BRAINSTORM: Instagram, ganância e repetibilidade

By Eduardo Albuquerque - 3/31/2016




Já há um tempo ventilava-se mudanças no Instagram e esta semana elas entrarão em funcionamento. Trata-se de uma mudança no algoritmo para que, tal qual no Facebook (rede social que comprou o Instagram e efetivou estas mudanças), a linha de tempo do usuário seja organizada por "relevância" e não mais por ordem cronológica. O que está por trás disso é claro: Money. Bufunfa. Dinaro. O plano é que o usuário - que poderá ter seu conteúdo escondido (ou esmagado) pelo conteúdo de outras pessoas mais relevantes - passe a pagar ao aplicativo para que ele dê mais destaque ao seu conteúdo na timeline dos outros. Sendo você uma marca ou apenas uma pessoa vaidosa, mesmo tendo construído uma base de audiência, não necessariamente alcançará ela toda sempre e escolherá se deseja "promover" aquela postagem pagando para que ela chegue a todos os seus seguidores.

O que provavelmente acontecerá no Instagram é um cenário com muita marca lutando pra manter tudo que "conquistou", muito consumidor tendo que re-adaptar seus costumes de consumo de conteúdo (indo até ele), muita marca E consumidor migrando para o Twitter ou uma nova rede social que não esteja andando pra trás nessa questão de distribuição de conteúdo (mas que provavelmente algum dia irá, pois... dinheiro) e também quem fala "ah, foda-se isso, então" e vai procurar outra coisa pra fazer.

Mas este não é um site sobre mídias sociais, logo isso não importa muito para o nosso Brainstorm. O que importa é a repetibilidade dessas coisas. Não é a primeira vez que isso acontece. Aconteceu com o próprio Facebook. O Twitter ensaiou fazer o mesmo, mas segurou a onda por causa da vocal resposta contra de seus usuários (muitos assíduos exatamente porque ficaram desgostosos com o Facebook pós novo algoritmo). E tudo certo: é um serviço gratuito; quem não gostar, não usa. Mas é interessante e irônico reparar aquela velha história: o revolucionário de hoje é o reacionário de amanhã.

O sucesso inicial do Facebook (e todas as mídias sociais, na verdade) na revolução do 2.0 da internet aconteceu exatamente porque, diferente da galera 1.0 (Orkut, por exemplo) fez o conteúdo chegar até você. Agora, ele volta atrás e basicamente está forçando as pessoas que querem ver X, ir atrás do X. Pra mim isso não é bom ou ruim; é um pouco dos dois. Do ponto de vista da empresa pode ser ótimo; faz a comunicação ser direta, você sabe que a pulverização é muito menor do que naqueles tiros de canhão engessados da publicidade/comunicação tradicional, que é aferida por pesquisa e mil coisas que dão um desenho muito turvo. As mídias sociais são diretas, você sabe em tempo real a quantidade de pessoas que recebe e interage com o que você comunica. Do consumidor idem; você escolhe o que quer ver, minimizando as coisas que não te interessam e enfiam na sua goela abaixo nos meios antigos. Porém, também pode ser ruim para ambos; para a empresa ficou tudo mais complicado, mensurar o retorno passou a ser mais complexo e para o consumidor minimizou-se a chance de ver coisas novas "out of nowhere", pois seu algoritmo fica puxando sempre o mesmo tipo de assunto/ponto-de-vista e acredito que, meio nesse campo, tem criado pessoas intolerantes e burras, pois ficam numa caixa de eco fundamentalista sem a benesse do contraponto. Também acho que tornou a todos um pouco preguiçoso no discernimento e sem discernimento nas ações. Como tudo chega à nós, não pesquisamos, não avaliamos a veracidade dos conteúdos e confundimos o virtual com o real, achando que somos curadores da vida via compartilhamento/share/retweet/reblog, achando que presença digital via likes/comentários = amizade.

E antes do Facebook, aconteceu com a arte em geral (e analisando o mecanismo, mil outras coisas). A primeira vez que usaram a palavra "arte" era para significar algo diferente do que entendemos por arte. Sim, o fenômeno é o mesmo; atividades como pinturas, esculturas e músicas e peças de teatro. Mas a coisa em si não existe mais desde o início da era da reprodutibilidade técnica. O consumidor se deslocava até a obra de arte (fosse ela uma pintura ou uma escultura num museu, castelo, Igreja ou o que for, fosse uma peça num teatro ou músico cantando em algum lugar) e tinha uma experiência ÚNICA que nunca poderia ser repetida. Pro bem ou pro mal. O cara na guerra enlouquecia, pois, com 1 ano longe, ele já nem lembrava como eram as feiçoes do seu filho. Então, alguém pensou "poxa, imagina se eu pudesse ver essa imagem/ouvir esse som sempre que eu quisesse?" e assim surgiu a fotografia, a fonografia e os meios de comunicação foram conectando mais pessoas e, sem querer, no meio disso tudo, essa experiência que chamavam "arte" tornou-se impossível; foi extinta. O conteúdo passou a chegar até a pessoa em sua casa, na sua caixa de correspondência, na sua timeline. O conteúdo ia até a pessoa e não o contrário. Por isso, hoje "reconhecemos" a Monalisa. E a Torre Eifel. E a música de Natal da Simone. Já não temos mais como nos surpreender da mesma forma com essas coisas e mesmo quando as consumimos sem saber muito sobre ela, conseguimos imaginar mais ou menos do que se trata e, tão logo a consumimos, fazemos um repeteco, levando pra casa a reprodução fotográfica, o mp3 ou o DVD. Para vermos, revermos e normalizarmos aquilo.

É um traço da nossa humanidade: nós tentamos potencializar alguns aspectos e, com isso, estragamos o que gostávamos. É o perigo (e o charme) da ganância, o único dos pecados que não é 100% condenável, mas que via de regra corrompe a porra toda. A serpente em si.

Minha sugestão como exercício de Brainstorm é, tendo exposto isso tudo, você tentar pensar alguma coisa, qualquer coisa, que acaba por virar um sucesso, mas que os próprios méritos deste sucesso traiam o propósito de ser da empreitada, que sucumbe e passa a fazer exatamente o contrário do que pregava quando se lançou como "diferente". O filho que matou o pai apenas para tornar-se o próprio. A falência da instituição que, por ser instituição e precisar se perpetuar, se vê obrigada a agir contra a sua razão de ser, contra os princípios de sua constituição (ex: a Academia Brasileira de Letras nomeando Sarneys e afins para "sobreviver", mas fugindo o propósito inicial da coisa... vale mais a pena morrer ou viver na lama?). Gere sua história através deste exercício de contradição proporcionado pela ganância. TODA benção pode ser uma maldição. O sujeito sonhava com água no deserto, mas de repente chuveu muito e inundou a porra toda e agora ele tem que tentar não se afogar.

Qual conquista pode ser exacerbada e se tornar um retrocesso? Que "heroi" pode ter tanto sucesso que passa a ser "vilão"? Olhe coisas e assuntos interessantes e seja um filho da puta que pensa em como o ser humano estragaria aquilo apenas por ser humano. (Mas tudo bem porque no final das contas você tá fazendo isso como forma de reflexão para que a humanidade não cometa esses erros, então no fim das contas você é um cara empático e o verdadeiro heroi dessa história! Uhu! Viva você! Mas cuidado pra não subir à cabeça, porque senão já sabe, né?)

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