Workflow

By Eduardo Albuquerque - 5/16/2016


 
Ser roteirista de cinema pode ser uma dádiva tanto quanto um martírio e em grande parte o que define isso é o workflow do seu trabalho. A boa notícia é que o responsável pela determinação deste workflow é você, afinal você é seu próprio chefe; faz suas próprias horas. Cada pessoa tem suas manias, preferências, timing etc. então não tem como dizer o que é certo ou errado, mas neste post vou falar coisas sobre esse assunto que descobri que são verdadeiras para mim e, quem sabe, podem funcionar com você  ou ao menos acender alguma lâmpada na sua cabeça:


  • Feche a porta e deixe o trabalho lá dentro

Antigamente eu morava num apartamento que era um Quarto-Sala. Sim, não era um Quarto E Sala (nem um Studio); era uma sala que embicava pro outro lado e, assim, criava um outro ambiente, onde ficava meu quarto: minha cama e uma longa bancada onde ficava o meu "escritório". Tinha na parede um quadro de cortiça e na outra um quadro branco, laptop e cpu na bancada... era um setup bem maneiro. Mas tinha um problema muito grande que demorei muito para compreender e diagnosticar. Um problema desses de filme, onde o que eu achava que era uma benção era na verdade uma maldição: meu trabalho ficava a dois passos da minha cama.

Não, eu não ficava tentado a deitar e dormir. O problema é o seguinte: naturalmente nós, escritores, nunca paramos de trabalhar. Na fila da padaria, no taxi, jantando com quem amamos, fazendo emplacamento no DETRAN... estamos sempre observando e absorvendo o mundo ao nosso redor, tentando de alguma maneira ver se algo dali cabe como resposta a qualquer dúvida que tenhamos em o que quer que estejamos escrevendo. Portanto, é mais vital ainda que consigamos ter algo simbólico que demarque em nossas cabeças que é o fim do expediente. No meu caso, eu não tinha uma porta que eu pudesse fechar e deixar meu trabalho lá dentro. Literalmente! O Quarto-Sala tinha um portal grande da Sala pro Quarto. Eu podia voltar a qualquer momento pro computador. Eu nunca me sentia fora daquele ambiente. E isso foi acabando comigo. Minha cabeça não desligava. Ou nem ligava pra começo de conversa.

Pode parecer frescura, rigor demasiado, mas é na verdade um truque muito tolo do qual nossa cabeça necessita. Nesta época minha namorada trabalhava na Tijuca (o quarto-sala era no Jardim Botânico) e, pra ir ou voltar, ela levava quase 1 hora. Pegava ônibus, via novos cenários, papeava com sua ex-colega de trabalho. Ao chegar em casa, ela já estava muito distante do trabalho (literalmente) e, com isso, chegava "nova" (ainda que cansada por conta do péssimo escoamento de transportes do Rio de Janeiro) num novo mundo. Tanto em casa quanto no trabalho, ela conseguia render mais. Eu não conseguia nem quantificar o meu trabalho, dizer qual dia foi o quê. Afinal de contas, o que mudava de dia pra dia? Passei a - mesmo com todo o conforto e economia de se trabalhar em casa - sair pra trabalhar na rua. Entendi que rituais são importantes: você coloca uma roupa, anda até o lugar (Shopping, Starbucks, qualquer lugar seguro com ar condicionado e internet), vê pessoas. Aos poucos consegue dizer "Ah, isso foi naquele dia que vi acontecer isso e aquilo". Aos poucos você vê o trabalho se materializando sem a sensação de que não está indo pra frente - pois, fundamentalmente, quando se trabalha de casa, todo dia é igual - e consegue paz de espírito, desligando a cabeça pelo menos um pouquinho mais, pois quando chega em casa do trabalho, você chega em casa do trabalho.


  • Menos quantidade, mais qualidade
Eu costumava trabalhar o dia inteiro. Acordar, ir pro computador, escrever até o almoço (que levava um tempinho: envolvia cozinhar a comida, comer e lavar a louça) e depois voltar a escrever até o fim da tarde quando minha namorada retornava pra casa. Mas no meio disso aí rolava muita procrastinação, a cabeça travava, eu ficava passeando pra lá e pra cá pensando em soluções, aí voltava um pouquinho, tinha a atenção quebrada de novo e por aí ía. De um tempo para cá, tanto pra testar algo diferente quanto um pouco por necessidade, passei a trabalhar menos horas. Tipicamente umas 3 horas (e olhe lá!) ou até onde minha atenção e gás durassem. A diferença é que essas 3 horas eram muito focadas.

