Quebrando Arcos, Temporada e Outlines

By Eduardo Albuquerque - 10/26/2015


 
Ok, você tem a sua idéia e tem certeza que ela foi feita pra TV, pois se trata de um universo interessante que vai te gerar repetição e não um evento extra-ordinário que não pode ser repetido ad eternum. (Certo?) E agora você quer desenvolvê-la e me pergunta qual a diferença nesta hora, em comparação ao cinema.

A diferença é a natureza da disposição da sua história. Você tem que fazer pequenos filmes (episódios) que possam ser curtidos em si e, juntos, contem uma história maior. Isso dá muito trabalho e, como no cinema, onde você não sai escrevendo e descobrindo o que rola depois, você deve planejar o que fazer.

Você vai do macro pro micro.

Primeiro desenvolve o ponto de partida e o de chegada de todos os seus personagens. Pode fazer já pensando em mais de 1 temporada (geralmente parte-se com uma vaga idéia do que vai rolar nas 5 primeiras, pois é o contrato standard produtora-estúdio), mas invariavelmente você faz isso com a primeira temporada. A estudante de medicina vai começar se apaixonando pelo Dr. Bonitão, se dando bem no amor e no trabalho e, ao final, chegará sua nova chefe: a esposa do Dr. Bonitão, que achávamos que era solteiro! O nome disso é "ARCO".

Desenhado isso, pegamos este arco e temos que quebrá-lo em pedaços. São dois processos: primeiro dispomos na quantidade de episódios que sua série tiver (24, 22, 13, 10...), distribuindo as histórias de todos os seus personagens para cada episódio. Do episódio 1 ao 4 ela vai conhecer, ficar  afim, relutar e finalmente pegar o cara. Do 5 ao 9 eles vão curtir essa relação e o cara vai dar muitas mostras de que é o cara perfeito. No 10 ele tá estranho com ela, e a esposa aparece deixando tudo suspenso! O nome disso é "QUEBRAR A TEMPORADA".

A segunda "quebrada" é feita em episódios individuais. Pegamos o que ficou definido quando quebramos a temporada e aplicamos estas decisões em movimentos menores (sequências e cenas). A estudante de medicina acorda atrasada pro seu primeiro dia de trabalho no Hospital por causa de uma bebedeira que rendeu uma noite com um Bonitão. Ela tem que dispensar ele, toda sem jeito, mas o faz. Sai correndo pro trabalho e quando chega o chefe tá atrasado também. Se safou. É quando ele chega e dá de cara com ela: o bonitão da noite passada na verdade é... seu chefe, Dr. Bonitão! De lá ele fica dando em cima dela, acontece x, y e z e no final do episódio eles se beijam... trabalhar nesse hospital vai ser bom! O nome disso é "QUEBRAR O EPISÓDIO" e o documento que sai disso é um "OUTLINE", uma espécie de escaleta, bem fluida.

Agora sim, passado tudo isso, você escreve o roteiro sem se perder.

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5 comentários

  1. Legal! Sempre me questionava sobre esse processo de criação de uma série. Qual o ponto de partida e principalmente, até onde chegar (em termos de história principal). Agora, uma dúvida. Existe um tamanho adequado para cada episódio, independente de gênero? Sempre pensando em roteiro, teríamos o quê, 40/50 páginas para cada episódio? E existe uma adaptação do beat sheet para este formato? Pois se pensarmos que uma série tem uma idéia principal que se desenvolverá durante 1/2/3 temporadas (dentro do planejamento inicial), teríamos que ter parte dessa idéia principal em cada episódio, recheada de surpresas ou "B stories" em cada episódio, que acrescentariam sempre algo a mais na história principal, certo? Confundi?
    Abraço
    (tô só na leitura por enquanto, sem conseguir desenvolver nada... e quando dá. Segundo filho deveria ser mais fácil... deveria...)

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    1. Fala, Zas!

