Uma das minhas primeiras birras pré-adolescentes, eu lembro, foi com o filme “Welcome to the Dollhouse” (1995) de Todd Solondz. Sem ver o filme, no máximo alguma parte do trailer, ficava puto de ver o bonequinho do O Globo batendo palma de pé para um filme “tosco e cafona”. Era um absurdo todo mundo estar falando bem daquele filme – a crítica era bem animada, dizendo que era um filme nota 10 – enquanto o “Space Jam” e “The Rock” eram no máximo o bonequinho sentado vendo o filme.
Que adorável nerdzinho eu era, não?
Anos depois - nem lembro porque assisti; faculdade? – este filme foi responsável também por um dos meus primeiros momentos “oh, wow... como eu era idiota”.
Que incrível pequeno grande filme. Eu adoro tudo nele. O roteiro, os atores, direção, arte, o figurino, a música... – além dos hits “Happy Anniversary” e a faixa tema, eu sempre imagino o somzinho da guitarra + tons da batera quando estou puto, querendo destruir algo.
O filme tem até um dos irmãos Hanson fazendo a rival da Dawn =P
Mas vamos lá: lembra que num dos meus primeiros posts indiquei dois livros de roteiro pragmáticos para o jovem roteirista se familiarizar com o que acredito ser a melhor forma de estruturar roteiros de filmes? Entendo que unindo ambos você tem o esqueleto + os músculos para criar um corpo chamado "roteiro de filme". A alma é você que traz, não se encontra em nenhum dos dois livros. No entanto, eu vejo a alma deste como uma crítica a um elemento muito presente no livro que seria o responsável pelo músculo, a "Jornada do Escritor" de Christopher Vogler. Não o livro especificamente. Mas a absorção de uma mitificação exacerbada nos passos lógicos de uma estrutura de filme. É fácil entender o porquê disso; é muito recente a escolha de assuntos banais, personagens comuns e tramas não-épicas quando pensando uma história. Antes tudo tinha que ser vida-ou-morte, ame-ou-deixe-o. Mas a vida não é bem assim. E logo logo filmes como esse, e outras tantas obras de livros etc., chegaram e disseram: ei, nem sempre isso é necessário para pagarmos R$30, aguentar 1 hora e 30 na cadeira do cinema e se sentir recompensado por isso.
Mas sabe o que é sempre necessário? Algum tipo de estrutura. A vida é muito caótica; o ser humano não-esquizofrênico precisa de uma lógica. Ainda que fluindo bastante em seu storytelling - trata-se, até onde eu sei, de um dos primeiros expoentes da estética do fluxo - as bases de sustentação de uma estrutura, estão lá em Welcome to the Dollhouse. Uma fundação firme executada pelo engenheiro (roteirista) para que - aí sim - o arquiteto (diretor) pire no aproveitamento daquele espaço.
Vejamos; é um filme que não se resolve em si mesmo no sentido clássico? Eu acredito que sim. A vitória final é a "aceitação" de sua derrota. O que não há é a "catarse", a vitória, pois catarse = mitificação. A brilhante cena final mostra Dawn Wiener deixando de lutar/se integrando no inferno que a vida é, sendo mais um grão no deserto, rumo ao símbolo máximo da mitificação infantil, a "casa de bonecos": Disney World.
Heather Matarazo e o perfeito final para esse filme; a "aceitação" de sua derrota.
De certo que há um Catalisador, um fato através do qual se desencadeia uma história: o aparecimento de Steve Rodgers na vida de Dawn. Há claramente um Midpoint, uma falsa derrota quando Brandon vai “estuprar” Dawn e ela dá o seu primeiro beijo e sente borboletas (será que agora tudo mudará?) e um All is Lost quando Missy é seqüestrada por culpa de Dawn e Brandon é expulso do colégio e resolve fugir de casa. E tem até um terceiro ato com Dawn se mexendo para resolver as coisas... e falhando em todas elas. Parece frouxo, não? Steve Rodgers não faz Dawn mudar nada e o Catalisador é descrito como o fato que ocorre e deixa o Herói sem qualquer opção que não mudar/agir. Missy ser sequestrada é uma falsa vitória e pouco põe a perder, já que Dawn já não recebia muito amor de ninguém... o All is Lost deveria ser "ela agora está pior do que quando o filme começou" e é difícil dizer isso, uma vez que a trama se dá toda em uma linha flat dentro do campo “Dawn está na merda".
