Beating the shit out of the Beat Sheet

By Eduardo Albuquerque - 10/05/2015


 
Nos comentários da série de posts sobre os documentos de um longa, um Anônimo pediu para que eu discorresse um pouco mais sobre Beat Sheet, pois ele se perdeu um pouco sobre a formatação do mesmo.

Na real não há nada de formatação do documento Beat Sheet pra entender e sim como se dá a formatação da trama de um filme; isto é o Beat Sheet. E não entrei nos específicos propositalmente, pois acho que todo mundo deveria catar o "Save the Cat" (ou qualquer outro livro que cubra essas coisas) e dar uma conferida mais extensa do que via um pequeno post neste humilde blog. Mas tudo bem, viva a cultura do power point! Lá vou eu...

NOTA: O Beat Sheet do Blake Snyder (a.k.a. BS2) é o que mais me agrada na hora de visualizar um filme. Especificidades existem até dentro de cada gênero, sub-beats, digamos, mas o "BS2" traz os beats clássicos da estrutura de 3 atos aos quais, teoricamente, nenhum filme escapa. Então vou com ele! Senta (quem é que lê o blog em pé? anyways...) que vai ser bem longo.

A gênese de um filme se dá primeiro no encontro de duas coisas: a premissa e o tema. Não há hierarquia aqui. Um é irmão do outro; um explica o outro. A premissa é a missão, o "O quê", ou seja, Fulano faz x para alcançar y. O tema é o "porquê" dele fazer isso e talvez até mais o "porquê" de você, storyteller, estar botando este personagem pra fazer o que ele está fazendo. É a discussão proposta (não necessariamente explícitamente) pelo filme ao espectador. Antes de descobrí-los, ou pelo menos ter uma vaga idéia da dupla, não tem nem porquê continuar; você não tem nada.

Descoberto o Tema e a Premissa da sua história, você deve dispô-los em 3 atos, sendo eles:

1º Ato -  Consiste na apresentação do "antes", conhecemos o(s) seu(s) personagem(ns) e descobrimos as coisas que o(s) faz(em) incompleto(s). Ainda nele algo acontece que acaba forçando-o a tomar uma decisão que mudará tudo e transformará o mundo comum em um mundo diferente. Se você tinha a tese, agora, com a mudança, virá uma hipótese. Ocupa o primeiro quarto do roteiro/filme.

2º Ato - É na real a premissa do filme. É o que fez você querer assistir o filme: Uma loira fútil estudando direito em Harvard. Dois mongos procurando seu carro. Um muleque esquecido pelos pais, sozinho em casa se esbaldando à valer. É geralmente o que o título dá a entender e o que o poster mostra. Mas coisas começam a acontecer e aquele sonho/aquela missão começa a mudar demais as coisas e a situação começa a fugir do controle. De repente, o personagem se vê pior do que em seu mundo comum, onde faltavam coisas pra ele, mas sei lá... aquilo era o normal. Ainda que incompleto, ele estava confortável, entendia aquilo. Ocupa o segundo e o terceiro quarto do roteiro/filme.

3º Ato - É quando o seu personagem principal junta tudo que aprendeu e faz uma síntese, unindo o que funcionava do mundo comum com o que viveu no mundo especial. Ele perde o deslumbre e a ingenuidade e caminha para um mundo definitivo que vai ser, no mínimo, a volta ao mundo comum. Ocupa o quarto quarto do filme.


Mas isto não é tudo, pois dentro de cada um destes três atos e suas resoluções, existem pequenos movimentos que, sequenciados, dão a dinâmica narrativa de um longa-metragem. E isso sim é o Beat Sheet (agora visto verticalmente de cima pra baixo e não horizontal da esquerda pra direita):


Vamos discriminar cada um deles?

1º ATO
OPENING IMAGE (página 1)
Eu cobri de leve a importância de Opening e Closing Images neste post. É como se você destacasse um momento que definisse, com efeito, quem o seu personagem principal (ou o mundo que você vai retratar) era antes da transformação que ele vai sofrer. Um momento síntese também do tom do seu filme.

SETUP (acontece da página 1 até a página 10) 
Aqui expandimos da opening image e explicamos o "mundo comum" do nosso filme como um todo. Plantamos todas as informações que precisamos saber sobre o nosso personagem principal que serão mudadas já já. Apresentamos o que está faltando no nosso personagem principal (ou o que está sobrando a ele), suas virtudes, defeitos, suas vontades e medos, suas certezas e suas dúvidas, enfim... tudo que será mudado/posto em cheque pelo Catalyst logo mais.

