1º de Abril

By Eduardo Albuquerque - 4/01/2015



Hoje é dia 1º de Abril e nós brasileiros, tiozões do pavê como somos, passaremos o dia pregando peças e/ou desviando das mentiras dos outros. Não me entenda errado; não estou criticando. Adoro o conceito da data e até tenho em minha biografia grandes momentos relativos a este dia; o mais famoso aconteceu pouco mais de 10 anos atrás e envolvia o Rodrigo Amarante e os Los Hermanos. Quem viveu/caiu, sabe.

Para nós escritores (especialmente de ficção), todo dia é dia 1º de Abril. Nosso trabalho é criar “mentiras” ou pelo menos “meias-verdades”. Então resolvi exercitar alguns pensamentos/lições sobre a arte de “mentir”. Seja você um roteirista ou apenas um zoão.

  • Verossimilhança é chave
O povo não é bobo (abaixo a Rede Globo); todo mundo sabe que hoje é 1º de Abril. Eles estão esperando pra falar “Isso é caô” e seguir pra próxima. Para fazer a galera cair, tanto a escolha de tema quanto a forma como você dispõe sua mentira, devem ser feitas de maneira bem calculada. Minta, claro. Surpreenda, se possível. Mas tenha os dois pés na verdade; seja verossimilhante.
Zoões: A surrealização como elemento de sedução caiu em desuso quando o Sensacionalista resolveu fazer disto um ganha-pão. Seja plausível. Pé no chão, procure algo próximo à você. “To grávida” é too much. Logo hoje? Não dava pra dar a notícia amanhã ou ontem? Já um “Fui demitido /Fulano disse que vai demitir o Cicrano”...
Roteiristas: Aliens no Brasil? Ok. Mas é bom que você reflita séculos de despreparo (verossimilhança) das nossas organizações políticas/sociais para/com o assunto. Uma super secreta agência high tech tupiniquim para assuntos extra-terrestres não vai colar, pois não é verossimilhante.

  • A jornada é mais determinante que o destino (a mentira). 
É importante que você procure esconder suas reais intenções através de recursos de retórica e narrativa, pois, no final das contas, é a forma como você conta que irá seduzir as pessoas à sua mentira mais do que a mentira em si. Evite clichês. Quando alguém abre com “Ficou sabendo?” não precisa nem continuar que você já entendeu que é 1º de Abril. E por mais que você seja um bom ator e introduza de maneira legal, “Fulano morreu” rapidamente vai ser associado à data. Na verdade este ponto sobrepõe-se ao anterior: perdoaremos a falta de verossimilhança se a forma for muito boa, se a narrativa for contagiante, atrativa.
Zoões: Pense em contar sua mentira como se estivesse contando uma verdade. Parece trivial, mas não é. Coloque-se na história, questione a possibilidade quase como se igualando a quem você está tentando zoar. Ex: “Mais alguém neste trânsito caótico na Lagoa? Parece que um helicóptero se chocou ali no corte do Cantagalo”. Meu chute é que colaria e você poderia mais tarde “highten the game” e afirmar que de fato ocorreu e falar que tinha algum famoso na batida etc. e tal.
Roteiristas: Saibam mostrar suas cartas no momento certo e da forma certa. Vai prender alguma informação para torná-la game changing no meio/final? Tudo certo, mas cuidado para não ficar muito na lenga-lenga, fazendo setup exagerado. Entra na distância, golpeia e sai. Vai revelar algum fato bombástico logo de início para prender a atenção do espectador? Show! Mas é bom que o caminho até chegar naquele ponto – que veremos logo depois que surgir aquele lettering tipo “1 dia antes” - seja engajante.

  • O Diabo está nos detalhes. 
Seja consistente de forma global na sua mentira. Li há pouco um statement de 1º de Abril do Popcorn Time no qual eles dizem que foram comprados pelo Netflix. Não bastasse o clichê do assunto – um evento divisor de águas para a empresa logo no dia 1º de Abril? Sei... – já no sub-lead dizem que foram adquiridos por 11.5 milhões de dólares. ONZE MILHÕES. Come on. Really?
Zoões: é zoação,mas leve a sério. Rola uma tentação de sempre “highten the game” e à medida que o otário cai construir outra mentira em cima da mentira, mas você tem que ir humilde e consistente, se ligando para que nestes pequenos detalhes você não dê bandeira. Se você está relatando algo tenso, por exemplo, pense se sua escrita/emoção está refletindo isso ou se está escrevendo quase com um risinho de canto de boca. Essas coisas se fazem notadas, acredite!
Roteiristas: Coloque-se no lugar dos seus personagens, imaginem-se nas situações. Meditem qual a maneira mais realística de se portar/falar numa ocasião determinada. O laço de confiança entre seu storytelling e o espectador será quebrado quando um personagem mandar um sinal que não condiz com tudo que ele vinha apresentando até ali. Mesmo que seja pequeno. Um “seu bosta!” falado por um pivete pode ser o suficiente para o espectador julgar a escolha de palavras como pouca ou polida demais para o vocabulário de insultos de alguém tão acostumado com um palavreado mais solto. O mesmo se dará nas suas escolhas para a trama. Você pode até trazer uma quebra absurda que parece vir do nada, mas a superfície tem de estar calcada numa realidade constante. O velho truque do mágico de desviar a sua atenção para a mão esquerda, que fica fazendo movimentos espalhafatosos no ar, enquanto com a mão direita ele sorrateiramente enfia no seu cu.

Há!

Viu o que eu fiz ali? =P

Feliz Dia da Ficção! Que ela nunca seja mentirosa!

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