RESENHA: Whiplash

By Eduardo Albuquerque - 3/04/2015



Dos filmes indicados ao Oscar de melhor roteiro (ambas as categorias), para mim, o melhor, disparado, é "Whiplash" (2014). Sintético, poético, pertinente e consciente em sua missão de contar uma história através de ações visuais. E quando é necessário diálogo, o faz com a mesma segurança. Great little movie.

Já é folclórico o caminho de financiamento de Whiplash. Damon Chazelle, diretor e roteirista, fez um curta-metragem só com a instantaneamente antológica cena do "were you rushing or dragging?" e, com o prêmio recebido em algumas premiações, rodou o resto do longa - o que sucedeu em toda aquela polêmica do Roteiro Original vs. Adaptado. Parando pra pensar; não tinha mesmo como não ser de maneira não-usual o processo desse filme. É meio óbvio que Hollywood - afeita a processos de máxima economia (acertadamente; por isso são a segunda maior indústria dos EUA) - dificilmente iria adiante com um projeto como esse, cuja oneline/sinopse muito provavelmente lê algo como "Jovem aspirante a baterista tem a chance de sua vida ao ser cooptado para a banda de Jazz do abusivo professor Fletcher". Nada especial, certo? "There are no stakes!", diria o executivo de desenvolvimento.

Mas Whiplash é aquela prova de que estes conceitos e convenções da indústria até ajudam, mas não são infalíveis; podem deixar passar grandes filmes como esse. Oneline, argumento, o caralho a quatro pode ser muito bom e excitante e vendável... se o roteiro for ruim; de nada serve. E o contrário - idéia banal, oneline sem graça etc. - se bem escrito pra caralho: é ouro.

É tudo a capacidade de relacionar coisas. Vejam: baterista. De jazz! Quer coisa mais específica que essa? "Ninguém se importa com jazz! Quem toca bateria?!", mais uma vez nosso executivo de desenvolvimento, preocupado com a atratividade do filme. No entanto, todo mundo entende a vontade de fazer algo grandioso. Todo mundo entende a relação mestre vs. aprendiz. Pouco importa o que é a superfície do filme - bateria e jazz, criptografia e a 2ª guerra mundial, hotelaria e leste europeu - se a profundidade dos sentimentos e das relações dos personagens estiverem bem estruturadas e apontando para o centro da história, qualquer primata entenderá e se engajará transportando o assunto para pontos de contato com a sua própria história. Porque é isso que nós, humanos, fazemos. O tempo todo.

Sangue e suor: filmes bons propõem uma discussão e provocam sentimentos (bons ou ruins, tanto faz)

Damon Chazelle parece entender isso muito bem. Parece ter chegado a conclusão do "o que é que quero falar com esse filme", encontrado os personagens corretos para a tarefa e, na hora que sentou para escrever, não deixou nada fora desta diretriz interferir. O filme não tem gordura. É um debate incessante sobre sacrifício vs. sonho onde toda hora que o roteirista escreve uma ação nova ele se pergunta "até onde meu personagem vai para alcançar a grandeza, deixar um legado e se imortalizar?".

A relação de Neiman e Fletcher (em mais uma ótima atuação do excelente Miles Teller e assombrosa atuação que rendeu o Oscar para JK Simmons) é muito bem construída, com a dose certa de transferência, síndrome de estocolmo, ojeriza e mil outros sentimentos com os quais qualquer um consegue se identificar. Quem nunca quis agradar alguem desesperadamente? Quem nunca, neste processo, se odiou tanto por não conseguir? Ao mesmo tempo que se odeia por querer conseguir! Por ser tão dependente da aprovação de outrém. Curiosamente, o mais difícil é alguém se ver em Fletcher, mesmo. Poucos sabem o que é ver pelos olhos de um mestre e entender suas argruras. Mas, até por isso, por esse fascínio/medo, funciona e acabamos, se não nos vendo nele, admirando-o igual Neiman faz.

O conflito e o dilema em cima dos quais o filme se constrói em apenas 5 frames

Aliás, neste ponto, tem uma cena onde você percebe bem como o filme é bem sacado, que é quando Neiman encontra Fletcher tocando um jazz bem meia boca num club em NY. O cara que cobra tanto algo sobre-humano, tocando uma parada que po... o tecladista do Faustão deve tocar! Mais do que o clássico "those who can do, those who can't teach", que só confere autenticidade ao personagem, esta cena é uma brilhante maneira de humanizar Fletcher. Dismitificar Fletcher e empoderar Neiman. Ok que para fins de trama, no Beat Sheet - que de tão sequinho e direto, bem feito e estruturado você consegue escrevê-lo todo de cabeça em menos de 2 minutos (eu fiz o teste!) - o que conta como "Break Into Three" é o convite para tocar no show derradeiro, mas é curioso, pois acho que foi a primeira vez que vi uma "revelação de personagem" como essa atuar junto como Break Into Three, pois acho que, se Neiman não tivesse visto a humanidade de Fletcher ali naquela performance apagada no piano, ele continuaria o vendo como monstro e não aceitaria o desafio final, avançando para a cena de batalha em busca de seu objetivo: a grandeza.

Porém, além do roteiro, Whiplash é uma aula de cinema. E você, como roteirista, tem que escrever roteiros que possam dar bons filmes, não apenas roteiros que são bons de ler. O roteiro e a liderança de Damon Chazelle - um nome para ficar de olho - foram bases sólidas que fizeram tudo dialogar sem fugir do assunto. A montagem vencedora do Oscar de melhor edição - o que poderia se dizer até fácil, já que música, e especialmente o jazz e seus instrumentos de sopro dourados e brilhantes, é, paradoxalmente, um grande eye candy - ganha a força que tem pois tem o auxílio de uma música diegética ao mesmo tempo que incidental para cortar junto. Muito bem escolhida e usada como elemento de storytelling, pois, aqui, a música é parte integrante da trama. "Whiplash", a música de Don Ellis que dá nome ao filme, por exemplo... esta palavra significa corte/machucado provocado pelo movimento do "rebote" de um chicote ou algo do tipo, como os que Neiman tem nas mãos sangrentas de tanto porrar sua bateria com suas baquetas. As atuações, a fotografia... tá tudo lá. Pronto pra tornar a história supostamente pouco especial em algo urgente e imprescindível.

 Uma história bem contada por todos os departamentos; surge um novo clássico contemporâneo

Então o que há de mais especial neste filme é mesmo o seu storytelling audaz, tenaz e 100% consciente e inclusivo de todas as áreas criativas de uma obra audiovisual. Qual outro filme você viu recentemente que tem 9 minutos sem diálogo? NOVE MINUTOS! Se você quer ser um roteirista, melhor- se você quer ser um cineasta, por favor, assista esse filme!

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1 comentários

  1. Concordo contigo. Whiplash, dentre os concorrentes de língua inglesa ao Oscar, é o que tem o melhor roteiro. Dos estrangeiros, Relatos Selvagens dá uma poeira nos demais. Mas a academia tem fixação pela 2ª guerra, e o Ida, que é bom, levou a estatueta. Enfim, não bastam efeitos especiais, figuras estelares, sem um bom roteiro, qualquer filme é uma merda.

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