Super Herois e a Cultura brasileira

By Eduardo Albuquerque - 3/17/2016




De todos os diversos ângulos interessantíssimos do que vem acontecendo no âmbito político do Brasil, um que acho que interessa muito à nós, storytellers do audiovisual brasileiro, é o da nossa relação com heróis.

Sim, heróis. Se hoje o cinema americano vive uma fase prestes a saturar de tanto filme de SUPER herói (dos poderes especiais mágicos, mutantes, sobrenaturais mesmo), nossa escola cultural sempre foi mais européia e mais esquerdista. Tivemos sempre um olhar mais “crítico”. Falamos mais de “Protagonista” do que de “Herói” de uma história. Sei lá, porque “herói” é meio parcial, né? Inocente e ingênuo. E o bom intelectual tem que ser imparcial (que tolice!), absoluto, certo de si. Ou é uma coisa mais de cinismo também. Pode ser. O fato é que é batata; se você escreve um herói como protagonista, um cara sem falhas graves, que busca o certo... vai receber um note dizendo que ele não tá “crível”. Vão chamá-lo de “chato”, dizer que ele tem que ser mais “real”.

Mas o curioso é que no campo da vida real, o caminho é outro. Os brasileiros estamos a todo momento procurando Heróis. Seja ele o salvador da pátria da semana, seja ele um supostamente velho conhecido. Jogamos toda nossa esperança em alguém que não temos a menor idéia de quem é de fato. E pior, ele não tem a menor - repito, a MENOR! - idéia de quem VOCÊ individualmente é. Mas seguimos. Defendemos, brigamos com nossos amigos que não veem do mesmo jeito que nós. E, cedo ou tarde, os caras cometem o terrível crime de serem humanos e não agirem de acordo com os princípios que você setou (por conta própria) pra eles e decepcionam a todos, porque... ele não era um herói no final das contas. Alguns reconhecem que foram enganados, outros não aguentam admitir o próprio erro e preferem continuar defendendo seus ídolos contra a lógica. Mas cedo ou tarde descobre-se: eram falhos e não mereciam o foro privilegiado (pra usar a linguagem atual) de um super herói.

Como explicar isso? Não deveria ser o contrário? A história contada geralmente fala muito sobre quem a conta. Então, esta descrença no herói/crença no humano cheio de defeitos não deveria ser reflexo de uma sociedade mais pragmática, que não se apaixona por qualquer candidato à capa e sunga pra fora da calça? Ou será que, ao contrário, nos falta mais heróis “irreais”, menos “críveis” nas nossas histórias para que discutamos mais a impossibilidade de existência deles e, com isso, entenderemos que trata-se apenas de uma alegoria, uma utopia que deve ser buscada mas nunca será de fato alcançada? Entenderemos que o que há de especial nessas histórias é a compreensão de que esta noção do Herói é “alienígena” e, por tal motivo, quando acaba a história o Herói sempre volta pra sua montanha/isolamento, pois ele é especial e não pode andar conosco. O monstro está sempre na gente. Dentro de nós: o monstro somos nós. E não queremos/podemos contaminá-lo.

E isso que é o “legal” das histórias com Heróis. É um espelho do mundo bizarro e otimista onde não somos nós o grande problema, onde não somos nós quem tem de arregaçar as mangas e fazer o trabalho e os sacrifícios mais difícieis, pessoais e perenes para que o todo seja consertado e funcione a contento. É alguém “especial”, com super poderes e uma apresentação sedutora, que chegará de maneira mágica, fará tudo sozinho enquanto nós só admiraremos. Nosso papel é, ao final, se tanto, agradecer sãos e salvos (e mimados, pois não fizemos nada, então estamos contando que se outra ameaça surgir, ele volta para o sequel) enquanto o Herói vai embora rumo ao pôr do sol.

O preocupante é acharmos que isso é uma possibilidade real e não uma construção fictícia. Ainda que filmes/histórias retratem a vida e dialoguem com ela, nem sempre a vida autoriza esse “baseado em fatos reais”.

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6 comentários

  1. Perfeito Eduardo. Livre de posições políticas, precisamos focar mais em ações e menos em ídolos, salvadores da pátria. Eles não existem (Nem Moro, nem Lula, pra (não) agradar os dois lados). São as circunstâncias que os definem. Bem parecido com roteiros, não é? Coloque seu "herói" numa circunstância atípica e ele revelará suas verdadeiras ambições. Vivemos um momento histórico, e gosto de uma frase de um filme no Nolan (Dark Knight) que diz mais ou menos assim:

    "Ou você morre como herói, ou vive o suficiente para se tornar o vilão". É demais. A frase e o filme.

    Aliás, gostaria muito de ver filmes com tom político em nosso cinema. Temos muita coisa pra retratar.

    Um abraços

    Zas

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    1. Subscrevo, Zas!

