RESENHA: Welcome to the Dollhouse

By Eduardo Albuquerque - 2/11/2015



Uma das minhas primeiras birras pré-adolescentes, eu lembro, foi com o filme “Welcome to the Dollhouse” (1995) de Todd Solondz. Sem ver o filme, no máximo alguma parte do trailer, ficava puto de ver o bonequinho do O Globo batendo palma de pé para um filme “tosco e cafona”. Era um absurdo todo mundo estar falando bem daquele filme – a crítica era bem animada, dizendo que era um filme nota 10 – enquanto o “Space Jam” e “The Rock” eram no máximo o bonequinho sentado vendo o filme.

Que adorável nerdzinho eu era, não?

Anos depois - nem lembro porque assisti; faculdade? – este filme foi responsável também por um dos meus primeiros momentos “oh, wow... como eu era idiota”.

Que incrível pequeno grande filme. Eu adoro tudo nele. O roteiro, os atores, direção, arte, o figurino, a música... – além dos hits “Happy Anniversary” e a faixa tema, eu sempre imagino o somzinho da guitarra + tons da batera quando estou puto, querendo destruir algo.

 O filme tem até um dos irmãos Hanson fazendo a rival da Dawn =P

Mas vamos lá: lembra que num dos meus primeiros posts indiquei dois livros de roteiro pragmáticos para o jovem roteirista se familiarizar com o que acredito ser a melhor forma de estruturar roteiros de filmes? Entendo que unindo ambos você tem o esqueleto + os músculos para criar um corpo chamado "roteiro de filme". A alma é você que traz, não se encontra em nenhum dos dois livros. No entanto, eu vejo a alma deste como uma crítica a um elemento muito presente no livro que seria o responsável pelo músculo, a "Jornada do Escritor" de Christopher Vogler. Não o livro especificamente. Mas a absorção de uma mitificação exacerbada nos passos lógicos de uma estrutura de filme. É fácil entender o porquê disso; é muito recente a escolha de assuntos banais, personagens comuns e tramas não-épicas quando pensando uma história. Antes tudo tinha que ser vida-ou-morte, ame-ou-deixe-o. Mas a vida não é bem assim. E logo logo filmes como esse, e outras tantas obras de livros etc., chegaram e disseram: ei, nem sempre isso é necessário para pagarmos R$30, aguentar 1 hora e 30 na cadeira do cinema e se sentir recompensado por isso.

Mas sabe o que é sempre necessário? Algum tipo de estrutura. A vida é muito caótica; o ser humano não-esquizofrênico precisa de uma lógica. Ainda que fluindo bastante em seu storytelling - trata-se, até onde eu sei, de um dos primeiros expoentes da estética do fluxo - as bases de sustentação de uma estrutura, estão lá em Welcome to the Dollhouse. Uma fundação firme executada pelo engenheiro (roteirista) para que - aí sim - o arquiteto (diretor) pire no aproveitamento daquele espaço.

Vejamos; é um filme que não se resolve em si mesmo no sentido clássico? Eu acredito que sim. A vitória final é a "aceitação" de sua derrota. O que não há é a "catarse", a vitória, pois catarse = mitificação. A brilhante cena final mostra Dawn Wiener deixando de lutar/se integrando no inferno que a vida é, sendo mais um grão no deserto, rumo ao símbolo máximo da mitificação infantil, a "casa de bonecos": Disney World.

Heather Matarazo e o perfeito final para esse filme; a "aceitação" de sua derrota.

De certo que há um Catalisador, um fato através do qual se desencadeia uma história: o aparecimento de Steve Rodgers na vida de Dawn. Há claramente um Midpoint, uma falsa derrota quando Brandon vai “estuprar” Dawn e ela dá o seu primeiro beijo e sente borboletas (será que agora tudo mudará?) e um All is Lost quando Missy é seqüestrada por culpa de Dawn e Brandon é expulso do colégio e resolve fugir de casa. E tem até um terceiro ato com Dawn se mexendo para resolver as coisas... e falhando em todas elas. Parece frouxo, não? Steve Rodgers não faz Dawn mudar nada e o Catalisador é descrito como o fato que ocorre e deixa o Herói sem qualquer opção que não mudar/agir. Missy ser sequestrada é uma falsa vitória e pouco põe a perder, já que Dawn já não recebia muito amor de ninguém... o All is Lost deveria ser "ela agora está pior do que quando o filme começou" e é difícil dizer isso, uma vez que a trama se dá toda em uma linha flat dentro do campo “Dawn está na merda".