THEME STATED (acontece durante o Setup, geralmente na página 5)
Lembra que a primeira racionalização de um roteiro de um longa é descobrir a premissa e o tema? Aqui é o momento onde o tema é, de alguma forma, enunciado. Geralmente falado/demonstrado por algum personagem coadjuvante para o personagem principal, que não pesca/entende aquilo, pois ele ainda não tem a experiência pessoal para contextualizar. Quase uma previsão/piscadela sobre o quê este filme é. O que ele pretende discutir. Muitas vezes é uma pergunta, até, que vai ser debatida durante o filme todo. "Na guerra e no amor vale tudo?", "o que é mais importante; a imagem ou a sustância?" e por aí vai. Eu acho um beat fundamental, mas tenho muita dificuldade nele. Às vezes é mais simples se concentrar na Premissa e não se dedicar muito no tema. Confesso que geralmente tenho que "descobrir" os porquês, fazer o "eureka!" e depois voltar e ir repensando/inserindo tudo à partir desta temática. Mas é importantíssimo! Quando entendemos as nossas próprias motivações e encontramos este núcleo temático, todas as respostas se encaixam. A estrutura é sempre a mesma, então quando você tem o Tema bem fechadinho fica muito mais fácil de adequar todo o resto a isso e entender se sua trama e seus personagens estão fazendo o que eles deveriam fazer.

CATALYST (página 12)
Um evento, uma decisão, um telegrama que chega, uma pessoa que morre... algo que acontece e vai forçar uma mudança radical ao seu personagem principal/mundo que você construiu. Esse beat é básico em todo filme. Afinal, todo filme tem um "era uma vez... até que....", certo? O catalyst é o "até que". Um incidente que catalisa todas as angústias, medos, vontades e urgências plantadas no Setup e forçam o abandono do mundo comum e a entrada no mundo especial.

DEBATE (página 12-25)
Mas esta entrada não é feita direto assim, de uma vez só. Senão parece que foi uma decisão açodada do nosso personagem. Ele nunca aceita de bate-pronto a mudança. Ele reluta, ou pelo menos alguém reluta por ele, e a premissa temática mais uma vez aparece aqui destacadamente, pois se você estiver redondinho em seu filme, questionar a premissa de trama (a missão do personagem) deve questionar também a premissa temática de sua história, os porquês dos o quês. Se o amedrontado herói aceita na mesma hora ir pra guerra, até que ele é bem corajoso, certo? E aí não sentiremos medo junto com ele na hora que ele adentrar o mundo especial, onde bombas caem à poucos metros, amigos levam tiro... ele tá lá porque quis. O Debate é o momento onde o personagem põe em perspectiva suas opções e no fim acaba embarcando, mas ele e/ou outras pessoas devem mostrar o perigo que é embarcar.

BREAK INTO ACT 2 (25)
É o último momento do primeiro ato, a entrada no segundo. É o momento que o seu personagem resolve, apesar de tudo que foi ponderado no Debate, que ele não tem escolha. Ele tem que sair do seu mundo comum, da sua zona de conforto, e meter bronca.

2º ATO
FUN AND GAMES (30-55)
Com a decisão feita, o personagem abandona a tese e entra na hipótese, o mundo comum de cabeça pra baixo. Aqui as coisas tem que ser diferentes e temos a promessa da Premissa realizada. É, na real, o beat mais fácil, pois é exatamente o que você pensa na hora de imaginar o seu filme. A gente pensa numa premissa através de cenas que explorem esse potencial, certo? Se nossa premissa é um personagem que tem que estar undercover em alguma situação, vemos a difícil adaptação dele à essa farsa. Se a premissa é a difícil união de dois personagens, aqui vemos na prática o porquê desta dificuldade. Aqui é um momento que podemos esquecer a trama e apenas curtir o potencial da sua premissa, entende? Não à toa se chama fun and games (diversão e jogos), mesmo se seu filme for... sei lá, de terror(!), pois esse é o momento onde o monstro tá matando geral e o potencial de susto come solto.

B-STORY (30ish)*
Enquanto você tem a sua história A, que é a missão do seu personagem (salvar o mundo, chegar à determinado local, achar o cálice sagrado...), paralelamente deve correr uma história B, que geralmente é menos física e mais emocional. Menos externa, mais interna, intangível. Em 80% dos casos é o interesso romântico do seu personagem principal. Não é só pra cumprir cota e ser mais comercial; a história B é um ponto forte de conexão com o seu Tema e o conflito da história A com a história B que deve dar a resolução final do seu filme. Tem que garantir o prêmio E a garota, senão não tem vitória.

* Como o Theme Stated, este beat é flutuante, na real. Por isso coloquei-o à direita. Não se importe muito com onde ele vai aparecer pela primeira vez (aliás, estas marcações de páginas são indicações e não obrigações). O importante é que ele corra junto da sua história dali até o final, sempre te dando respiros - porque ninguém aguenta tanta pauleira e obstinação do personagem em sua missão; temos que nos divertir também.