Mas esse é o lance. Essa é a proposta do filme. Welcome to the Dollhouse é um painel de um mundo. Através daquela ambientação o espectador interage e no fim é isso. É um sem propósito proposital. Ao contrário do que toda estrutura de roteiro diz , "a mudança não é inevitável" na história de Dawn Wiener. Pelo contrário; ela parece quase inalcançável. Nossa protagonista - porque o ponto do filme é exatamente acabar com a parte do "mito", do "herói"; não tem nada nobre nela, é apenas a pessoa cujo a história resolvemos ver - vive uma vida que, como todas outras, dispõe de seus problemas e unicidades e ao final do filme, apesar da ida para a Disney World, ela continuará tendo aqueles mesmos problemas, não aprendeu uma grande lição, nem deixou de aprender. Apenas flutuou, fluiu e isso passou.
"Wiener Dog", a prova de que o tônus não precisa ser mítico; apenas relacionável
Aquele papo: pra saber subverter as regras, tem que conhecê-las, e, por isso, eu, tão temente à estrutura, venho fazendo reflexões sobre filmes assim. Para que a gente a conheça mais e entenda mais a funcionalidade e efetividade dela. Estabelecendo esses paralelos, podemos pensar o que é irredutível a um roteiro. E, se semana passada vimos que, para suplantar uma estrutura frouxa, sem "stakes" (sem trocadilhos) Chef se apoiou na pornografia visual e num fun and games eterno de apenas good vibes, sem setups e payoff, aqui a força do filme se dá no reverso, um “guilty pleasure” de ver aquilo que é o contrário do sonho americano (o pesadelo americano?); um contraponto ao contemporâneo “Patricinhas de Beverly Hills”. Aquele nervoso de não conseguir tirar os olhos, tipo quando passamos por uma batida de carro. O roteiro fisga o espectador consistentemente com um dos melhores trabalhos de If-Then em diálogos que eu já vi. Você nunca espera o que vem em seguida. Mas sem ser uma coisa Wes Anderson, de esquisitice inesperada. É só uma questão de “caraça, não acredito que conseguiram, de maneira lógica, aumentar ainda mais o conflito”. O mundo comum desse filme é impagável. Contundentemente te insere nesta realidade, onde até mesmo o nerdzão que acabou de ser porrado pelos bullys, dá uma mijada em Dawn, quando ela tenta dar-lhe suporte.
Vozes: excelentes. Diálogos (embate de vozes escalonados em If-Then): sensacionais.
Welcome to the Dollhouse é um mundo cruel porém muito justo com o espectador e com os personagens. Não menospreza a inteligência de nenhuma dos dois. É horizontal – sem ser visto de cima pra baixo. Honesto, sem firulas, sem demagogia, fornece as ferramentas necessárias para que entendamos o que ele fala e, assim, dialoga e não panfleta. Discute e não briga.
O curioso é que mesmo na época, ele não parecia ser feito... naquela época. Nem antes, nem depois. Welcome to the Dollhouse é atemporal. O tipo de filme que eu gostaria de ter feito.*
*Não que alivie a barra do bonequinho; The Rock e – especialmente - Space Jam são filmaços! Mereciam mais.
3 comentários
Eu assisti esse filme ha mto tempo atras e lembro q achei chatinho...
ResponderExcluirE normalmente eu gosto de filmes com antiheroinas... Me identifico :P
ResponderExcluirE space jam mercia uma bonequinho aplaudindo em pe sim!!!!
Dra. Mayer!
ExcluirQue legal ver seu comentário aqui.
Ah, natural você não gostar. Você, se vivesse nesse mundo, ia zoar muito a WienerDog também. (Quem não iria?)
Space Jam 4ever!
beijão!