Q&A

Q&A 14/04/2017

By Eduardo Albuquerque - 4/14/2017

Todas as sextas-feiras eu respondo perguntas enviadas pelos leitores do blog. Se quiser me mandar uma, acesse este link e aperte enviar (ou tente nos comentários!).

Vamos ao desta semana!

Olá!

Sou, como muita gente mundo afora, um apaixonado pelo cinema norte-americano, em especial Scorsese. Não tenho (ainda) a pretensão de chegar um dia a trabalhar nos EUA escrevendo roteiros, mas quero começar de algum modo. Qual(is) caminhos/dicas tu me daria?

Atenciosamente,
Evair Vargas
Fala, Evair!

Cara, sabe que  por muito tempo eu achava que era uma viagem a possibilidade de um brasileiro trabalhar com cinema nos Estados Unidos? Síndrome de vira-lata? Em certa medida sim... mas não dá pra justificar minha posição somente assim. Por pura lógica mesmo; apesar de todo o domínio cultural, que me fez assistir MUITO novo programas como Seinfeld, ER, Letterman, Buffy, Leno, Who's the Boss? - até o NBC Today passava no saudoso Superstation! - e inúmero filmes etc. e tal... estas séries simplesmente não fazem parte da minha cultura.

Tá no verbo acima: eu assisti. Não vivi aquilo. Num mundo cada vez mais conectado parece bobeira falar isso, mas a verdade é que perdemos muito no "virtual" (ou ganhamos muito no "presencial", como queira). E, para um roteirista, que cria um mundo, uma cultura - através de palavras, mas principalmente de observação - a nota de partida sai de cara muito alta por conta deste distanciamento. O roteirista sai muito prejudicado por não ter no "sangue" séculos de bagagem/vivência daquela cultura. É bem diferente de um Diretor, que, noves fora o direcionamento de atores (que deve ser bem difícil, mas algum fluência na língua já resolve - diferente do caso do roteirista, que pode, como no meu caso, falar inglês que é uma beleza, mas não conseguir perceber completamente a cultura), pode fazer praticamente todo o trabalho de cinematografia e mise en scene sem maiores problemas. Storytelling é storytelling, tem sua própria língua. E estética é uma coisa própria de cada um mesmo, então tudo certo. Não por acaso Hollywood trabalha tanto com Diretores estrangeiros. Só de brasileiros lembro de 5 rapidinho": Fernando Meirelles, Andrucha Waddington, Zé Padilha, Heitor Dhalia e Afonso Poyart. (Procurando na internet pra ver se eu não tava falando bobagem - e não tava - ainda vi que tinha também Bruno Barreto, Carlos Saldanha, Walter Salles, Vicente Amorim...)

Fora que, mais tarde, quando isso já podia até ser uma "career move" pra mim (quem trabalha com isso sabe que a família sempre pergunta "e quando você ganhar o Oscar?") eu pensava que era meio doideira, pois o Brasil já se mostrava um lugar tão interessante/desafiador pra fazer uma carreira disso... por que dificultar ainda mais?!

MAS...

Não sei se você sabe, mas, coincindentemente, eu estou morando há 10 meses aqui nos Estados Unidos! No entanto não vim pra cá pra trabalhar na indústria americana. Pelo contrário, vim pra cá por conta de um projeto audiovisual Brasileiro voltado para o Brasil. 

E, cara... apesar do pouco tempo aqui, por estar aqui, presente, sentindo as coisas, conhecendo pessoas e histórias, fui vendo que há uma outra visão importante sobre esta questão.

Sim, mantenho que não é nossa cultura e, sob este prisma, estamos bem atrás na concorrência. Mas, crescendo e observando, percebi a existência de um caminho novo que cada vez tem seu esfalto alargado e recapeado. O lance é que: pelo fato dos Estados Unidos ser um país cuja a história foi marcada por imigrantes - e até hoje é muito escrita por imigrantes - Hollywood tem investido nos últimos tempos bastante em o que eles chamam de "diversidade". Entenderam que sua produção andava muito padronizada, e embora eu acredite que a culpa disso é muito mais por conta de quem produz os filmes - homens brancos de meia-idade - o que importa é que estes homens resolveram investir na procura de novas vozes. De repente surgiram milhares de bolsas, fellowships e programas dentro dos estúdios e canais de Hollywood (HBO tem, Disney tem, Sundance, FOX...) voltados especificamente para encontrar e mentorar vozes "diversas". Leia-se: mulheres, latinos, negros, gays... tudo que não for homem branco americano.

E adivinha só: você e eu, por mais que não nos sintamos assim, somos latinos! Sim! E, por mais que nos sintamos "americanizados" (falei por você só por questões estilísticas da frase. Sorry!), eu estava certo e eles sentem sim a diferença da maneira como "pescamos" a cultura deles. No entanto, isso não é uma fraqueza mais e sim uma qualidade! Especialmente na TV (no cinema ainda é bem raro...) o roteirista estrangeiro vai ter gente mais graúda pra filtrar isso e, sei lá, você pode fazer uma carreira inteira sentando em writer's room, pitching sua visão diferente pra ser "adaptada" ao jeito americano ou dando toques únicos e estrangeiros para tornar a visão manjada do showrunner algo mais sexy/exótico/diferente. Essa é a graça: mesmo que, para você, pareça algo natural, para eles, o jeito como pensamos é diferente. E na real é mesmo. É difícil de perceber isso sem viver aqui nos EUA (e vice-versa com um gringo que mora no Brasil). Mas faz muito sentido. Tipo o Português e o Índio quando trocaram espelho por ouro. Após o escambo, ambos pensaram pra si: "ha! Que maluco! Como é que ele pode preferir aquilo a isso?!"

Enfim... andei, andei, andei pra te falar isso: acredito que o melhor caminho/dica que posso te dar é esse; apostar na sua diversidade e ficar de olho nisso. Se tem essa vontade: mete bronca. Owne a sua Brasilidade e o seu jeito de ser e procure por estes programas de diversidade para ser sua porta de entrada em Hollywood.

And good luck! Represent!

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