MIDPOINT (55)
"It's all fun and games until someone loses an eye..." Esse é o momento onde alguém perde um olho. Não literalmente, mas, depois de tanta diversão, algo acontece que nos faz lembrar da nossa história A, da missão principal. Tava divertido curtir o Schwartzeneger com as crianças do jardim da infância e a mãe do garoto é mó gata, tomara que eles fiquem juntos... mas temos que lembrar que tem um assassino à solta por aí! O midpoint é chamado assim, porque ele está exatamente na metade do roteiro. Nele, algo deve acontecer na trama que (i) aumente o risco da missão toda e (ii) coloque um relógio na tela. Para que depois de tanta liberdade e diversão, a gente lembre que há um prêmio a ser conquistado, um lugar a ser chegado, um mundo a ser salvo... Geralmente é uma falsa vitória - algo que parece ser bom, que dê a impressão de que tá tudo resolvido, só que aí o herói se descuida e perde tudo - ou uma falsa derrota - algo que acontece e nem é grande assim, mas aperta o calo do personagem e começa a minar a confiança dele. Porque, de qualquer modo, o próximo beat é o de "perda de terreno conquistado".

BAD GUYS CLOSE IN (55-75) 
A tradução é "os malvados fecham o circo" e em muitos casos é literalmente isso. Se você tem um oponente/adversário claro ao seu personagem principal, ele começa a mandar bem aqui, colocar o seu herói pra trás, seja porque ele é fera ou porque seu personagem está se descuidando, achando que o jogo está ganho. Às vezes o oponente do nosso personagem não é físico ou externo. Nestes casos geralmente o inimigo é a sua própria vaidade, sua confiança... e o seu personagem principal acaba por culpa própria dificultando toda a sua missão e o que parecia que ia ser resolvido começa a ficar mais complicado e longe. O curioso desta estrutura de longa metragem - e eu falei de leve sobre isso nesse post - é que muitos dos beats são primos. São meio parecidos, dispostos iguais, só que próximos a polos diferentes. O Bad Guys Close In, por exemplo, é diametralmente oposto ao "Fun and Games". Eles são duas faces da mesma moeda.

ALL IS LOST (75)
Ao pé da letra aqui: tudo está perdido. Outro beat importantíssimo. O seu herói embarcou numa aventura surgida via Catalyst, um mundo novo se abriu e foi divertido vê-lo dando os primeiros passos, se adaptando à esta nova situação que chamamos de Fun and Games. Só que algo, chamado Midpoint, aconteceu que deu uma puxada na rédea e o fez (e nos fez) lembrar que há um motivo pra tudo aquilo estar acontecendo e há um prazo/urgência para que aquilo seja feito, senão vai dar ruim. Com esse fato novo e a pressão advinda do mesmo, é o que chamamos de Bad Guys Close In; nosso herói começa a ter mais dificuldades e se descuidar até o momento onde não só ele aparentemente perde o seu interesse romântico (ou o que quer que seja sua BStory) como também parece ter perdido qualquer chance de conseguir completar sua missão, seja ela ganhar uma promoção, chegar em casa a tempo, descobrir alguma invenção etc... ALL.IS.LOST. Fácil, não? Basicamente é pegar a missão da premissa e dispôr de uma maneira que ela não pode ser realizada. Acabou o dinheiro de pesquisa pra descobrir a cura da doença e o seu personagem vai ter que demitir todo mundo e abandonar seu sonho (e com isso, vai descontar em seu interesse romântico e ficar sozinho). O aeroporto fechou devido à uma nevasca e de carro vai demorar muitas horas e seu personagem não chegará em casa a tempo do natal e com isso seu filho vai chorar e ficar bolado com ele. A chave é derrotar seu personagem, deixando-o sozinho e pior do que quando ele começou o filme.

DARK NIGHT OF THE SOUL (75-85)
E sabe por que ele tá pior do que quando começou o filme? Porque ele agora sabe demais. Ignorância é uma benção. Se ele tivesse ficado no mundinho comum dele, ia se sentir incompleto, mas nem saberia exatamente porquê. Ele teve um gosto de tudo que ele poderia ser e vê que falhou. Ele não mais consegue voltar para seu mundo comum, não se encaixa, porque a verdade é que aquele mundo não mais existe. Eu acho que fui muito feliz cobrindo isso neste post, com um truque muito bom, dá uma olhada! De toda forma, este é o momento "oh, Deus! Por que me abandonastes!", onde seu personagem deve causar pena na audiência. Ele está no pior lugar que você pode estar; à um passo do fundo do poço. Até que ele cai para o fundo do poço...

