Show, don't tell

By Eduardo Albuquerque - 5/19/2015



Exceto em musicais, onde é quase requerido uma "what I'm feeling" song, não tem nada mais enfadonho do que uma cena onde os personagens verbalizam o que sentem. Aquele clichê do personagem principal deitado no divã de um psicólogo que só está ali para esta função... Blergh. Sou sempre partidário de, quando possível, mostrar o que o personagem sente através de ações física, usando diálogo da forma menos literal possível, quase como "o que pode ser não-dito que convenha este sentimento?".

No entanto, especialmente para nós, que precisamos ter controle absoluto de todos os aspectos da história, é quase como se precisássemos escrever para descobrir 100% o que o personagem de fato está sentido. Nos ajuda verbalizar o que o personagem sente, não é verdade? Quando a gente fecha os olhos e imagina a cena e o diálogo vai tomando forma no papel, uma palavra ou outra acaba aparecendo e, em uma aproximada análise, estas palavras acabam revelando algum aspecto interessante, profundo, definidor de como aquele personagem realmente se sente. Tipo Jorge Amado que, reza a lenda, ia escrevendo e se pegava impressionado com Gabriela, inclusive falando em voz alta "Sua danadinha!".

Então, não condeno que se escreva propositalmente uma cena onde seu personagem fala exatamente o que pensa - pode ser até no psicólogo ou no confessionário - somente para te auxiliar. Escrever com o compromisso de que ela não vai entrar no roteiro. Deixe-a separada e analise bem o que tem de oculto no discurso que você escreveu. Coloque-se no lugar do seu personagem e imagine os piores cenários para quem está nessa situação e, aí sim, mostre através de ações o que ele sente. Um personagem que se sente empacado e sem futuro? Nada dele lamentando que se sente um fracasso e se dedicou muito à algo que não deu fruto, só tomou seu tempo e agora ele percebe o quanto perdeu e tem medo do futuro, pois não construiu amizades fortes e não sabe mais se relacionar com pessoas bla bla bla. Uma cena onde conhece/está na presença de um prodígio é muito melhor, não? Seu sobrinho vencendo uma competição de tênis ou qualquer coisa que parece pequena, mas quem está nessa situação acha que tudo é um sinal irônico contra si. O personagem se sente mal porque não consegue se sentir 100% feliz pelo sobrinho e quando o mesmo vem, orgulhoso, mostrar sua medalha ele manda um "yeah, mas... não se apega muito, hein? Nem sempre se vence" e o sobrinho dá um sorriso murcho meio "what a dick" e sai deixando o próprio personagem pensando "why am I such a dick? por que não consigo me sentir 100% feliz por ele?". Ou então, se servir melhor o seu personagem, ele faz o contrário disso? Fala tudo que ele não sente de verdade, quase que sem força convindo o que ele gostaria que fosse, mas é algo que claramente ele não sente (?) "parabéns! e isso é só o começo! você tem todo o futuro pela frente. Agora é só vitória. Se concentra nos treinos, se dedica MUITO! Tudo que você gastar com isso  vai valer a pena no final." Ou até mesmo - de novo, se fizer sentido com o personagem e o momento da história - curtir um simples momento de olhos cheios d'água ao ver o menino recebendo medalha. Um mix de orgulho e inveja que só o faz sentir pior. Powerful.

Se você vir algo meu e identificar alguma cena onde o personagem fala literalmente o que sente... sorry. Falar é fácil, fazer é difícil (ha!), mas pode ter certeza que em algum lugar, escondido nas pastas do meu computador, tem um arquivo com uma cena ainda mais "verbalizada" do que essa, a qual escrevi apenas para me ajudar a entender melhor o personagem e escrever a cena definitiva onde tento mostrar através de ações o que ele sente. Encontre as cenas verbalizadas e gaste um tempo nela pensando "como esta cena pode ser agida(!) e não falada?"

