O Roteirista e as fases de um projeto - Desenvolvimento

By Eduardo Albuquerque - 8/17/2015




Quem dera o filme se auto-criasse e chegasse subitamente ao colo dos espectadores. Uma obra cinematográfica passa por 5 etapas bem diferentes entre si e o trabalho de um roteirista, pelo menos idealmente, é necessário em todas elas. Porém, cada fase exige coisas diferentes de você. Tanto físicas quanto emocionais.

Nesta série de 5 posts falarei um pouco sobre o papel do roteirista - sua função, postura, dedicação e contrapartida - em cada fase de uma obra audiovisual. Pra começar, pelo início: Desenvolvimento.

Este é o nome para todo o momento "anterior" à contratação da galera "Below the line". Idealmente aqui só está a galera "Above the line" e geralmente apenas o tripé oficial above the line (roteirista, produtor e diretor). *

Função: Sabe a série de post que fiz sobre os documentos de um longa? Então, sua função aqui nesta etapa é fazer TODOS eles. Argumento, Beat Sheet, Escaleta e Tratamento. O número de tratamentos vai variar de acordo com vários fatores. Desde os que dizem respeito à você (não conseguiu ainda deixar o roteiro suficientemente bacana/maduro pra ser filmado) quanto ao produtor (que não conseguiu ainda levantar o dinheiro/congregar as pessoas certas pra meter o filme em pré-produção). Você pode também ser requisitado a escrever algum outro tipo de documento - um texto de venda do projeto para algum patrocinador? -  mas é sempre bom lembrar que o mais importante é ter o roteiro bem escrito, então terfoco é vital.

Postura: Aqui é o momento que você tem que brilhar. Aqui o roteirista é o líder do filme. Não que você tome as decisões sozinho, mas você é a parte mais importante deste projeto. Neste momento estão todos realmente ouvindo o que você tem a dizer. É o momento que você tem pra realmente fazer a diferença e influir criativamente na coisa. Estão todos trabalhando para que você faça o seu trabalho, que é desenvolver a história (seja ela criação apenas sua, seja encomendada pelo produtor/diretor) e transformá-la em um roteiro.

Dedicação: Não está claro com tudo que falei? Go hard! Este é o seu momento; precisa do máximo da sua dedicação. É aqui que você vai levantar os pesos mais pesados. Mas muita parte é no conforto da sua casa, na sua administração de tempo, então dá até pra conciliar com outros projetos em outras etapas.

Contrapartida: Você deve estar sendo pago neste momento! Você é escritor, seu trabalho é escrever e você está escrevendo; logo você deveria estar recebendo agora. É o que eu acho. No entanto, este é um assunto, que já cobri neste post, que divide opiniões, então, vendo por outro lado, há um tempo para tudo e de repente é do seu interesse que o projeto vá andando mesmo ainda sem receber por isso etc. e tal. Então vamos aos extremos das coisas: o mínimo é que você faça de graça o texto de inscrição do projeto na ANCINE. Sem passar pela ANCINE chance mínima de realizar o filme, então mete bronca, são poucas páginas e pouca dedicação necessária. Após registrado, eu daria um tempo pro produtor - se ele disser que "no hay plata" - captar uma grana (mínima) pra pagar um tratamento feito por você (para, aí sim, ele começar a captar grande grana). Existem hoje em dia diversos editais específicos para desenvolvimento, então, se ele não consegue, via edital ou outras vias, chorar um dinheirinho na sua mão pra que você escreva um tratamento, ou ele é fraco ou o projeto é fraco/inviável. Melhor reavaliar as coisas. Já o máximo que você deve fazer é escrever já o tratamento do roteiro (lembre pra quem tiver chorando; esse é o seu trabalho! O diretor só filma se pagarem ele antes...) com um contrato já deixando estipulado que assim que for captado dinheiro pro filme, você vai receber X, de maneira Y e o que mais for. Outra forma tipo "ah, escreve aí, a gente vê depois" é uma furada. Tenha tudo estipulado para, se der ruim, ter um papel pra mostrar pro juíz e pegar seu ressarcimento pelas horas e horas que você trabalhou.

Pra encerrar uma dica: Deixar pra receber antes da filmagem ou depois é um problema porque você nunca sabe quando isso pode rolar de fato (shit happens all the time) e a retirada do dinheiro pode ficar vinculada a burocracia da ANCINE e você fica ferrado. Vincule seu pagamento a entrega do tratamento. E de preferência UM tratamento apenas. Se precisar de mais tratamentos, que paguem mais dinheiro. Pode até já deixar tipificado no contrato quanto vai ser cada tratamento adicional pra que nem você nem eles cresçam o olho, mas o ideal é que você não combine uma quantia por tratamentos ilimitados. É do interesse de ambos acertar o quanto antes para que o filme saia; faça o dinheiro ajudar nesta questão te dando calma psicológica e gás pra escrever e dando ao produtor certeza de que está gastando só o necessário.