Idealmente vou para algum lugar bastante impessoal (tipo um Starbucks da vida) onde não haverá interrupções e reina o ruído branco e, sem internet no meu computador, evitando ao máximo qualquer pesquisa - anoto coisas a pesquisar em outro documento e deixo no roteiro algum asterisco referindo-se a isso - sento o dedo na escrita. Mas quando acabam as 3 horas ou bato num muro bem grande, levanto as mãos pro alto e falo "Por hoje é só, pessoal!" (mas sem gaguejar). Às vezes nem levo o carregador para me forçar a parar ao término da bateria.

No começo ficava achando que tinha arrumado uma desculpa pra trabalhar menos. 3 horas por dia não parecia trabalho de verdade. Estaria eu trapaceando a mim mesmo? Mas o curioso que notei é que o número de páginas realizadas não diferia muito no início e no longo prazo fazia uma grande diferença positiva, porque quando você cansa menos sua cabeça para a história, a trama costuma sair mais facilmente e com menos "defeito" pra ser consertado depois. É como se ficar martelando e martelando os Homenszinhos que moram no fundo da sua cabeça fizesse eles uma hora dizer "porra, saímos pra descansar porque tu tá muito chato. Se vira!", enquanto trabalhando apenas aquelas 3 horas e parando quando o gás acaba, sem nem tentar espremer um pouquinho mais de suco, você os deixasse em paz e com tempo hábil pra já ir trabalhando em coisas que estão mais à frente na história. E aí você se pega sentindo até preocupado porque está tudo saindo tão tranquilamente. Coisas que você nem "pensou" estão quase sendo "psicografadas". Ou seja, os Homenszinhos não trabalham sobre demanda! Independente de você passar fax pedindo pra ajudar, eles já estão lá, proativos pra caramba, pensando nos problemas que você pode enfrentar e buscando soluções. Tem uma sala de roteiristas lá dentro! Dê tempo e qualidade de vida pra eles (e pra você!), que, se bobear, você nem vai precisar pedir foco em alguma questão específica; eles já vão mandar o trabalho basicamente pronto pra você.

  • Trabalho em dois turnos
O bom das 3 horinhas é que podem haver vezes onde você trabalha esse período, pára, muda de cenário pra espairecer e aí volta a trabalhar mais 3 horinhas. Passei a fazer isso em momentos de aperto (ou simplesmente pra testar; eu gosto de trabalhar): eu saía de casa, cumpria minhas 3 horinhas, voltava, almoçava, tirava soneca, ia pra academia, corria na esteira vendo TV ou lendo um livro. Por essa hora eu já tinha me esquecido do trabalho e os Homenszinhos já tinham trabalhado itens mais à frente da pauta (talvez seja tipo os anos pra cachorros e as horas dos Homenszinhos passem mais rápidas que as nossas); eu voltava pro Starbucks, trabalhava mais um pouco e voltava pra casa já no começo da noite com a cabeça pronta pra qualquer coisa que não trabalho. Mas acho que usar muito essa estratégia não é a boa. Acaba forçando os músculos cerebrais e enfurecendo os Homenszinhos. Ninguém quer isso. Sinta o seu corpo (sua cabeça), pois, todo chefe é responsável pela saúde do seu empregado, e, no caso, ambos são você.

E você? Como você dita seu ritmo de trabalho? E o espaço de trabalho; como interfere na sua produtividade e sanidade mental? Fala aqui embaixo nos comentários! Seu processo pode ajudar outras pessoas!