      Agora sobre os filmes políticos no Brasil... em matéria de "tom", agenda, proposta... acho que a maioria dos filmes brasileiros são; raros mesmo são os que tem em primeiro plano focal um drama meramente humano. Sem levantar bandeiras.

      Mas filme com história política, de fato, é bem raro. Acho que é o medo de mexer nesse vespeiro e todo aquele problema de direito autoral de imagem (que já cobri nesse post http://www.saladosroteiristas.com.br/2015/06/uso-de-material-biografico-sem.html). Espero que, agora liberado, as pessoas arrisquem mais. Adoro esse tipo de filme.

      Abs!

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  2. É que essa ambiguidade dos personagens políticos gera tramas e principalmente diálogos incríveis. Políticos não dão ponto sem nó, então uma frase agora pode (e vai) representar algo maior lá na frente. E normalmente eles falam sempre com cuidado, pesando muito bem as palavras. As vezes, falam pouco, mas cada palavra tem um poder incrível (claro, tô desenhando um personagem fictício agora, na minha cabeça), mas esses indivíduos são sempre enigmáticos, muitas vezes cínicos, irônicos.

    Tudo pelo Poder (com o George Clooney) é bem assim. Jogo de interesses, frases pela metade, falsidade. Acho isso muito envolvente. Sempre tem algo escondido. Aqui no Brasil tem material (real, por incrível que pareça), que dariam ótimos filmes políticos. Não é comum, mas no futuro muita coisa deve aparecer. Espero.

    Valeu!

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  3. É o último comentário, prometo...

    Entrando agora na situação atual do país, imagina a tensão que viveu aquele acessor do Delcídio que gravou uma conversa com o Mercadante. Vi os carros pretos levando o Lula para o aeroporto. Já imaginei uma história tensa de um funcionário do aeroporto que precisa fazer o embarque do ex-presidente através de uma entrada alternativa, enquanto os protestos se aproximam do aeroporto. A tensão cresce enquanto este funcionário é obrigado a ficar sozinho com um ex-presidente acuado. Os diálogos são tensos. Lá fora a tensão aumenta. Algo intimista, sabe?

    Ou então, algo maior, envolvendo financiamentos de campanha milionários. Grandes obras superfaturadas e um funcionário dentro de uma grande estatal descobre. Mas não tem pra quem levar a informação. Não confia em ninguém. E seus superiores começam a desconfiar de suas suspeitas, de seu comportamento. Ele precisa agir, mas quanto mais se aprofunda, mais vê seu nome sendo implicado indiretamente. Ele participou das licitações. Foi usado. O que fazer?

    hahahaha, me empolgo com esses "cenários"

    Abraço, e agora fui... de verdade.

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    1. Um filme da Lava-jato na vibe do "Spotlight" ia ser muito foda. Você tem até a estrutura facilitada por conta das "fases" da operação, né? São meio que os pontos da estrada do "Golden Fleece"/"Quest" movie.

      Eu mesmo já me peguei imaginando opening e closing image de um provável filme desses. Opening ia ser alguém da DF num carro no lava-jato de um posto da BR. A máquina vai começar a se movimentar quando entra o informante (deep throat) no carro. O cara da DF questiona a escolha do lugar "haha, muito espirituosa a escolha do lugar" e o informante diz que não pode passar uma boa piada. E avisa pela primeira vez, para espanto do cara da PF, que há indícios de que o esquema é muito maior do que eles pensam e pode chegar até lá em cima. Lá em cima onde? "Bem em cima", diz ele. (e aí tem a investigação toda, 2 horas de filme quando...) closing image dos políticos presos pela investigação na prisão entrando no banheiro coletivo pra tomar banho.

      Mas isso é um exercício/brincadeira. Até tenho lido que já tem uma galera fazendo filme da operação lava-jato mas acho de uma pressa amadora e até inútil; a parada ainda tá em curso. Ainda tem muita água(ha!) pra rolar.

      PS: que mané último comentário. Escreva o quanto quiser! Abs!

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  4. hahahaha, muito bom. Também acho cedo demais. Ainda tá rolando e deve vir coisas cabeludas por aí. Mas realmente tem muito material.

    Tempos atrás, vi uma entrevista com o roteirista do filme Crash (quele que ganhou o Oscar, e não aquele "semi pornô" do Cronemberg), e ele disse que um roteirista não enxerga o mundo da mesma maneira que os outros. Segundo ele, Crash surgiu depois que ele foi assaltado (se não me engano). E, ao invés de ficar puto, ficou pensando como seria a vida desse cara. Ficou criando histórias. E acho que é isso mesmo. A gente vê de outra maneira. Começa a imaginar situações, personagens, enredos. Não aceita somente como mais uma notícia ou mais um fato. Tem sempre o "mas como?", "será que?" e o melhor: "e se?".

    ps: Fui procurar agora no google, e aparentemente não era o Paul Haggis na entrevista... Era outro senhor, grisalho... Mas tá valendo...

    Abraço

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