Q&A

Q&A 09/12/2016

By Eduardo Albuquerque - 12/09/2016

Todas as sextas-feiras eu respondo perguntas enviadas pelos leitores do blog. Se quiser me mandar uma, acesse este link e aperte enviar (ou tente nos comentários!).

Vamos ao desta semana!

Td bem, Eduardo? Queria saber como é normalmente o regime de contratação de um roteirista na TV aberta, em canais de TV por assinatura e também em projetos de Internet. O contrato é por roteiro? O roteirista tem carteira assinada ou é sempre PJ mesmo para grandes empresas?

Valew,
Claudio - SP
Tudo bem, Claudio! E você?

Para entender como funciona isso, temos que pensar um step antes da contratação do roteiristas. Para haver a necessidade de ter um roteirista, tem de haver a vontade de produzir um conteúdo, certo? Ok, partindo desta premissa, precisa-se de dinheiro para que aconteça. Os canais de TV por assinatura supostamente não tem dinheiro para produzir eles mesmos, mas eles tem a obrigação de colocar mais ou menos 30% de conteúdo brasileiro em sua programação por conta da chamada "Lei da TV Paga". Então eles se associam a Produtoras, que são proponentes em diversas linhas de incentivo audiovisual estatal para que assim tenham conteúdo. A TV por assinatura entra como...erm, uma TV por assinatura (é obrigatório ter uma associada para que a Produtora possa efetivamente pegar o dinheiro) e pode participar também com algum dinheiro dela. Mas todo o resto - contratação de diretores, roteiristas, atores, equipe etc. etc. - cabe à Produtora. A troca PJ-PJ entre TV por assinatura e Produtora é basicamente: TV dá a sua chancela e um pouco de dinheiro para a Produtora e ganha em troca o  "Episódio da série 1.mov" pra poder explorá-lo em sua grade. Fim. E a Produtora também nunca contrata ninguém em regime de CLT; é tudo PJ. Nosso mercado é quase todo PJ, cara.

"Poxa, mas por que?!"

Você tem noção de que a CLT foi um ato populista do velho Getúlio que é insustentável a longo prazo e, bom, com mais de 70 anos de existência o longo prazo chegou, né? Então, nenhuma Produtora vai contratar ninguém para um trabalho que vai durar 6 meses (se tanto!). A carga tributária mataria todas as Produtoras. Geralmente as Produtoras tem como CLT apenas profissionais fixos, que são da casa independente do projeto: os produtores donos (né?) e assistentes de produção, que tem trabalho sempre, independente da casa ter algum projeto sendo produzido (ajudam os Produtores donos na inscrição de projetos em leis, na prestação interminável de contas para a ANCINE - valeu, Guilherme Fontes! - e outras coisas pouco sexy). Um roteirista, um diretor... dificilmente terá demanda para estar full time numa Produtora. Há um tempo atrás as Produtoras que faziam Publicidade tinham Diretores em regime de CLT, mas o mercado esfriou muito de maneira que faz mais sentido o cara ser sócio e não contratado.

Vamos ver se você pegou o jeito para entender essas questões... Na internet: quem paga a produção? Se for o governo, vai ser a mesma história. A Produtora vai ser a proponente e vai estar liberada a captar o dinheiro via incentivo fiscal com o setor privado ou então vai ter algum roteamento de dinheiro do setor (tipo o Fundo Setorial do Audiovisual), com o aval da ANCINE. E, da mesma forma, não fará sentido a Produtora te contratar direto, pois ela terá dinheiro ali para uma temporada e o depois será o depois; CLT não se sustenta. PJ-PJ entre você e ela, de novo. E se não for o caso, se alguém está "tirando do próprio bolso", tomara que ele seja bom caráter e te pague, não fale "poxa, te pago com exposição!", mas mesmo se ele pagar, será ou o dinheiro direto "não declarado", ou através de uma nota fiscal, ou seja, PJ-PJ.

Mas na TV Aberta... bom, me dei conta que eu nunca trabalhei como roteirista para a TV Aberta. Assim, na verdade já fiz trabalhos para a Rede Globo, mas eram todos de natureza de prestação de serviço. Uma vez fui contratado para fazer o roteiro de um institucional interno deles; todo feito in-house. Eles me procuraram e queriam que eu fizesse um pitch de uma idéia para um roteiro acerca de coisas internas deles que não posso falar e, após aprovado, escrevi esse roteiro e foi produzido internamente por profissionais da casa (diretores, atores, jornalistas etc.). Mas isso - contratar um roteirista de fora para que eles produzam lá dentro - é bem raro; ou eles fazem tudo internamente com seus profissionais ou contratam uma Produtora para que ela faça tudo ela e eles fiquem só de "cliente". Nesse caso, passei minha notinha para a Globo direto. PJ-PJ. Noutra vez, vendi uma série chamada "São Jorge", criada por mim e meu amigo Calvito Leal. Era um projeto bem grande, então a Globo nos uniu com a O2 Filmes e desenvolvemos os roteiros nesta triangulação. Esta composição ainda era de dinheiro da Globo, mas foi, de novo, feita PJ-PJ. Eles pagavam à minha empresa com o Calvito e à O2 também. A série acabou não sendo produzida (apenas os roteiros escritos), mas se fosse, também não saberia te dizer se nos contratariam em CLT ou, por conta da presença da O2, seria PJ-PJ.

Com essa dúvida, perguntei pra minha queria amiga de anos e anos Joana Penna, roteirista do "Zorra", na Globo, e ela me disse que no caso dela, e de todo mundo lá do "Zorra", é CLT. Todo mundo contratado da Globo. E aí lembrei de outros conhecidos que, independente de estarem alocados atualmente em algum projeto, tem contrato de CLT também por lá.

Então, acho que pra responder você eu diria: só há um lugar onde você terá chance de ser CLT como roteirista e esse lugar é a TV aberta. Mas mesmo assim não é garantia, pois dependerá do teor do trabalho que você vai fazer lá. Se você for "staffed" numa série que tenha alguma expectativa de durar, por exemplo, a chance do canal te contratar por alguns anos como roteirista da casa aplicado num projeto é grande.

Agora, respondendo a parte da pergunta de como é a contratação "é por roteiro?"... na TV aberta é por mês mesmo. X se você tiver alocado num projeto, Y se não tiver. Já na TV por assinatura, o roteirista é contratado pelo projeto. Mas se ele vai receber X pelo total de roteiros independente dele escrevê-los todos, só por estar ali na sala de roteiristas ou Y pela quantidade de roteiros que ele assinar... isso vai depender da negociação PJ-PJ que você vai fazer. Eu acho que nós roteiristas - e isso, mais uma vez, é algo que o meu Sindicato de Roteiristas ideal teria que ter como bandeira - deveríamos receber X só por estar ali na Sala contribuindo, independente de assinar o roteiro, e  adicionais para Story By, Outline e Screenplay by, ou seja, adicionais por Argumento, por montar a estrutura de um episódio e por assinar um episódio.

Acho que é isso. Não se assuste com o fato de não ter CLT quase. Eu, por exemplo, nunca trabalhei CLT. Só quando era ator (1991-2000). Minha vida adulta trabalhadora foi toda PJ. Tem suas dificuldades (não dá pra negar que a CLT é uma mãe... mas é uma "Mamãe é de morte", te trata bem e mata tudo à sua volta), porém você vai fazendo coisa aqui e ali e se segurando e construindo sua carreira. Não é um bicho de 7 cabeças.

Espero ter ajudado!

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