BREAK INTO ACT 3 (85)
E o fundo do poço é libertador; não há mais o que perder. Algo acontece, geralmente algo relacionado à morte, que faz nosso personagem lembrar de sua própria mortalidade. Ele é um herói, no final das contas, e tem de lutar, mesmo que as chances sejam remotas. Não se luta por uma recompensa e sim porque se tem que lutar, independente do resultado. Seu personagem principal se dá conta que a ignorância não é uma benção. É exatamente porque ele sabe demais que ele vai vencer. Se possível unindo história A e B, aquele conselho despretencioso do seu interesse romântico/mentor, o seu personagem principal vai ter um "eureka!" de último minuto de como fazer isso acontecer e vai se colocar em ação, começando o terceiro ato, a resolução da história toda, a batalha final.

3º ATO
GATHERING THE TEAM (os próximos beats não tem paginação, depende muito da sua história/gênero) 
O seu herói também fez muita merda, cá entre nós. Ele precisa agora reunir seu time de volta, pedir desculpas e tal OU, se ele foi um solitário o tempo todo, reunir suas armas e técnicas. Este beat é uma pequena preparação para a guerra que está vindo. Pode ser um treinamento rápido de artes marciais, a seleção correta das armas e o devido carregamento de munição, ou até a feitura da barba, penteado no cabelo e perfume no pescoço. Este é o momento que o seu personagem, que estava agora há pouco se sentindo uma bosta, reconstrói a ponte de sua auto-estima e da confiança dos outros em sua liderança/na busca de seu sonho.

STORMING THE CASTLE
Vemos a idéia do herói acontecendo. Tudo tem de dar certo aqui. O personagem arrebenta na venda do seu produto/mete a porrada nos vilões/dança lindamente/ultrapassou geral na corrida e já meteu 12 segundos pro segundo lugar. A vitória parece certa, até que...

HIGH TOWER SURPRISE
A princesa não está na torre! Fomos enganados! Seu herói estava indo bem e estávamos empolgados, mas o seu vilão (de novo, seja ele físico ou interno) estava na real um passo à frente o tempo todo. Alguma surpresa acontece e muito parecido (porém bem mais curto) com o All is Lost, a impressão que dá é que, apesar de todo o esforço, infelizmente a vida não é como os filmes e não vai dar certo pro nosso herói. Nota: hehehe aqui você deveria estar tão envolvido a ponto de pensar que a vida deste personagem é a vida real e não um filme. Então, seguindo os exemplos do beat anterior: O personagem arrebentou na venda do seu produto, mas... na hora de demonstrá-lo, o produto não funciona/o personagem meteu a porrada nos vilões, mas... sua munição acaba e ele não tem mais bala pra matar o vilão mór que anda em direção a ele e tem uma arma/ o personagem dançava lidamente, mas... seu vestido prende num canto do palco, deixando-a apenas com a roupa de baixo para o espanto dos tradicionais juízes/ o personagem tava bem na corrida, liderando, mas... o pneu estoura por azar ou porque o companheiro de equipe do vilão acaba batendo em você etc.

DIG DEEP DOWN
Se o último é parecido com o All is lost, este é parecido com o Dark Night of the soul. Mas não na parte deprê do personagem se sentir um merda. Aqui é uma mostra de sua maturidade. Ele já foi ao ponto mais dark de sua alma, entende e sabe que o importante é lutar e fazer o certo, então é quase um "entrego nas mãos de Deus", onde ele, com fé, irá de peito aberto aceitar o que quer que aconteceu e buscar fundo dentro dele uma solução, mesmo que seja sobrenatural. "Use the force, Luke!"

EXECUTING NEW PLAN
O que quer que seja esta idéia/fato que só aconteceu porque o seu personagem principal, após toda a experiência que ele teve durante o filme, entendeu e teve fé no processo, ela dá a chance dele virar o jogo e encerrar de uma vez por todas esta história. Ele derrota todos seus oponentes, do menos perigoso até o mais perigoso e, com isso, conquista a garota e o prêmio. Resolve a história A e a história B.

CLOSING IMAGE (110)
O oposto da opening image, que mostre o quanto o seu personagem evoluiu e se transformou após esta jornada toda. Mais uma vez; dê uma olhada nesse post, que tem um vídeo sensacional para que você medite sobre o quanto ajuda ter um bom entendimento da importância de fortes opening e closing images. Se você, como roteirista, investir nisso e o diretor tiver noção disso e também colocar sua dedicação nesta empreitada, pode-se ter um efeito muito bacana para o todo.

Ufa.

Esta foi a minha esmiuçada do Beat Sheet. Espero que tenha ajudado o anônimo e quem mais estivesse precisando que esta matéria fosse mais mastigada. É leitura pra semana inteira, né? Se ainda não fez muito sentido, catem na internet Beat Sheets de filmes (tem vários) e leiam-os observando o que encaixa em cada beat. É a melhor maneira de realmente apreender toda essa história e dar um passo gigante para a compreensão da narrativa de um longa-metragem.

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