Dirigindo no roteiro

By Eduardo Albuquerque - 5/25/2015



 Esse amigo-do-blog Jeferson Rodrigues... ele dá um trabalhão.

Sempre quando vou escrever alguma resposta a um comentário dele fico pensando "maldito! isso podia ser um post facilmente". É o que acontece quando você tem leitores interessantes e interessados, que apontam sempre coisas pertinentes e diretas, não besteiras que nem valem o nosso tempo... Que bom!

Semana passada enquanto conversávamos - aliás, tem uma galera aí que entra no site e fica só espiando, sem participar. Isso aqui não é BBB não! Aparece aí nos comentários também! - sobre diálogos expositivos, a conversa foi enveredando para um tópico que vejo ser preocupação de muita gente: escrever direções de câmera no seu roteiro.

Achei melhor ao invés de responder nos comentários, colocar em forma de post pra não ficar perdido por aí, afinal é um assunto que merece um destaque individual. Então lá vai:

Contrário à maioria da galera, eu acho que você tem que escrever tudo que seja absolutamente necessário para o entendimento da história e da leitura, incluindo, se necessário, direção de câmera. Mas só realmente o essencial.

Dizer
"ANGLE ON: vinda do teto, uma GOTA DE SANGUE cai no chão. Ficamos nela enquanto o DETETIVE passa por perto sem percebê-la. A tensão cresce enquanto ele vai embora sem notar esta grande evidência de que há algo errado nesta casa!"
é dirigir o leitor/espectador para a construção dramática necessária à aquela história. O detetive não viu algo mas nós, leitores e futuramente pláteia, temos que ver e perceber que ele não viu, logo, precisamos chamar atenção do diretor pra isso e condicionar esse plano sim. Por que sem ele, não vai rolar o que estamos tentando convencionar. Não ouça os radicais; ainda assim, o diretor vai poder escolher o enquadramento, a mise en scene etc. Esta técnicalidade é necessária para entendermos, afinal um roteiro não é uma peça de fim literário e sim técnico. Ele só existe para direcionar a equipe toda a fazer uma obra audiovisual.

Agora... Dizer
"ANGLE ON: um plano fechado que mostra em SLOW MOTION uma gota de sangue caindo bem ao lado da bota do DETETIVE, que não nota. Ele vai saindo dali mas, antes, olha para dentro da sala, quando pulamos para um WIDE SHOT do apartamento vazio, com as sombras da persiana desenhando o chão. A música incidental sobe enquanto ele sai sem notar a gota, que vemos num PLANO DETALHE."
é decupar uma cena e este não é o seu trabalho. O diretor pode preferir outro encadeamento e enquadramento de planos pra contar a mesma parada. O que você tem que convir (e ele seguir) é o básico: caiu uma gota vinda do teto e o cara não percebeu. É isso. Mas não apenas isso. Some à informação básica o clima através do qual isso deve ser sentido pela platéia. E isso se faz como? Não através de chamadas de câmera etc. mas através - aqui sim - do seu poder de literatura, escrevendo com a adequada escolha de palavras, clima e ritmo para que a LEITURA passe o que você quer.

Enfim, as pessoas se perdem muito nestas coisas de "o que pode/o que não pode". Eu acho que é mais "o que deve/o que não deve". Claro que o roteirista pode "dirigir" a cena. Ele deve, até. Só que sua direção deve ser o mínimo técnica possível. Tem que lembrar que ele direciona LEITOR e não ator-câmera. Veja: o Roteirista é o primeiro a contar a história e o faz direcionando o leitor. O Diretor é o segundo a contar a história e o faz direcionando ator+câmera. O Editor é o terceiro a contar a história e o faz direcionando a montagem dos cortes. Mas tudo que fazem é com um intuito apenas (e é o mesmo pra todos): CONTAR A HISTÓRIA. Então use o que for necessário para isso. Mas lembre que vc não dirige câmera e sim leitores, logo ficar chamando enquadramento (direção) e transição (edição) o tempo todo não vai fazer sentido, vai tirar teu leitor daquela magia. Seja econômico e use só quando não houver outra maneira e a sua intenção só consiga ganhar vida com esta interferência específica. Se mesmo com esta noção você se vir ainda muito atrelado a direções de câmera etc nos seus trabalhos, talvez seja hora de pular pro outro lado da... máquina de escrever?

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5 comentários

  1. Obrigado pelo comentário e pela resposta...
    Jeferson

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    Respostas
    1. Oi Eduardo, outro desafio pra você hehehe.
      Nada muito grave, mas estive pensando em algo que um editor de livros comentou em uma másterclass que participei. Ele falou sobre a importância do público-alvo na literatura, principalmente para novos autores que oferecem suas obras há editoras. Como estudo publicidade também é um assunto pertinente porque tudo - na publicidade - gira em torno de atingir o publico alvo.
      Enfim pensei se o roteirista também deveria pensar sobre isso. Algo além da escrita, entende, algo relacionado ao contato roteirista-produtor.
      Não sei se entendeu bem a minha indagação, mas exemplo, um roteirista que está vendendo a sua obra, também deveria ter em mente ou até mesmo escrito uma analise de público-alvo para seu trabalho e pesquisar produtoras com o perfil (ou que tenham feitos trabalhos "promissores" do gênero) e oferecer a eles. A porta que a gente busca abrir, não seria mais fácil.
      Se tiver uma opinião sobre o assunto, por favor, contribua, ou se quiser transformar em post, fique a vontade.
      Jeferson

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    2. Essa nem precisa de post, é curtinha. Claro. Sem dúvidas. Se você pretende ser um roteirista profissional (que recebe pra escrever) tem que escrever pra alguém gostar e comprar/consumir. Se for escrever só pra você (grifo no só), só você vai assistir. Ninguém quer um filme com 1 espectador.

      Da mesma forma, não é pra ficar obcecado com isso, buscando tanto "o outro" que o roteiro já não tem mais nada "seu" (o que provavelmente significa que teu roteiro já não é mais tão bom) . Temos que achar um caminho do meio aí e ele é possível sim.

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  2. A dor-de-cabeça-môr!!!! dos diretores... DETESTAM quando pintam tais 'orientações'. Mas confira, caro Eduardo, roteiros de TV AMERICANOS dos anos 60 e verá o que o meu professor de roteiro sempre dizia: o roteirista antigamente marcava todos planos. E quando digo todos é TODOS mesmo. Aí está Lost in space e outros clássicos da TV americana (feitos na verdade pelos estúdios de cinema).

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