Mas esse é o lance. Essa é a proposta do filme. Welcome to the Dollhouse é um painel de um mundo. Através daquela ambientação o espectador interage e no fim é isso. É um sem propósito proposital. Ao contrário do que toda estrutura de roteiro diz , "a mudança não é inevitável" na história de Dawn Wiener. Pelo contrário; ela parece quase inalcançável. Nossa protagonista - porque o ponto do filme é exatamente acabar com a parte do "mito", do "herói"; não tem nada nobre nela, é apenas a pessoa cujo a história resolvemos ver -  vive uma vida que, como todas outras, dispõe de seus problemas e unicidades e ao final do filme, apesar da ida para a Disney World, ela continuará tendo aqueles mesmos problemas, não aprendeu uma grande lição, nem deixou de aprender. Apenas flutuou, fluiu e isso passou.

"Wiener Dog", a prova de que o tônus não precisa ser mítico; apenas relacionável

Aquele papo: pra saber subverter as regras, tem que conhecê-las, e, por isso, eu, tão temente à estrutura, venho fazendo reflexões sobre filmes assim. Para que a gente a conheça mais e entenda mais a funcionalidade e efetividade dela. Estabelecendo esses paralelos, podemos pensar o que é irredutível a um roteiro. E, se semana passada vimos que, para suplantar uma estrutura frouxa, sem "stakes" (sem trocadilhos) Chef se apoiou na pornografia visual e num fun and games eterno de apenas good vibes, sem setups e payoff, aqui a força do filme se dá no reverso, um “guilty pleasure” de ver aquilo que é o contrário do sonho americano (o pesadelo americano?); um contraponto ao contemporâneo “Patricinhas de Beverly Hills”. Aquele nervoso de não conseguir tirar os olhos, tipo quando passamos por uma batida de carro. O roteiro fisga o espectador consistentemente com um dos melhores trabalhos de If-Then em diálogos que eu já vi. Você nunca espera o que vem em seguida. Mas sem ser uma coisa Wes Anderson, de esquisitice inesperada. É só uma questão de “caraça, não acredito que conseguiram, de maneira lógica, aumentar ainda mais o conflito”. O mundo comum desse filme é impagável. Contundentemente te insere nesta realidade, onde até mesmo o nerdzão que acabou de ser porrado pelos bullys, dá uma mijada em Dawn, quando ela tenta dar-lhe suporte. 

Vozes: excelentes. Diálogos (embate de vozes escalonados em If-Then): sensacionais.

Welcome to the Dollhouse é um mundo cruel porém muito justo com o espectador e com os personagens. Não menospreza a inteligência de nenhuma dos dois. É horizontal – sem ser visto de cima pra baixo. Honesto, sem firulas, sem demagogia, fornece as ferramentas necessárias para que entendamos o que ele fala e, assim, dialoga e não panfleta. Discute e não briga.

O curioso é que mesmo na época, ele não parecia ser feito... naquela época. Nem antes, nem depois. Welcome to the Dollhouse é atemporal. O tipo de filme que eu gostaria de ter feito.*


*
Não que alivie a barra do bonequinho; The Rock e – especialmente - Space Jam são filmaços! Mereciam mais.

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3 comentários

  1. Eu assisti esse filme ha mto tempo atras e lembro q achei chatinho...

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  2. E normalmente eu gosto de filmes com antiheroinas... Me identifico :P
    E space jam mercia uma bonequinho aplaudindo em pe sim!!!!

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    Respostas
    1. Dra. Mayer!
      Que legal ver seu comentário aqui.

      Ah, natural você não gostar. Você, se vivesse nesse mundo, ia zoar muito a WienerDog também. (Quem não iria?)

      Space Jam 4ever!

      beijão!

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