um mundo e curtir ele, melhor. Num filme você tem 2 horas pra entrar, meter a porrada e sair. São os momentos mais especiais e doidos da vida de uma (ou mais) pessoa(s). Você tem que ter o básico e tirar tudo que não seja primordial à história. Tudo tem que ser urgente. O cerne desta história específica é o encontro de almas de Charlie, um menino depressivo e pouco popular, com outcasts, párias mais velhos, que o faz desvendar algo sombrio enterrado fundo em seu subconsciente que o impedia de ir em frente, de desabrochar. Isso deveria ser o principal e tem mais do que satisfatórios e complexos conflitos aí! Tem um mundo todo pintado e até mesmo uma trama. A questão da tia dele é muito boa; inovadora eu diria. Um reversal tão inesperado quanto mal trabalhado no filme. Mas não tem mesmo nem como; o cara é o autor do original. Ele é muito apegado a mil coisas de sua criação prévia. Generalizando, não é uma boa deixar o autor adaptar sua obra. É tipo médico; ele tem muita proximidade com o paciente (a obra) e, portanto, não deveria operá-lo(a). Então, no final, nada foi mais que uma pincelada nesta versão para o cinema. E olha que eu nem li o livro... Nada aprofunda, pois é nítida uma preocupação de ser uma "boa" transcrição e não uma boa "adaptação". Leia o livro, conheça os dilemas, os conflitos, as vozes e os temas daquele mundo de trás pra frente. Mas faça a nós e a você mesmo um favor e tranca ele na gaveta na hora que for escrever o roteiro!

Só um último pensamento sobre os inspetores de adaptação, bastiões defensores da obra original. É tão estranho... eles se sentem recompensados por ver algo que já viram antes. Não estou defendendo a inovação, dizendo que uma boa adaptação muda os fatos do original para trazer novidades. Mas o que ganha o inspetor com esse exercício de "isso tinha, isso não tinha, não foi mencionado isso"? É um jogo sem vencedores, este aí. Porque o filme NUNCA vai pintar de fato o que você viu na sua cabeça ao ler, então, mesmo que com alta porcentagem de "fatos checados", o inspetor que der muito peso ao original, vai estar "contente" com um filme que, por si só, não se sustenta.

E esse dia é de que ano, mais ou menos?

Também me incomodou a ambientação do filme. Não sei o quanto é culpa do roteiro apenas, mas até para mim, que sou muito ligado em épocas, foi difícil de saber quando que se passa a história. No começo parecia anos 60, a irmã do Charlie usando uma roupa bem boa moça, mas depois fui me ligando na música. Os garotos ouviam "Heroes" do David Bowie e não sabiam que música era aquela. Anos 70? Aí mencionam The Smiths. Mas você não vê nenhum personagem com aquela caracterização 80s... Só no final você entende que é comecinho dos anos 90, por causa de uma citação às bandas de Seattle... Por Deus; não telegrafe. Mas também não custa situar o espectador de alguma maneira universal, certo?

Semana passada na resenha de Whiplash elogiei e disse que bons filmes promovem discussões. Bom, obviamente que não são esses  tipos de discussões; dúvidas e confusões que só te tiram do filme. Nas 2 horas que você está em frente à tela, o filme tem que ser o mestre soberano. Tem que se impôr e demandar a sua total atenção. Só depois que os créditos rolam é que você pode parar e pensar "uau, que doideira. Então X e Y significa que Z e W?", ao qual o seu amigo vai responder "cê tá é loko! X e Y é igual a A e B. Fato!" e, assim, o filme vai para um novo plano e vive um pouco mais, tendo o conforto de saber que ele serviu para alguma coisa, tocou a vida das pessoas e promoveu algo para o mundo real além de 2 horas de abstração da realidade.

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1 comentários

  1. Dudu, gostei bastante da sua análise. Não achei o filme confuso, nem tinha lido o livro antes de assistí-lo. Gostei da história, acho que foi um bom passatempo e curti bastante a trilha sonora. Muito bem escolhida e bem utilizada na história. Esta semana estreou Cinderela, também uma adaptação. Confesso que estou receoso em assistir, mas depois gostaria de saber sua opinião a respeito.

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