Q&A

Q&A 24/04/2015

By Eduardo Albuquerque - 4/24/2015

Todas as sextas-feiras eu respondo perguntas enviadas pelos leitores do blog. Se quiser me mandar uma, acesse este link e aperte enviar (ou tente nos comentários!).

Vamos ao desta semana!


O que você acha do final de Birdman? Esse tipo de recurso - onde o espectador cria ou define a história subjetivamente - é algo pensado pelo roteirista ou tem a mão do diretor?

Fabio Portugal

Fala, Fabio!
Brigado pela pergunta!

Como regra geral, é pensado pelo Roteirista, pois ele é o responsável pela história e seu escopo. Como exceção por um Diretor que se mete em mais do que devia e corta alguma parte do roteiro, deixando, o que antes era "fechado", aberto. Mas neste caso específico, foram os dois, pois o Alejandro Iñárritu o é ambos em "Birdman"; roteirista e diretor.

De toda forma, às vezes mais, às vezes menos, invariavelmente o contador de história (seja em qual área; roteirista ou diretor) tem que ter em mente que o espectador vai pegar aquela obra e torná-la própria. E isso acontece em todo tipo de arte: uma vez que você põe no mundo deixa de ser seu. Cada um vai se relacionar de uma forma e em casos extremos, interpretar de uma maneira.

Você deve tá pensando "porra, Dudu, beleza- mas só tem um possível entendimento do final de Débi e Lóide, né?", mas cara, é muito doido como as pessoas são singulares e, às vezes, mesmo com extrema meticulosidade da parte do contador de história, mesmo com um suposto total domínio do que você tenta colocar em tela, as pessoas consomem da maneira que as convém. E isso que faz tão fascinante - se você levar na boa - assistir alguma coisa sua em sessões públicas.

Numa das primeiras sessões do "Pseudociese", curta-metragem que escrevi e dirigi na faculdade (e também meio que tem um final aberto), eu reparei isso pela primeira vez. Meu goal era contar a história numa vibe meio David Lynch, o que, ao meu ver, contêm uma dose de humor bizarro. Cabem risadas. Mas mil são os fatores que interferem em uma obra coletiva como é um filme e acho que, apesar de estar lá, esta vibe pouco refletiu no público, que se concentrou mais no aspecto "humor" da coisa. Uma comédia absurda e não um absurdo cômico, if you will. E mais, enquanto os homens riam da situação -- Ok, a mera presença do Adnet como personagem principal meio que já condicionava o povo a rir. Ainda mais na época, quando ele começava a bombar na MTV.  Numa outra sessão, um cabrunco soltou uma risada só de ler o nome "Marcelo Adnet" nos créditos iniciais, antes de qualquer fala/ação do filme. Juro por Deus! --, quando conversava com mulheres sobre o filme, elas diziam que até riam, mas, talvez se colocando no papel da Teresa (Liliana Castro), sentiam mais o incômodo e consumiam o filme como um drama psicológico (no pun intended).

Então é muito doido, pois o nome do jogo para o roteirista é o controle absoluto de todos os detalhes que constroem esse mundo chamado roteiro. Mas no momento que você escreve aquele  "FADE TO BLACK." final, é hora de brincar de desapego e, sei lá, botar um sorriso honesto na cara e torcer pelo melhor. A morte mesmo é ninguém querer completar as lacunas intencionais ou não-intencionais. Nosso trabalho é nutrir o filho e mandá-lo ao mundo para que ele o devore ou seja engolido. Ignorado jamais!

E sobre o final específico do Birdman, eu curti. Sabe aquela frase que fala algo tipo "o que importa é a jornada" (e não o destino)? Para mim ela é total verdade. Mas faço um adendo a ela: "toda aventura aponta para um destino condizente com a jornada". Então curti a intenção da "não-resposta" em Birdman porque super cabia em tudo que vinha sendo pregado até ali. Há um trend muito escroto de "deixar claro é diminuir", "difuso = inteligente". Puta burrice isso. O final de "Angel", uma das melhores séries de TV de todos os tempos, é um dos finais mais incríveis que já vi. A última cena não deixa claro se ele e seus comparsas sobreviverão aos trocentos monstros que estão vindo em direção a eles. Eles estão todos meio fudidos. Ensanguentados, mas motivados. Só que tem sei lá... uns 300 pela frente. E um dragão! O vampiro, que por séculos vem buscando fazer o bem, empunha sua espada, olha para seus companheiros e diz "Let's go to work, guys!" e... cut to credits. Mas é PERFEITO para uma série cujo mote sempre foi "não importa o resultado da luta, o que importa é que você lute". É satisfatório. Tanto faz se eles conseguiram matar aquela galera ou não. A mensagem foi passada. Já o final de "The Sopranos", também uma das melhores séries de todos os tempos, fez quase o mesmo alguns anos depois de Angel e criou um suspensezinho não resolvido. A gente até força uma barra, releva e tal, mas a real é que essa opção não fazia tanto sentido com a jornada de todo o resto da série. É meio que um comentário/sacaneada - por esse prisma, sim, genial - do criador da série David Chase em cima da febre que se tornou a série e o modo de seu consumo. Mas story wise? Bem caidinho. (Mas ei, nada mal se você só "jump the shark" na última cena do seu último episódio, né?) Então, para mim, buscar intencionalmente deixar um espaço a ser completado só é legal se condizer com o resto da história que vinha sendo contada. Senão parece preguiça, desleixo, despreparo. E aí o espectador nem sente vontade de continuar a história em sua cabeça, de dialogar com a obra e fazê-la viver fora da tela, após a sessão.

Abraço, Papai do ano!

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