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4 comentários

  1. Bah... vamos lá:
    06:00 acordo... banho... café.... colo pra pequena... bronca na mais velha... dentes escovados... saio pro trabalho
    08:15 entro no escritório... ligo o PC... pago contas... fecho o caixa do dia anterior... girada pela world wide web (face, notícias, sala de roteiristas)
    09:00 começo a escrever... me ligam do atendimento... formulo uma fórmula para academia (BCAA + Glutamina + anti radicais livres)... cliente diz que vai pensar (se liga novamente)... volto a escrever
    10:00 duas páginas (péssimas) em andamento... cliente manda e-mail... formulo um composto vitamínico com minerais (Complexo B + C + E + zinco + selênio - ninguém sabe da importância do selênio - + magnésio)... cliente aprova... vai pro laboratório
    11:00 encerro a escrita... verifico o andamento das formulas no laboratório... atendente vem conversar comigo devido a um problema de relacionamento com outro colaborador... marco uma reunião (praticamente um acareação)... faço um creme para o corpo, uma loção hidratante e um minoxidil para evitar a queda de cabelos... deixo para a tarde um xarope de imipramina e um ácido retinóico...

    Das 11:30 às 13:00 almoço... cuidar da pequena... almoço... obrigar a mais velha a comer... almoço... almoço... descanso no sofá (enquanto cuido da pequena)... levar a mais velha pra escola

    14:00 atendo um cliente (aquele da formula pro treino. Quer ver se dá para baratear um pouco)... contabilidade me liga pedido algumas planilhas (digo que mando depois, outra vez)... cliente manda whats pedido uma sertralina sem receita (digo que não, 10X)... faço cotação com fornecedores

    15:30 café + um pouco de escrita no Pai de Meninas - Manual em Português... cliente pede medicação via e-mail... procuro na www textos para gravar na rádio local (sobre saúde, claro)... mais uma navegada aleatória na www... entro no laboratório pra fazer o xarope e o creme que ficou pendente de manhã... volto pro escritório... hora de rever o texto pro Pai de Meninas... mais uma conferida no laboratório... mais uma conferida no texto

    17:00 publico o texto... fecho o caixa do dia... atendo mais um cliente que quer uma sugestão de formulação para emagrecer (claro... quem não quer...)... corrijo erros no texto publicado... mais um café... www (livros e blu rays em promoção... ou não)...

    18:00 time to go home...

    18:45 às 21:30 afazeres domésticos (janta, banho, banho, janta, birra, choro, mamadeira, arrumação da sala, uma cervejinha, mais arrumação, remédio pra cachorra que comeu pedra pela terceira vez e teve que fazer cirurgia pela terceira vez, crianças na cama)

    21:31 sofá... zzzzzzzzzzz

    Mais ou menos por aí. Tem uma margem de erro de 5%

    Abraço! (logo logo encontro mais tempo)

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    Respostas
    1. Caraca, Zas!
      Parabéns por conseguir nisso tudo ainda escrever um pouco! E me deu uma responsa agora pra escrever coisas relevantes vendo que estou no seu schedule de coisas!

      Agora, transplantando o primeiro item do post para seu trabalho como pai, fiquei pensando como tem mães "donas de casa" e como pode ser estafante esse trabalho. Porque elas não podem "fechar a porta e deixar o trabalho lá dentro", né? Elas estão o tempo todo no local de trabalho. Much respect to moms. E much respect to DADS como você que põem a mão na massa! Não chegam do trabalho e querem relaxar, entendem que a companheira ficou em casa ralando também!

      Dificilmente conseguirei, mas gostaria muito de ter uma situação financeira tranquila pra poder tirar junto com a minha namorada a licença maternidade de 6 meses e poder curtir e dar todo o suporte ao meu filho/filha nesse início, que deve ser o mais difícil.

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  2. É F** cara. Amo minhas filhas mas te digo que dois filhos é F***. Pra mãe é ainda mais punk. Temos uma empresa, então temos a oportunidade de manter as filhas o primeiro ano inteiro com a mãe em casa. Mas poucos conseguem isso. E mesmo sabendo a importância disso, tem horas que eu sei que minha esposa preferiria estar no trabalho, ao invés de ficar em casa com as duas. Por isso, em muitos de meus textos, presto uma homenagem a ela.

    Mas cara, choices, right? Tem momentos que eu penso: pô, queria ter tempo de ler mais e escrever mais. Quem sabe mais pra frente. Por enquanto, vivo (e escrevo) pra elas. Pras 3.

    Abraço (e sim, não tem um dia que não entro na tua página).

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  3. O resumo da vida de pai em 30 segundos...
    Esse é um texto que eu gostaria de ter escrito.

    https://www.youtube.com/watch?v=rPpE8OQo9Y0

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