* Above the line é um termo para denominar os indivíduos que guiam, influenciam, enfim; possuem voz para determinar e direcionar a narrativa de uma obra cinematográfica. Caso a caso, um ator ou outro cargo entra nesta definição, mas, necessariamente, roteirista, produtor e diretor (diria até que nesta ordem) são sempre parte deste grupo. Todo o resto (diretor de fotografia, diretor de arte, atores, assistentes, montadores, trilha sonora etc., ou seja, ligados só à parte de produção de fato da obra) são chamados "below the line". 

Veja outros posts da série "O Roteirista e as fases de um projeto"
Primeira fase: Desenvolvimento
Segunda fase: Pré-Produção
Terceira fase: Produção

Quarta fase: Pós-Produção
Quinta fase: Lançamento

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2 comentários

  1. Olá Eduardo! Meu sonho é ser roteirista (sei que deve ouvir muito isso) e embora não tenha certeza de que vá levar isso adiante por uma quantidade infinita de razões pessoais e profissionais leio muito a respeito. Já li diversos roteiros brasileiros e estrangeiros (o pouco que é possível encontrar nesse terreno sem dono chamado internet) e li quase todos os exemplares existentes de livros ligados ao assunto (obrigada PDF). Porém, mesmo assim ainda me sinto despreparada. Não no quesito prático, até porque todo meu conhecimento é teórico e teoria não leva ninguém a lugar nenhum. Me sinto despreparada no sentido de, mesmo tendo lido tanta coisa, ainda sentir que tenho muito pouca informação. Tenho pouco tempo para decidir minha faculdade e embora saiba que não é obrigatório ter formação em cinema para se escrever roteiros essa opção me atrai bastante devido a sua ampla atuação. Já escrevi três livros, os quais publiquei de forma independente, e como exercício estou adaptando um a um para um roteiro de cinema, o que honestamente é meu foco principal caso venha a trabalhar nesse meio. O que eu quero dizer com tudo isso é que sinto que não tenho com quem conversar a respeito de modo que quanto mais meu tempo diminui, mais minhas duvidas aumentam. O blog foi muito esclarecedor para mim e o melhor que já encontrei do gênero, vou acompanhar as postagens daqui em diante e ler as antigas. Muito obrigada pelas informações!

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    1. hahahah poxa, Sabrina... to lendo aqui suas angústias de não se sentir preparada, até que chego em "tenho pouco tempo pra decidir minha faculdade"... você é MUITO nova! Relaxa. Só do fato de já ter formulado uma "dúvida" quanto ao que fazer, você já tá muito à frente de muita gente.

      Que bom que você gostou do blog! Espero que continue visitando mesmo e participando nos comentários!

      Dando os meus dois centavos: nunca advogo contra faculdade de cinema; sou eu mesmo um graduado dela. Considerando o quanto você já escreve (livros e tal), ou seja, teoricamente tem uma facilidade prática pra entender e realizar as diferenças narrativas de um roteiro de cinema, eu consideraria fazer uma faculdade em alguma área complementar. Fazer cursos mais curtos e específicos de roteiro, fazer muita coisa sozinha (vendo filme, lendo roteiros, estudando informalmente) pra, enquanto isso, ter uma formação complementar (marketing? algo visual tipo design?) que possa te dar uma tranquilidade de emprego "fácil" (porque no audiovisual, como já falei no post "roteirista Pessoa Juridica"você tem uma carreira e não um emprego) que te dê tranquilidade pra você ir confeccionando seus roteiros e tal. Mas pensando aqui, a verdade é que como o audiovisual no Brasil é ainda um mercado e não uma indústria, a faculdade ainda te ajuda no quesito "conhecer pessoas". Tua colega de classe pode vir a ser uma produtora/diretora/roteirista/assistente/whatever no futuro e te recomendar ou querer você junto e aí você entra no sistema.

      Não há certo ou errado; tem muitos fatores aí. Pra mim foi ótimo, mas era outra época, outro tudo e minhas experiências são minhas, né? É uma decisão que você vai ter que fazer sozinha. Pra acertar ou errar, e aprender com isso. Bem vinda a vida adulta! É um bando de pulos de olhos vendados no precipício torcendo pra ter uma rede lá embaixo. Ficar parado é que não dá.

      Boa sorte!

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