      Sim, tem um tamanho adequado pra cada parada! Nos EUA, um roteiro de "hour long" tem geralmente 40 e poucas paginas. Um sitcom, 22. MAS... um hour long de TV a cabo que não tem comercial costuma chegar na casa dos 50 e muito. Já a minutagem da Globo é mais louca ainda, com "hour longs" podendo chegar a 37 páginas. Sem zoação. Em breve falo sobre isso.

      Sobre o Beat Sheet... Não vale a pena usá-lo muito ao pé da letra na TV não. É outro timming, outro flow. De repente te ajuda em uma coisa ou outra, mas ele é feito para longa. No entanto, fique ligado nos próximos posts, que vou dar exemplos de como algumas pessoas fazem e dissecarei um pouco de estrutura na hora de quebrar os episódios. Estou indo bem tatibitati porque acho que, assim, as maiores "revelações" vão vir até naturalmente pra galera.

      Força, Padre! Beijo no Baby Zastrow!

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  2. Beleza! Acompanho semanalmente.
    Cara, vou te deixar um tema aqui, que acho que merecia um post. Não tem nada a ver com TV e cinema, e ao mesmo tempo, tem tudo a ver com cinema e TV. Li um artigo sobre isso e achei bem legal. É sobre a brasilidade excessiva no cinema brasileiro, um dos principais motivos do baixo público (sem levar em consideração investimento em marketing, distribuição e número de salas do cinema nacional X número de salas do cinema gringo - principalmente filmes de super heróis). O artigo dizia que pecamos por querer dar uma cara muito nacional ao nosso produto, e pecamos por fugir de temas mais amplos, da psique humana mesmo. Exemplo> Quem lê Shakespeare não quer saber sobre a vida na Inglaterra em 1600, e sim quer mergulhar nos dramas e comédias dos personagens que ele criou. No Brasil, pecamos (citando o artigo) por querer dar tanto a "nossa cara" que esquecemos de fazer filmes sobre nós, "seres não brasileiros"... que também amamos, sofremos, temos dúvidas, etc...
    Ainda não consegui ver o teu filme, mas torço para chegar logo no Now (da NET), e poder ver em casa. Mas percebi no trailer que você tem uma pegada (principalmente nos diálogos) mais americana (a cena onde eles tentam virar um cadáver, e a Calabresa fala "sério?", eu escutei - na minha cabeça, claro - "really?", e isso é bem americano). E o porta dos fundos é outro exemplo bastante universal (mais americano, claro, bem SNL).
    Enfim, tens alguma opinião desse excesso de brasilidade, que muitos confundem aqui no Brasil como autoralidade?
    Grande abraço!

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    1. Cara... tenho! Mas vai pedir um post só sobre isso e um tempo para eu concatenar essas idéias! Boa questão, vou ver se coloco isso no Q&A!

      E brigado pelos elogios (sim, sou carente e tomei como elogio hehe). Sobre o "A esperança é a última que morre", essa semana eu tenho novidades sobre ele! Em breve você vai poder ver no conforto da sua casa! Em próximos posts pra não ficar perdido aqui nos comentários!

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  3. Sim! Elogio, claro.
    O teu trabalho e filmes como O Lobo Atrás da Porta (já vi porque está no Now...) e Alemão, séries como O Hipnotizador (acho que é uma co-produção Brasil/Argentina, certo?), Porta dos Fundos e arrisco a dizer, o próprio novo Zorra, da Globo, trazem um frescor para as produções nacionais. São pessoas que estão sabendo misturar o comercial com o autoral, apesar de não gostar dessa última expressão. Compartilho a opinião do gênio Chico Anysio: "Não existe comédia inteligente. Existe comédia boa e comédia ruim". E filmes são assim. Quando tem que se explicar muito o conceito e entra-se nesse mundo da autoralidade fundida com brasilidade... putz... danou-se... Mas esse é um assunto que rende muito papo. E muita polêmica também. Gosto sempre de dizer que sou da geração que cresceu com Spielberg, Fincher, Zemeckis, Columbus, Donner, entre outros. E as vezes entro em conflito com a geração cuca fresca de Goddard, Fellini, Truffaut (sem demérito algum para estes), onde a autoralidade parece transbordar... como uma enchente devastadora... times change...

    Abraço!

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