Ode a forma

By Eduardo Albuquerque - 8/04/2015




Amigos roteiristas... precisamos conversar.

Recebo muitas mensagens via Q&A e vejo muitos comentários e posts em diversos locais diferentes na internet de roteiristas que tentam iniciar a carreira profissional sem entender porquê as coisas não estão acontecendo com eles, maldizendo o mercado e por aí vai.

Sou o primeiro a defender a gente, os roteiristas, - e sei bem como há reais e imensas dificuldades neste mercado - mas acho que uma auto-análise também é sempre bem vinda, então resolvi falar de algumas coisas que vejo que temos que melhorar/corrigir para poder ter mais sucesso. Uma espécie de "puxão de orelha" para apontar para um caminho melhor. Não fiquem na defensiva; eu provavelmente já cometi os mesmos erros, mas, com décadas trabalhando para melhorar, vejo de uma maneira diferente e, se escrevo isso, é porque acredito que vai ajudar vocês.

Deixa eu falar uma verdade:

Forma > Conteúdo

*Dudu sai correndo fugindo de todos os olhares julgadores*

Desculpa, mas neste momento é sim. Tem que ser pragmático: você ainda não é conhecido pelos produtores; então este é o primeiro encontro, certo? O superficial é o reparado. E levando isso em conta... antes de qualquer coisa: pessoal, é INADMISSÍVEL o jeito como uma galera escreve!

Eu sei, "internet é mais dinâmico", correria bla bla bla. Eu mesmo volta e meia cometo um erro aqui e ali, mas, olha... eu vejo e recebo cada coisa que é surreal. Não é só erro de pontuação, digitação... é erro de LÓGICA! E modos e conjugação e outras paradas que não sei nem classificar. Vejo coisas que literalmente não sou capaz de entender. Não é que são ambíguas; é papo de índio escrevendo. E tudo bem, viva os índios!, mas são palavras escritas por pessoas que dizem querer viver profissionalmente como roteirista! ESCREVENDO assim?! Não dá. Tem que melhorar isso aí. A sua escrita é o seu ativo! A sua capacidade de concatenar palavras e formar frases e manipulá-las em um contexto pra criar emoções e visuais é o seu trabalho.

Leia e releia em voz alta desde o seu email até o que você escreve nas mídias sociais, pois isto ajuda a definir sua imagem perante às outras pessoas. Quem vai sentir firmeza em você se você escreve como um disléxico pré-tratamento? Veja se o que você escreveu está fazendo sentido, pois percebemos melhor os erros na linguagem oral. Não está certo se está correto e o Google não é tão confiável pra certas coisas? Tudo bem! Simplifique. Use uma construção simples; na real quando você escreve simples é que fica legal. Adicione a isso a gentiliza, a educação. Imagine-se falando com um desconhecido (afinal eles são, né?!) de uma maneira cordial e amigável. E, por fim, leve este conceito também para o produto profissional de sua escrita: o seu roteiro.

Veja bem; numa situação de desejo e "pegação" - e você está arrumando o primeiro encontro, em busca do primeiro beijo, lembra? - a gente vai notar primeiro o sorriso, os olhos e outras partes sensuais físicas da pessoa para, só depois, caso tudo dê certo, conhecer (e, hopefully, se apaixonar pela) personalidade, alma e intelecto. No mercado é o mesmo: os produtores todos já tem seus projetos do coração e, se tanto, estão procurando pessoas que são capazes de pegarem a idéia/projeto deles e transformar em roteiro. Então é mais importante que você se preocupe no roteiro que vai ser o seu "pé na porta" com o equivalente a escolha da roupa que melhor te favorece, com o perfume e o cabelo penteado. Concentre-se nas vozes do seu roteiro; elas são interessantes e distintas? É importante que quem te avalie ache as falas formidáveis à ponto de pensar "putz, imagina esse cara adicionando diálogos flúidos como estes na minha história genial!". E o flow, o ritmo das suas páginas na sua narrativa; você está sabendo aplicar a dinâmica correta? É importante que quem te avalie perceba que você sabe quando acelerar e quando reduzir a intensidade, que você compreende o formato dramático de um longa metragem para que pense "quando ele pegar essa minha idéia super original, vai saber dispô-la da melhor maneira possível".

É a forma como você escreve! Não é - ainda - o que você escreve que vai te avançar na carreira.

O conteúdo é importantíssimo, mas é irreal (pra não dizer inútil e patético) você tentar ir atrás dele se não consegue nem dominar a forma. A forma é o básico. Você TEM que saber trabalhar as palavras. É verdade que elas sozinhas, sem conteúdo para sustentá-las, vão formar um esqueleto sem graça, mas perceba só: a alma sem um corpo não é nem reparada, vira éter e se dissipa. A forma é o seu caminho para o conteúdo. Ame-a e domine-a.

  • Share:

You Might Also Like

4 comentários

  1. Boa tarde, Eduardo. Eu me chamo Gabriel, moro em Juiz de Fora, Minas Gerais. Encontrei o seu site através da matéria publicada na coluna da Patrícia Kogut. No ano passado, eu fiz um curso de roteiro lá em São Paulo, com a Solange Castro Neves, roteirista que foi colaboradora da Ivani Ribeiro e do Cassiano Gabus Mendes. Há muito tempo eu decidi ser roteirista. Sempre gostei muito de escrever. Eu pretendo escrever novelas, mas também escreverei roteiros para filmes e seriados. E pretendo fazer o curso de cinema na universidade aqui da minha cidade.

    Achei muito importante o que você escreveu nesse post. Vou ler os outros posts já publicados aqui.

    Um abraço.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Legal, Gabriel! Seja bem vindo à nossa Sala! Pega uma cadeira e fique confortável que tem muito post pra ler e muito ainda pra postar e a gente debater aqui nos comentários! =)

      Excluir
  2. Mais uma vez, perfeito. Vem de encontro ao seu comentário sobre concursos. O que está à venda, não é seu roteiro, mas você. Também li alguns roteiros em sites de armazenamento de roteiros, e tem coisas cabeludas, por assim dizer. É preciso ter cuidado com a escrita, escrever muito, e ler ainda mais. Ler de tudo, roteiros, revistas, livros (muitos, muitos livros), eles te ajudam a formar as frases para descrever as imagens (cenas) da sua cabeça. Mas sem a leitura, não tem jeito. Um abraço. E sucesso no lançamento do seu filme.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Valeu, Ricardo!
      Eu resolvi escrever este post exatamente por causa dessa noção "roteiro vs. roteirista" que você sugeriu no seu Q&A!

      Abraço!

      Excluir