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4 comentários

  1. Como disse: Falar é fácil, fazer é difícil. Realmente é um grande desafio tornar o dialogo menos importante do que as ações da cena, QUERO desenvolver roteiros com essa característica, deixar as ações do personagens e cenas falar por si e os diálogos mais livres ao elenco, sem duvida é um desafio. Gostaria que compartilha-se mais exemplos desse assunto quando surgir porque é um assunto pertinente.
    Jeferson

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    Respostas
    1. Jef, só acho que deixar diálogos livres para o elenco é uma grande roubada!
      Ator (brasileiro, especialmente) por si só já é doido por um caco, mas o roteirista deve passar muitas horas, dias, meses, às vezes anos(!) pensando cada detalhezinho do todo para chegar um ator, envolvido com o projeto há pouco e falar "não, eu acho que é assim". Esta cultura está errada. Um ator tem um compromisso com o seu papel e o roteirista com o todo da história. Nós estudamos e vivemos isso demais para que cheguem e alterem o tempo todo.
      O que acho que tem que ser feito é um diálogo fluido, mole, fácil de ser absorvido pelo ator para que seja natural falar. E, no caso deste post, um diálogo que não seja muito expositivo/litera. Imagina essa cena:

      INT. ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA CHIQUE - DIA
      ADVOGADO ENGRAVATADO vem andando falando em seu telefone. Concentrado, ele passa pelo movimentado escritório como se não houvesse nenhuma das várias pessoas trabalhando por ali. Ele vai em direção à porta do seu escritório, abre-a e encontra...

      UMA VACA em frente à sua mesa. Ela muge.


      --

      Você não precisa colocar uma fala do Advogado dizendo "Olha! Uma vaca!". Tem uma vaca na tela,a gente já entendeu. Só a reação dele já basta pra exprimir tudo. Ele cair pra trás. Ele fechar a porta com cuidado e olhar seu nome na porta pra ver se entrou na sala certa. Ele cagar pra isso e sentar à sua mesa mesmo com a presença da Vaca...Qualquer fala que você colocar nessa situação tem que SOMAR de alguma maneira à situação. Alguma coisa engraçada ou sei lá. Tipo: ele cagar, sentar à mesa e pedir pra secretária trazer café porque hoje tem leite fresco ou gritar pra sócia (e ex-mulher) dele que fica na sala ao lado "Fulana, porque sua mãe tá na minha sala?" (essa foi meio pesada hehe)

      Enfim, um exemplo que me vem à cabeça muito lindo é no Ratatouille (a Pixar é foda) quando o crítico experimenta o prato do ratinho e entramos na cabeça dele e vemos o Flashback da infância dele, comendo o prato. Ele até mastiga(!) a informação depois na narração - pq é filme pra criança também, né? - mas nem precisava: tava tudo ali só nas imagens. E é lindo. Cinema puro.

      abs!

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    2. Exato, concordo com você sobre o dialogo ser fluido, mole, fácil de ser absorvido, acertou em cheio, o dialogo precisa ser escrito dentro do que for necessário (exemplo da cena da vaca), mas acredito que o roteirista não pode sustentar a cena ou o conjunto apenas no dialogo, porque o ator pode mudar algumas palavras, ou o timbre de voz ou o significa que os diálogos tem na cena.
      Há também um respeito pelo trabalho do ator, mas você disse tudo com a fluidez, algo que seja simples para ele incorporar.
      Uma pergunta antiga que eu queria fazer e agora me surgiu dentro dessa questão do roteirista escrever o que os outros trabalham. Por exemplo, o diretor. Particularmente eu tento evitar ao máximo de entrar no trabalho do diretor, exemplo: exigindo planos, formas de filmar, close, o máximo é um corte para ou Insert em um detalhe que seja realmente importante aparecer. O que você acha disso? Chamam de escrever um roteiro literal, não sei se já ouviu essa expressão.

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    3. Ih, Jeferson... você e suas perguntas que me fazem escrever comentários gigantes =P
      Olha, como a resposta ficou grande e é um assunto recorrente e interessante, resolvi transformar em post. Vai ao ar segunda, blz? =)

      Abs

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